Violência contra a mulher

Um basta à violência doméstica

Ao programa CB.Poder, a magistrada destaca a importância do combate ao ciclo de agressões dentro de casa, que atinge mulheres de todas as classes sociais

Ana Maria Pol
postado em 08/02/2022 00:01
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A. Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A. Press)

O combate à violência doméstica ainda é um grande desafio no país e, no Distrito Federal, não é diferente. Prova disso são os frequentes casos que têm surgido na capital federal. No ano passado, o DF registrou o segundo maior número de denúncias do tipo nos últimos 12 anos: 16.327, resultado inferior apenas à quantidade de 2019, que foi de 16.861. Em entrevista à jornalista Ana Maria Campos, ontem, no CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília — a juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), e autora do livro Invisíveis Marias, histórias além das quatro paredes e Violência doméstica e o Sistema de Justiça, Rejane Jungbluth Suxberger, falou sobre a importância da denúncia e da aplicação de medidas protetivas, ferramentas da Lei Maria da Penha, que resguardam a vida das mulheres.

Fale um pouco sobre o livro Invisíveis Marias, histórias além das quatro paredes e Violência doméstica e o Sistema de Justiça e
o que conta nele.

Ele é resultado dessa vivência diária das salas de audiência, daquilo que era observado, e eu achei importante trazer à tona aquelas histórias, para que outras mulheres pudessem se identificar e para que conseguíssemos, de alguma forma, enfrentar essa violência que ainda é tão corriqueira.

São histórias reais?

São ficções que eu mesclo processos em que cuidei. Uma história aborda três, quatro mulheres que passaram pela minha sala e acabei traduzindo aquela violência para o papel, para que outros pudessem se enxergar. Muitas pessoas chegaram depois, falando que denunciaram porque não sabiam que viviam a violência como a psicóloga e se viram naquelas histórias e tendo condições de fazer denúncias contra o seu agressor.

O que você enxerga, e o que se repete nessas histórias?

O primeiro ponto é o papel da mulher dentro das relações. Então são mulheres que muitas vezes cresceram no lar violento, onde a submissão e o silêncio da figura feminina eram naturalizados. Isso reflete nos seus relacionamentos com os agressores, que naturalizam a relação de poder e ultrapassaram seu lugar de fala dentro do ambiente doméstico, privado.

A violência psicológica é ainda mais difícil de ser detectada. Como se comporta um
homem em uma relação de violência psicológica?

A violência doméstica começa com a violência psicológica. Se a violência surgisse com agressão física, nenhuma mulher permaneceria neste ciclo de violência. A psicológica é como um ciclo de cera, em que a mulher não consegue diferenciar a violência do amor. Ela toma como cuidado do homem, o ciúme exacerbado, a proibição do uso de roupa. Ela começa a se sentir valorizada. E tudo aquilo que deixa uma pessoa desconfortável, ou inibe qualquer iniciativa, é uma violência.

A pandemia tem criado um ambiente que favorece
ainda mais a violência?

O normal foi retirado das famílias, das crianças, e isso gera uma tensão grande. No início da pandemia, tivemos casos de subnotificação. A impressão que dava é que a pandemia tinha diminuído a violência, quando na verdade tinha aumentado, porque a mulher não tinha como sair de casa, não podia denunciar o autor. Eu presenciei casos em que a mulher não podia prestar depoimento on-line porque ela estava com o agressor em casa.

Quando vemos o caso de uma mulher com medida protetiva e, mesmo assim, acontece um crime, isso significa que as medidas não funcionam,
ou é uma exceção?

A Lei Maria da Penha foi um divisor de águas. Ela não tem problemas, tem um arcabouço muito grande de enfrentamento à violência, e um dos principais pontos são as medidas protetivas. Quando há casos em que a mulher sofre violência, mesmo com a medida protetiva, isso não significa ineficácia. Pelo contrário, quantas mulheres a medida protetiva tem salvado? O que ocorre é algo que nós, do sistema judiciário, temos reiteradamente reforçado nas salas de audiência para que não aconteça: para que elas não se aproximem, porque eles vão tentar se aproximar, usando argumentos. São desculpas, que vão desde a entrega de algum documento até prometer que a violência não vai se repetir. Todos os casos que acompanhei durante os 15 anos de magistratura, de mulheres que tinham a medida, foram casos como esses, em que havia encontros com agressor. É como se fosse uma armadilha.

Nas audiências que já fez, o agressor, em geral, se arrepende? Ou mesmo perante a justiça, acha que cometeu algo justificável?

A maioria dos agressores não reconhece que praticou uma violência. A maioria se sente numa situação de injustiça, não entendem e falam que não são bandidos, que não cometeram crime. Ao serem questionados se praticavam alguma violência contra a esposa ou filha, a resposta que tinha era "mas ela é minha filha, ou minha mulher. Esse sentimento de propriedade, ainda é muito forte na sociedade, nos nossos lares. Eles se sentiam em uma situação de injustiça. O TJDFT possui alguns programas com universidades que oferecem o acompanhamento do agressor com algum psicólogo, enquanto tramita o processo judicial. A ideia é fazer com que eles possam entender a causa. Que eles possam reconhecer que aquele tipo de comportamento é errado e que hoje existe uma lei que proíbe.

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