Está endividado? Confira seus direitos

Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a média das famílias brasileiras com dívidas em 2021 chegou a 70,9%, a maior em 11 anos

Carlos Silva*
postado em 31/01/2022 00:01

Novo ano, velhas dívidas. Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a média das famílias brasileiras endividadas em 2021 chegou a 70,9%, a maior em 11 anos. Porém, endividado, o consumidor ainda tem uma série de direitos que lhe são garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e outras legislações.

Apesar de ter origens diversas, situações de superendividamento tem dois frequentes inícios. "São os empréstimos bancários e os cartões de crédito. E a gente tem diversos problemas com a negociação. Geralmente, são taxas de juros muito altas e falta de informação", sintetiza o professor do Ceub e especialista em direito do consumidor Ricardo Bastos.

Foi por um desses problemas pelo qual passou a terapeuta Elizabeth Chiletto, de 58 anos, moradora de Águas Claras. Em maio de 2016, ela foi vítima de um golpe financeiro e entrou em situação de endividamento. "Minha dívida passava de R$ 250 mil. Entre refinanciamentos e empréstimos com garantia do imóvel, empréstimos consignados no benefício do INSS, enfim, usei todos os recursos que eu tinha", explica.

A terapeuta conta que começou a notar conduta abusiva por parte do banco quando começou a receber ligações em horário de trabalho e depois que a instituição passou a ameaçar leiloar o apartamento que Elizabeth havia colocado para consignação, que estava à venda para quitação das dívidas. "Tive que contratar um advogado para entrar com ação na Justiça para eu não perder o imóvel, pois o banco que havia consignado o apartamento, e apesar de estar envolvido na compra e na venda, começou a ameaçar leiloá-lo porque as prestações estavam atrasadas", relata.

Nisso, segundo Elizabeth, o banco do comprador do imóvel demorou um ano para liberar o dinheiro. Depois de resolver a situação de endividamento, a terapeuta buscou um especialista em Código de Defesa do Consumidor (CDC) para ser ressarcida dos prejuízos causados no processo. "Entrei com uma ação baseada no CDC solicitando indenização por danos morais, pela demora que o banco levou para fazer a liberação do contrato do comprador. Então, pedi ressarcimento dos juros pagos (das dívidas que eu tinha) mais danos morais. E ganhei. Isso me capitalizou um pouco novamente, mas não chegou aos pés do que eu perdi", explica.

O professor Ricardo Bastos lembra que a pessoa que está em situação de superendividamento ainda deve ser tratada com a mesma dignidade que o consumidor que não está passando pelas mesmas condições, visto que o tratamento errôneo da situação pode dificultar ainda mais a negociação. "O endividado deve sim ser tratado com respeito e com muita responsabilidade, porque muitas vezes a situação de superendividamento coloca o consumidor numa posição de mega vulnerabilidade. O consumidor pode estar depressivo, doente, com diversos problemas que dificultam a negociação em si", explica.

Outro ponto importante a se atentar é que, após a alteração da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) pela Lei Nº 14.181, de 1º de Julho de 2021, o código passou a ter mais diretrizes acerca das questões relativas ao superendividamento, como explica o professor de direito empresarial do Centro Universitário Iesb e conselheiro suplente do Fundo de Defesa dos Direitos do Consumidor do Procon-DF, Rogério Oliveira. "O Código de Defesa do Consumidor passou a ter política nacional de relações de consumo, como o fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores, assim como a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor. Essa previsão foi incluída no artigo 4º do código, que já contava com outras políticas", esclarece.

O que diz o CDC

Como dito antes, uma série de direitos existe para garantir a dignidade do consumidor em situação de superendividamento. Assim, credores não podem transgredir essas regras, estando sujeitos a punições, segundo o artigo 51 (Das Cláusulas Abusivas) do CDC. Dentre as ações que não podem ser tomadas pelo credor estão cláusulas contratuais que permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral, autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor, estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário, etc.

O especialista em direito do consumidor Rogério Oliveira também chama atenção aos artigos 54-B e 54-C do CDC, que tratam de contratos. Além de vetar que o fornecedor indique que a operação de crédito possa ser concluída sem consulta ao serviço de proteção de crédito ou sem avaliar a situação financeira do consumidor, ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e riscos da contratação do respectivo crédito ou da venda a prazo, os artigos também trazem diretrizes sobre aproveitamento da vulnerabilidade do cliente. "O fornecedor também não poderá assediar ou pressionar a contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente quando se tratar de idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada, ou se a contratação envolver prêmio", lembra.

Como ressalta o professor do Ceub Ricardo Bastos, "os parâmetros de negociações devem ser discutidos, não devem ser sempre aceitos. Eles não devem ser aceitos quando são abusivos, se colocam o consumidor numa condição muito pesada, num com ônus excessivo, taxa de juros muito alta e parcelamentos muito longos. Muitas vezes, o consumidor quer renegociar sua dívida, mas não quer que sobre nenhum valor para ele. Então, tudo deve ser esclarecido. Os parâmetros de atuação realmente devem respeitar a legalidade e os direitos do consumidor. Mas tudo pode ser conversado. O consumidor deve buscar esclarecimento".

Cobrança abusiva

Apesar da possibilidade de ocorrerem situações de abusividade na cobrança, o consumidor em situação de superendividamento pode garantir seus direitos por diversos meios, como explica Ricardo Bastos. "A primeira orientação é a solução administrativa. Buscar a própria empresa e fazer uma reclamação no SAC, buscar o Procon. Caso essa cobrança seja vexatória, insistente ou ganhe uma proporção maior, o consumidor pode buscar o Poder Judiciário por uma reparação por danos morais. Mas lembrando que não é qualquer vexatória. A cobrança deve ser abusiva, colocar o consumidor em situação constrangedora, submetê-lo ao ridículo. Os meios que o consumidor tem são esses: Procon e Poder Judiciário", explica.

A busca pelo Judiciário para resolução de casos de superendividamento está baseada nos artigos 104-A, 104-B, 104-C, do capítulo V (Da conciliação no superendividamento). O artigo 104-A, por exemplo, prevê a realização de audiência conciliatória para que o consumidor apresente proposta de plano de pagamento das dívidas com prazo de, no máximo, cinco anos. Caso não haja êxito na conciliação, o juiz poderá instaurar processo por superendividamento, por meio de um plano judicial compulsório, o qual prevê "no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida".

O especialista em direito do consumidor Rogério Oliveira também lembra de outras soluções para casos de superendividamento. "É relevante citar, por exemplo, a experiência que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios criou, em 2016: o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania Superendividados (Cejusc/Super). O objetivo é promover a prevenção, o tratamento e a resolução de conflitos envolvendo consumidores em situação de superendividamento. Na Defensoria Pública e nos Núcleos de Práticas Jurídicas das faculdades de direito reconhecidas, há tratamento específico para a pessoa hipossuficiente que se considera na situação de superendividamento", aponta.

*Estagiário sob a supervisão

de Adson Boaventura 

Dicas para evitar as dívidas

» Planejamento financeiro é fundamental

» Evite empréstimos
bancários com juros
abusivos

» Evite dívidas com cartão; nunca deixe de pagar o cartão de crédito na íntegra

» Coloque na ponta do lápis tudo que você está gastando. Para que você tenha o seu direito respeitado, é importante que você documente toda a situação que você está vivendo

» No caso de juros abusivos, coloque na ponta do lápis os juros que estão sendo cobrados

»Claro

Problemas na fatura

Camila Lacerda Ribeiro Vieira,

Asa Norte

A estudante Camila Lacerda Ribeiro Vieira, 20 anos, moradora da Asa Norte, entrou em contato com a coluna do Grita do Consumidor para relatar um problema com a empresa Claro. "No APP Claro Móvel diz que a fatura está sendo paga junto da Residencial, e que está tudo em dia. Há a mesma informação dentro do APP Claro Residencial. Mas minha linha foi suspensa este mês, segundo eles, por não ter pago a fatura de dezembro. Reclamei e até agora estou sem resposta. O aplicativo diz uma coisa, a fatura diz uma coisa e eles dizem outra, e ainda afirmam que não conseguem resolver se não emitindo a segunda via de uma fatura que já paguei", relata.

Resposta da empresa

"A Claro informa que a linha da senhora Camila Lacerda Ribeiro Vieira está ativa e a operadora está tentando contato com a cliente para os esclarecimentos necessários. A Claro continua à disposição por meio de todos os canais de atendimento."

Resposta do consumidor

"É uma resposta genérica que desconsiderou tudo o que eu falei sobre ter pago, e isso ser um problema recorrente. Eu já perguntei dos valores das faturas e ninguém responde. Pedi uma cópia do contrato e nada, inclusive perdi o desconto de débito automático porque resolvi pedir o boleto e conferir a fatura todo mês devido a essa confusão."

Mercado Pago

Transferência de dinheiro

Vivian de Castro Henriques,

Águas Claras

A empresária Vivian de Castro Henriques, 46 anos, moradora de Águas Claras, afirma que R$ 3 mil foram transferidos para fora de sua conta do Mercado Pago sem sua autorização ou conhecimento. "Sumiu um dinheiro da minha conta do Mercado Pago, por meio de uma transferência, e eles não me deram nenhuma informação a respeito. Só me informaram o nome da pessoa que recebeu, mas não me deram o número da conta, CPF e nem falaram por onde foi feita essa transação. O Mercado Pago fez uma transferência da minha conta e ficou por isso mesmo. Eu quero reaver esse dinheiro e eles estão alegando que a transferência foi feita por um dispositivo autorizado por mim. Quero que eles me provem isso, porque somente eu tenho acesso à senha. Não fui eu quem fez a transação. Já que eles estão falando que eu fiz, eu quero um comprovante provando que fui eu, e eles não me deram comprovante", conta.

Resposta da empresa

"O Mercado Livre informa que analisou a conta da senhora Vivian de Castro, que está livre de riscos de segurança. Em casos do não reconhecimento de uma compra com cartão, o portador necessita solicitar o estorno do valor da compra à operadora do cartão de crédito."

Resposta do

consumidor

"Eles só sabem falar isso. Não foi compra no cartão. Apareceu uma transferência de R$ 3 mil da minha conta para outra conta de outra pessoa do Mercado Pago." 

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