Pandemia

Especialistas alertam para a alta de infecções após o carnaval

Apesar de restrições e multas, existem aqueles que insistem em não cumprir o decreto que cancelou eventos de carnaval. No Parque das Garças, um grupo curtia a folia, mesmo com a presença da PM. Especialistas alertam para o risco de agravamento da crise sanitária

Edis Henrique Peres
Arthur de Souza
postado em 01/03/2022 06:00
 (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
(crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

A consequência da população que descumpriu as medidas de restrição impostas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e organizou blocos e festas clandestinas devem ser percebidas no aumento do número de casos de covid-19 na próxima semana. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo Correio. Ao longo desse fim de semana, a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) notificou, desde bares lotados e com pista de dança a eventos ilegais com mais de 500 pessoas e blocos de carnaval com aproximadamente 700 foliões no Buraco do Tatu, próximo a rodoviária do Plano Piloto.

Mesmo com as autuações, não foi difícil encontrar mais locais desrespeitando o decreto e os protocolos na noite de segunda-feira (28/2). No Parque das Garças (Lago Norte), o Correio observou o que seria uma festa carnavalesca. Pessoas fantasiadas, muitas delas sem máscara, concentraram-se em um ponto e, ao som de alguns instrumentos, se divertiam. Nem mesmo a presença de uma viatura da polícia, intimidou o grupo.

Foliões passam pela viatura da Polícia Militar no Parque das Garças, no Lago Norte. Local ficou cheio de pessoas
Foliões passam pela viatura da Polícia Militar no Parque das Garças, no Lago Norte. Local ficou cheio de pessoas (foto: Fotos: ED ALVES/CB/D.A.Press)

O médico aposentado Cláudio Viegas, 76 anos, estava no local com a família. Eles ficaram bem distantes da folia. Todos foram unânimes em não concordar com a realização de blocos de carnaval. Na avaliação de Cláudio, a população parece não saber lidar com a pandemia. "É uma palavra muito estranha para a maioria, parece que eles resistem a esse sistema. A grande dificuldade é esta, entender o processo. Claro que a maioria está cansada, mas penso que nós temos que ter um pouco mais de paciência", destaca o médico.

Tanto para Cláudio quanto para o resto da família, não é momento de se aglomerar. A preocupação, de acordo com o médico, é o que pode acontecer em seguida. "Você sabe que o vírus não é visto e, por isso, parte da população não acredita que ele esteja por aí. No entanto, todo período que existe qualquer tipo de aglomeração, cerca de 10 dias depois, os hospitais vão estar com aumento nos atendimentos, por conta do maior número de casos e mortes", lamenta.

Cláudio pensa que existe uma culpa compartilhada entre o Estado e as pessoas. "Eles dizem que estão fiscalizando, mas não é o que se vê. Nesse momento, por exemplo, existe uma autoridade no portão do parque, porém, não agem ou ao menos dão orientação. Governo e população colaboram nesse processo", conclui o aposentado.

Novo pico

Na última sexta-feira, a taxa de transmissão da capital tinha alcançado o menor valor desde o começo deste ano, quando caiu para 0,74 — em que 100 pessoas infectam outras 74. Pesquisador do Centro Universitário Iesb e pós-doutor pela Universidade de Brasília (UnB) em ciência do comportamento, Breno Adaid acompanha os índices da crise sanitária e destaca que "a variante ômicron demora um tempo, relativamente, menor para desenhar uma alta de contaminados". "O DF vinha de um período com queda no número de casos e transmissão, e, nessas grandes aglomerações, a probabilidade de se encontrar alguém com o vírus e ter um superespalhamento da doença aumenta", alerta Breno.

O especialista pontua que o pico de casos deve acontecer em um intervalo menor do que 15 dias. "Teremos uma piorada na notificação e, depois, voltaremos para a tendência de queda. No natal e no ano novo, também tivemos aglomerações que catalisaram a situação da pandemia, agora, com o carnaval, este pico deve ser maior, mas deve durar menos tempo, sem se prolongar", pondera.

Infectologista, Ana Helena Germoglio adianta que o mau comportamento da população era esperado. "Temos uma variante de alta transmissibilidade, e o reflexo será o aumento de pessoas com o novo coronavírus, mas, graças a vacinação, o crescimento não será proporcional com os casos graves. Contudo, as ações preventivas continuam sendo importantes. Somente na última semana que tivemos um alívio na quantidade de leitos disponíveis devido à redução na demanda e na transmissão, e o atual cenário pode novamente agravar o que estamos vivendo", comenta.

Fiscalização

Em nota enviada à reportagem, a DF Legal destaca que bares, restaurantes e casas noturnas que estão promovendo evento carnavalesco estão sendo interditados e multados. "Nos casos em que for identificada a realização de evento nas vias públicas, como blocos e festas, sem que seja possível identificar o organizador ou responsável, serão multados os músicos e os eventuais responsáveis pelos equipamentos de som utilizados no evento. Fica a cargo da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) promover a dispersão do público", informa.

Nos bares, consumidores aproveitam o feriado, sem dança. Equipes do DF Legal estão nas ruas para fiscalizar os locais
Nos bares, consumidores aproveitam o feriado, sem dança. Equipes do DF Legal estão nas ruas para fiscalizar os locais (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Para a infectologista Joana D'Arc Gonçalves, a capital vivia uma situação confortável de queda do número de contaminações. "Estávamos chegando a uma estabilidade, mas sempre depois de eventos que reúnem grande número de pessoas com descumprimento das normas sanitárias, vivemos resultados negativos com aumento das hospitalizações e superlotação dos serviços de saúde. Isso aconteceu no ano passado inteiro", lembra.

A especialista salienta que os riscos da exposição dos moradores envolvem novas variantes. "Se mantivéssemos um carnaval mais moderado, a situação poderia ser melhor. Porque, mesmo com a menor letalidade da ômicron, muitas pessoas morreram, uma vez que quando um número grande de gente se infecta, o risco de os vulneráveis contrair a doença também aumenta. Além disso, tem as pessoas que estão sem procedimento médico, sem acesso a quimioterapia e diversos procedimentos por conta da superlotação da covid-19. A hora certa de comemorar o carnaval vai chegar, basta ter paciência", reforça.

Segurança

Na contramão de quem descumpriu as normas de prevenção, houve quem aproveitou o feriado para garantir a vacinação contra a covid-19. Nessa segunda, a Secretaria de Saúde disponibilizou a Unidade Básica de Saúde (UBS) 1 para imunizar crianças e adultos. A empresária Andreza Vieira, 42, levou o filho, Lucas, 9, para tomar a primeira dose. "Dá uma sensação de alívio e segurança ter ele vacinado, porque o início (da pandemia) foi assustador. Eu peguei covid-19 logo no começo e cheguei a ficar duas semanas acamada. Agora, vou aproveitar para tomar a dose de reforço", conta a moradora da Asa Sul. Lucas garantiu à reportagem que a vacina não doeu e disse que iria compartilhar nas redes sociais a importância de tomar a dose contra a covid-19.

Andreza Vieira fugiu das aglomerações e levou o filho Lucas para tomar a primeira dose da vacina contra a covid-19
Andreza Vieira fugiu das aglomerações e levou o filho Lucas para tomar a primeira dose da vacina contra a covid-19 (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Na fila de adultos, Igor Saraiva, 42, morador do Sudoeste e designer, aguardava o reforço. "Tenho um filho pequeno, de um ano e 7 meses, em casa, então, essa é uma garantia de levar segurança para ele. Durante todo esse tempo de pandemia, nunca pegamos covid-19", ressalta. Para Igor, o carnaval serviu para a vacinação e proteção, principalmente por conta de sua mãe, de 80 anos. " Ela tem diabetes, hipertensão, obesidade e, recentemente, pegou covid-19. Ficamos com medo de algo acontecer, mas, graças a Deus, e como ela estava vacinada com as três doses, ficou bem. Seguimos com os cuidados necessários. A minha filha mais velha, de 11 anos, também já tomou a vacina", assegura.

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