Entrevista/ Bruno Oliveira, infectologista pediátrico

"É provável que os casos aumentem"

Ao CB.Saúde, médico avalia que o retorno às aulas presenciais deve fazer com que mais casos de covid-19 sejam notificados. Ele alerta que "a vacina é a única maneira de nos cuidarmos" e destaca que, no DF, não houve casos de reações após a imunização em crianças

Pablo Giovanni*
postado em 11/02/2022 00:01
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

A poucos dias de completar um mês do início da vacinação em crianças no Distrito Federal, a imunização de crianças de 5 a 11 anos está aquém do esperado no Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), 104.563 crianças (27%), em uma população estimada de 268 mil, tomaram a vacina. "Teve toda uma controvérsia, uma série de discussões, um temor das famílias de eventos adversos que aconteceram em outros países, além do medo de aplicação da Pfizer adulta nas crianças", avaliou o infectologista Bruno Oliveira, ontem, em entrevista à jornalista Carmen Souza, no programa CB.Saúde — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.

O que tem levado os pais a não vacinarem os filhos?

Temos uma conjuntura de valores de fatores complicantes para a vacinação infantil nesse momento. A liberação da vacina infantil aconteceu desde o fim do ano passado e temos vacinas disponíveis no DF. Teve toda uma controvérsia, uma série de discussões, um temor das famílias de eventos adversos que aconteceram em outros países, além do medo de aplicação da Pfizer adulta nas crianças. A vacina predominante aqui no Distrito Federal é a CoronaVac, que é a mesma aplicada nos adultos e nas crianças e está disponível nos postos de saúde. A gente não vê tanto motivo para uma adesão tão baixa, e o que a gente tem visto (nos postos de saúde) é um ambiente muito tranquilo, de certa forma, por essa procura por vacinas às crianças no DF.

Existe alguma razão clínica
que justifique adiar a
vacinação de crianças?

Existem algumas indicações clínicas, e varia de acordo com o histórico da criança. Por exemplo, se a criança estiver com sintomas febris ou gripais, o ideal é que se adie a vacinação até que os sintomas se resolvam. Em caso de covid-19, o ideal é que a gente aguarde 30 dias para iniciar o ciclo de vacinação. Para crianças que tomaram outras vacinas da calendário vacinal, o ideal é que a gente dê um intervalo de de 15 dias. Fora isso, não existem outros motivos. As vacinas estão liberadas, são seguras, testadas em fases pré-uso e são amplamente usadas no Brasil e no mundo.

Houve algum caso de crianças que apresentaram complicações após a vacinação e que demandou atenção médica?

Não. Em crianças, não conheço nenhum relato de efeitos de eventos adversos graves no DF. No começo, tivemos relatos de vacinação incorreta com essa confusão da Pfizer adulta e infantil. Nas últimas semanas, a gente não teve relatos sobre isso, e, em todos esses casos notificados, as crianças foram acompanhadas. Desde o início da vacinação de adultos, tivemos mais de 5 mil eventos notificados, mas apenas sete foram relacionados à vacina, sendo que cinco foram a alergia. Então, isso é mais da pessoa do que da vacina. Não tivemos óbitos. As vacinas são seguras para adultos e para crianças.

Como estão os atendimento nos hospitais infantis, como o HMIB
e o Hospital da Criança, nos últimos dias, considerando o avanço da ômicron?

Temos os hospitais do DF, seja público ou privado, cheios de casos do novo coronavírus. Diferentemente das outras ondas e de outras variantes, em que não tínhamos tantas internações infantis, nossos hospitais estão tomados por quadros respiratórios, e muitos deles por coronavírus. Nas outras ondas, não tivemos tantas internações pediátricas, sendo que, no início, as pessoas diziam: 'criança não pega'. Não, crianças pegam o coronavírus sim, da mesma maneira que os adultos pegam. Com a chegada da ômicron, ela é mais de 90% dos casos nos atendimentos, e isso impactou bastante a internação em pediatria. Não é que as crianças ficaram mais graves, é só porque a gente está tendo muito mais casos. Isso foi suficiente para encher as internações, além da influenza, que foi tudo ao mesmo tempo e causou uma situação bastante complicada nas unidades infantis do DF.

Quando falamos de casos graves, podemos relacionar isso a crianças com comorbidades ou outro fator de risco da covid-19? Há casos de sequelas e, possivelmente, óbitos?

Tem uma parcela importante de pacientes infantis que têm comorbidades, que foram internadas por agravamento, não só por covid-19, mas por agravamento das comorbidades. Há, também, um número considerado de crianças previamente hígidas, que não tiveram nenhuma doença, e que necessitaram de internação, muitas delas em UTI. Sobre sequelas, podemos falar das pulmonares e de outros tipos. Temos o caso de uma relativamente nova doença, descrita de 'covid longa'. Temos a doença inflamatória pós-covid, que aumentaram aqui no DF. Muitos países estão notificando recordes de óbitos de crianças sem comorbidades. A nossa notificação é menor, pelo pouco tempo de ômicron no país. É uma possibilidade (mais óbitos) de crianças no DF, com o aumento de casos. Sabemos que a vacina é a única maneira de nos cuidarmos.

No seu entendimento, é o momento de voltar com as aulas?

É uma decisão complexa. A gente sabe que, desde o início da pandemia, as crianças estão tendo um déficit intelectual, de aprendizado e de desenvolvimento social. Então, a gente entende a grande necessidade da reabertura das escolas e maior qualidade do ensino presencialmente do que remoto. Acredito que a gente tenha perdido um pouco de tempo com a vacinação infantil por outras questões, como a compra, a disponibilidade e a distribuição e, agora, estamos tendo um outro problema que são pais relutantes para levar as crianças para vacinação. Mesmo com protocolos, como distanciamento e uso de máscaras, é provável que os casos aumentem, por conta do contato das crianças. Caso surjam sintomas, os pais precisam ficar atentos com corizas, tosse, espirros, febre, dor no corpo, diarreia, vômitos e rouquidão. Todos esses sintomas são compatíveis com a covid-19 e com outros vírus respiratórios. Quem está doente não pode ir para a escola, para não disseminar, seja qual for o vírus.

O Equador anunciou que vai vacinar crianças com 3 anos. Israel informou que pretende
vacinar bebês em abril.
Podemos pensar nessas possibilidades no Brasil?

Acho que, no futuro, isso é bastante provável. A gente sabe um pouco das histórias das vacinas, porque muitas comentam: 'ah, a vacina é uma tecnologia nova'. Na verdade, a gente vem trabalhando com essa tecnologia há 200 anos, e, por isso, conseguimos desenvolver vacinas tão rápido. Acima dos dois anos, do ponto de vista imunológico, as crianças são muito parecidas com os adultos. Então, esperamos que essa idade vá diminuindo.

Pais vacinados protegem
crianças vacinadas, independentemente da idade?

A infecção em adultos está relacionada à infecção de crianças. E adultos não vacinados, que não receberam, pelo menos, três doses, têm 14 vezes mais chance de ficarem doentes. Então, a chance deles transmitirem para crianças é maior. A vacinação é uma medida de proteção individual, mas também coletiva, principalmente entre jovens de 30 a 40 anos no DF, que é a menor parcela vacinada na capital. Quem tiver a dose atrasada, é muito importante procurar as unidades de saúde. Vamos vacinar!

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho

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