ENTREVISTA

"Há uma banalização da pandemia", avalia sanitarista e professora da UnB

Para especialista, diminuição da letalidade da covid-19 — principalmente devido à vacinação em massa — e fake news têm feito com que a população deixe de considerar a seriedade da crise sanitária. Para mudar isso, ela cobra chamamento à imunização

Eduardo Fernandes*
postado em 18/02/2022 06:00
Carla Pintas, professora do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), em Ceilândia -  (crédito:  Ed Alves/CB)
Carla Pintas, professora do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), em Ceilândia - (crédito: Ed Alves/CB)

O não comparecimento da população aos postos de saúde para completar o esquema vacinal com três doses pode comprometer o enfrentamento à pandemia no Distrito Federal. Para a professora Carla Pintas, do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB) em Ceilândia, as autoridades devem ter um olhar atento sobre essa realidade, que se reflete na ocupação de leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs). Durante uma parte do dia, nessa quinta-feira (17/2), não havia vagas disponíveis para adultos ou crianças na rede pública. “Temos números importantes de pacientes intubados na UTI que não estão com esquema vacinal em dia ou nem tomaram a vacina”, afirmou a sanitarista, em entrevista à jornalista Carmen Souza, no programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília.

Sobre problemas na adesão à vacinação contra a covid-19, há uma discussão de que quem não completou o esquema de imunização coloca o combate à pandemia em xeque. Qual sua opinião sobre isso?

Hoje, temos disponível uma grande quantidade de vacinas, para toda a população. Temos (imunizantes) para a idade infantil até idosos. Mas o que vemos são pessoas deixando de tomar a segunda dose, em especial. (Sobre) a terceira dose, aqueles que estão dentro do calendário têm deixado de fazê-lo. Olhamos isso com muita preocupação porque, de alguma forma, temos a circulação do vírus, de outra variante e da subvariante da ômicron. Não temos visto resposta efetiva da população à completa vacinação e temos números importantes de pacientes intubados na UTI que não estão com esquema vacinal em dia ou nem tomaram a vacina.

Justifica-se que essa baixa adesão esteja ligada às fake news. A senhora acredita que existam outros fatores envolvidos nessa resistência?

Penso que não são só fake news. Há uma banalização da pandemia e do quadro pandêmico. Se, em 2019, no começo da crise sanitária, tínhamos uma covid-19 extremamente letal, hoje, temos a doença com casos pouco sintomáticos. Isso tem feito com que a população banalize a questão. Mais do que nunca, precisamos que as pessoas estejam vacinadas, para que tenhamos a imunidade de rebanho e (possamos) seguir o próximo passo, que é restabelecer as atividades de forma adequada.

Como é possível enfraquecer essa banalização?

A quem tomou as vacinas: comprometa-se a completar o ciclo. Para entrar na Universidade de Brasília (UnB), é preciso ter tomado as duas doses (iniciais). Hoje, a circulação de pessoas deveria ser para aquelas que estão com o esquema vacinal completo; para a segurança de quem ainda não tomou, da criança que ainda não tomou, porque começamos agora a vaciná-las. Temos visto um número baixo de adesão das crianças ao ciclo vacinal. E, em se tratando de saúde coletiva, temos o Plano Nacional de Imunização (PNI), com todo tipo de vacinas para crianças desde o momento em que nascem. Elas saem da maternidade vacinadas. Mas, em se tratando da covid-19, vemos uma não adesão do público infantil.

A adesão das crianças tem seguido em 30%. O que fazer para aumentar essa taxa?

O PNI trabalha de forma sistemática, com projetos pontuais para aumentar a cobertura vacinal. Todo mundo já participou do Dia D da vacinação, quando se coloca em dia o calendário vacinal. Essas chamadas para vacinar no fim de semana, nas unidades (básicas de saúde) são bastante efetivas. Com isso, há uma atualização do cartão vacinal das crianças, o que também é fundamental. Mas o importante é fazer essa aproximação, que já aconteceu de várias formas. O Brasil conseguiu erradicar a poliomielite no grande dia de vacinação, em agosto. Penso que poderíamos fazer o mesmo com a covid-19, pois não vivemos um momento diferente. Poderíamos fazer esse chamamento, seguindo todas as regras de distanciamento, de uso de máscaras e de limpeza das mãos.

Qual o impacto da pandemia na assistência primária, nos postos de saúde?

Durante estes dois anos de pandemia, as UBSs (unidades básicas de saúde) estiveram à frente do atendimento da covid-19. O primeiro contato do paciente sintomático respiratório era na UBS. Ela que fazia a triagem, acompanhava, devolvia (mandava para casa ou para hospital) e fazia o teste (para detecção da doença). Era a porta da frente nessa pandemia. O que temos visto é que, com esse grande movimento de pessoas infectadas, muitas das atividades realizadas nos (bairros) locais deixaram de ser feitas. Acompanhamentos de hipertensos e diabéticos, de pacientes crônicos, de gestantes. Os próprios usuários (do Sistema Único de Saúde) se afastaram em função da covid-19 e de todo o movimento pelo qual a unidade passava. Resgatar esse indivíduo, hoje, é fundamental.

*Estagiário sob a supervisão de Jéssica Eufrásio

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