POLÍTICAS PÚBLICAS

Violência que precisa de um fim

DF registrou ao menos duas vítimas de feminicídio apenas em 2022, além de seis tentativas. Especialistas destacam importância de denunciar as agressões e combater em conjunto esse tipo de crime

Ana Isabel Mansur Renata Nagashima
postado em 03/03/2022 00:01

"Eu perdoei porque achei que ele fosse mudar. É a realidade de muitas mulheres, achar que o companheiro vai mudar", desabafa Gabriela (nome fictício), 27 anos. A trabalhadora autônoma foi agredida fisicamente duas vezes pelo então marido. O primeiro episódio ocorreu em dezembro do ano passado, quando o casal estava junto há seis meses, mas ela ficou com medo de denunciar. "Ele me procurou e pediu desculpas", conta.

Antes das agressões físicas, o companheiro violentava Gabriela psicologicamente com ameaças — inclusive de morte. "Por amar muito, eu achava que não chegaria a esse ponto da agressão", admite. No entanto, um episódio assustou a autônoma, que temeu o pior. "Ele me colocou dentro do carro e foi parar em um terreno baldio. Nesse dia temi que ele pudesse fazer algo para acabar com minha vida", relembra.

O último episódio foi em janeiro deste ano e ela resolveu procurar ajuda. "Foi muito difícil fazer a denúncia por causa do emocional. Isso mudou completamente a minha vida", diz. "Hoje eu digo para não aceitar qualquer tipo de violência, logo no primeiro indício, porque isso deixa marcas para a vida toda", completa.

Infelizmente, o relato de Gabriela não é isolado. Apenas em 2021, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), houve registro de 16.327 boletins de ocorrência de violência doméstica — crescimento de 2% em relação ao número de 2020: 15.995. A pasta contabiliza seis tentativas de feminicídio e dois crimes concretizados apenas em 2022, mas os dados podem ser ainda piores, já que os dados da SSP-DF consideram o período de 1º de janeiro a 3 de fevereiro. Levantamento feito pelo Correio aponta que, de 3 de fevereiro a ontem, pelo menos outras cinco tentativas de feminicídio ocorreram no DF e cinco mulheres perderam a vida em razão do gênero. Os números oficiais de 2022 seguem em aberto.

Canais de denúncia

Delegada titular da Deam 2, Adriana Romana destaca a importância de registrar ocorrência contra o autor de crimes de gênero. "Como parte do trabalho policial, temos disponível, hoje, alguns canais de denúncia, como o 197, o 190 e a delegacia eletrônica, para registro online (veja mais em Peça Ajuda), é muito importante que sejam feitas denúncias e registros de todos os tipo de crime contra a mulher, independentemente de gravidade. A violência doméstica não é só física, e precisamos combater todos os tipos, como a psicológica, as ameaças e perseguições — crimes que podem evoluir para feminicídio", alerta a delegada.

A juíza e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, cobra ações articuladas em âmbito nacional para coibir a violência de gênero. "Não é possível que cada estado brasileiro tenha a própria política de combate, enquanto a violência contra a mulher é uma endemia nacional", defende a especialista. "É imprescindível uma canalização nacional de recursos públicos, inclusive com prevenção e educação, como é o caso da lei que determina que as escolas do Brasil adotem a violência contra a mulher em seus currículos escolares", completa a juíza.

Renata Gil aponta que não há reunião pública nacional dos números quanto à violência contra a mulher. "Os dados que temos hoje são de entidades locais ou privadas, como o Instituto de Segurança Pública (ISP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). É necessário que esses dados sejam reunidos para que as políticas públicas sejam implementadas", ressalta a especialista, destacando que a maior causa de acionamento do Disque 190, da Polícia Militar, em unidades federativas como o Rio de Janeiro e o Distrito Federal, são por violência contra a mulher. "Não é possível que esses crimes sejam tratados como questão de direitos humanos ou de saúde. Estamos cobrando para que sejam enquadrados sob a segurança pública", finaliza.

Segundo a Secretaria da Mulher do DF, a previsão orçamentária da pasta para 2022 é de R$ 34.099.908, dos quais R$ 5.014.527, (14,7%) foram liquidados até o momento. O dinheiro é distribuído em programas da secretaria, como Sinal Vermelho, Jornada Zero e Empreende mais mulher, e em equipamentos públicos, como a Casa da Mulher Brasileira e a Casa Abrigo.

Para a delegada Adriana Romana, a maior disponibilidade de recursos para o enfrentamento da violência de gênero é essencial, com ações de prevenção. "Nosso objetivo é evitar o crime mais grave, o feminicídio, então é importante que o assunto esteja no orçamento. Sem dinheiro, não há o que fazer", afirma.

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ENTREVISTA / Éricka Filippelli, secretária de Estado da Mulher do DF

"Trabalho integrado"

 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press

A secretária de Estado da Mulher do Distrito Federal (SMDF), Éricka Filippelli, foi a entrevistada do CB.Poder de ontem — programa do Correio Braziliense em parceria com a TV Brasília. Na bancada, a conversa foi conduzida pela jornalista Ana Maria Campos. A chefe da pasta destacou as ações para a semana da mulher, por meio da Agenda + Mulher e comentou os últimos números de feminicídio no DF.

Ericka Filippelli anunciou que no mês em comemoração ao Dia da Mulher — 8 de março — a pasta vai apresentar uma agenda especial que integra estratégias, não só da Secretaria da Mulher, mas de outros órgãos do Governo do Distrito Federal. “Nós criamos uma estratégia que foi a agenda março + mulher, com várias ações inovadoras que envolvem órgãos da administração direta e indireta. As secretarias vão participar com suas ações e a Secretaria da Mulher entra com algumas estratégias, programas bem inovadores”, disse.

Dentre as ações que serão promovidas pela secretaria, Ericka Filippelli destacou o Prêmio Talento Mulher, que será lançado dia 8. A estratégia visa reconhecer as instituições e pessoas que promovem políticas e protegerem mulheres. “É também uma excelente iniciativa para incentivar novas instituições a trabalharem nessa pauta ou até para o surgimento de novas instituições”, explica.

Em 2021 o número de feminicídios aumentou 47%, subindo de 17, no ano anterior, para 25 neste ano. Segundo a secretária, o dado está dentro do previsto, uma vez que a queda de 2019 para 2021 — de 37% — foi expressiva. “Se a gente analisar a fundo com os dados, no ano de 2020, no ápice da pandemia a gente conseguiu uma redução de quase 50% do índice de feminicídio. Lógico que, a partir disso, o ano seguinte a gente teve um aumento, porque foi uma queda muito expressiva num tempo que ninguém imaginava”, complementou.

De acordo com Filippelli, a pasta tem trabalhado de forma integrada com outras secretarias para reduzir ainda mais esses índices. “A Secretaria da Mulher com a Secretaria de Segurança Pública, com as forças de segurança, criam políticas e pensando num levantamento de todos os casos de feminicídio e um estudo da Câmara Técnica de Monitoramento que traz para gente o perfil, características muito detalhadas desse crime. E que, a partir dele, nos orientamos na implementação de políticas públicas”, disse.


Está começando o mês da mulher, 8 de março é Dia da Mulher, que projeto e ações programadas você tem para esse mês?
Em 2019 quando nós chegamos no governo, criamos uma estratégia que foi a agenda Março + Mulher. Eu entendi que o governador Ibaneis estava criando a secretaria já com várias ações inovadoras, mas que eu precisaria trazer esse engajamento de todo o governo para perto para que a gente pudesse divulgar uma ação e apresentar uma agenda em conjunto. Então em 2019 nós iniciamos essa estratégia que é envolver todos os órgãos da administração direta e indireta, incentivando assim que promovessem ações para as mulheres e a gente divulgasse essa agenda no março + mulher. Então, nós fizemos isso em 2019, 2020 e 2021 e esse ano nós vamos seguir a tradição. As secretarias vão participar com suas ações e a Secretaria da Mulher entra com algumas estratégias, alguns programas bem inovadores.

Nessa agenda é um trabalho que todas as secretarias atuam conjuntamente com essas ações?
Na verdade, a gente faz um levantamento, a partir de fevereiro, de todas as ações que estão sendo programadas dentro dos órgãos. E a gente divulga isso para imprensa numa data estabelecida. Então, o que é interessante nisso é que não só a gente promove o engajamento de todos os órgãos com essa política, mas a gente consegue ganhar força, mobilização e o apoio de todos os órgãos na promoção dessas políticas. A Secretaria da Mulher está à frente da pauta, então a gente vai lançar aí algumas ações bem estratégicas, como o Prêmio Talento Mulher, lançado agora em março. É uma estratégia superinteressante porque não só vai reconhecer as instituições e pessoas que promovem políticas nesse sentido de protegerem mulheres, quanto também é uma excelente iniciativa para incentivar pessoas novas instituições a trabalharem nesta pauta.

Como funciona esse prêmio?
Tem inscrição e categorias, são pelo menos seis categorias que as instituições e as pessoas podem se inscrever e vai ser montado uma banca avaliadora. A gente vai poder premiar essas essas instituições e essas pessoas justamente por meio do trabalho que foi desenvolvido por elas. É uma excelente estratégia, a gente finaliza essa gestão com esse prêmio e traz também um programa que a gente fala sempre sobre a liderança feminina, sobre a importância das mulheres estarem nos movimentos e nas comunidades. Estamos lançando também o programa Empodera. Foi criado no ano passado e atende também uma política que foi planejada em 2019, que fala sobre a questão da formação de liderança feminina nas comunidades.

Houve uma queda e depois um aumento, mas os números de feminicídio ainda são melhores do que se imaginava? O que foi fundamental para melhorar e reduzir os números desse crime tão bárbaro?
Na Secretaria da Mulher, a gente fala sempre sobre esse desafio da questão da queda do feminicídio, mas se a gente analisar a fundo com os dados, os números, se pensar que no ano de 2020, no ápice da pandemia, a gente conseguiu uma redução de quase 50% do índice de feminicídio, lógico que a partir disso o ano seguinte 2021 a gente teve um aumento, porque foi uma queda muito expressiva num tempo que ninguém imaginava. E eu creio que foram políticas muito eficientes. O governo tem trabalhado de uma forma muito integrada. Eu acho que essa é uma estratégia que o governador Ibaneis sempre nos orientou e temos adotado e tem dado certo. A Secretaria da Mulher vem com a Secretaria de Segurança Pública, com as forças de segurança, criando essas políticas e pensando primeiro num levantamento de todos os casos de feminicídio e um estudo da Câmara Técnica de Monitoramento, que traz para gente o perfil e características muito detalhadas desse crime. E que, a partir dele, nos orientamos na implementação de políticas públicas. O que a gente entende é que temos um índice muito alto de subnotificações dos crimes de feminicídio de violência doméstica. Sabemos disso pelos feminicídios, entre 2015 e 2018 72,8% das vítimas não chegaram às delegacias. Então isso fez com que todos nós buscássemos estratégias para chegarmos até as mulheres em situação de violência e isso a gente faz criando novos canais, como foi criada delegacia on-line e o Maria da Penha on-line, onde a mulher pode, não só denunciar, mas requerer medidas protetivas e praticamente em tempo imediato já é encaminhado para Tribunal de Justiça. Criamos também o Proteja-se no tempo de pandemia, que é um aplicativo ligado ao 180. Foi criada também a Delegacia da Mulher (Deam 2), em Ceilândia, e estudamos a criação de uma outra Deam, e também as quatro Casas da Mulher Brasileira, que provavelmente vamos licitar agora em março. Passamos praticamente o ano passado inteiro implementando os projetos complementares e agora está chegando a hora da gente licitar.

 

Peça ajuda

>> Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente ao local. Serviço disponível 24h, todos os dias. Ligação gratuita.

>> Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF). E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br. WhatsApp: (61) 9 8626-1197. Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher

>> Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h, todos os dias. Ligação gratuita.

>> Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24h, todos os dias.

- Deam 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia. Endereço: EQS 204/205, Asa Sul. Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673 E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br.

- Deam 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia. Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia. Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438

>> Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Whatsapp: (61) 9 9656-5008. Canal 24h, todos os dias.

>>Secretaria da Mulher do DF. Whatsapp: (61) 9 9415-0635

>> Núcleos do Pró-Vítima

- Ceilândia:Shopping Popular de Ceilândia— Espaço na Hora. Telefone: (61) 9 8314-0620. Horário: das 8h às 17h.

- Guará: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens— Lúcio Costa. Telefone: (61) 9 8314-0619. Horário: das 8h às 17h.

- Paranoá:Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D— Parque de Obras. Telefone: (61) 9 8314-0622. Horário: das 8h às 17h.

- Planaltina:Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, salas 111/114. Telefone:(61) 9 8314-0611 /3103-2405. Horário: das 12h às 19h.

- Recanto das Emas:Estação da Cidadania— Céu das Artes, Quadra 113, Área Especial 01. Telefone: (61) 9 8314-0613.Horário: das 8h às 17h.

- Itapoã: Praça dos Direitos, Quadra 203— Del Lago II. Telefone: (61) 9 8314-0632. Horário: das 8h às 17h.

- Taguatinga:Administração Regional de Taguatinga— Espaço da Mulher— Praça do Relógio. Telefone: (61) 9 8314.0631. Site: https://www.sejus.df.gov.br/pro-vitima/. Horário: Das 8h às 17h.

- Brasília: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04. Telefone: (61) 9 8314-0626 / 2104-4288 / 4289. Horário: das 8h às 17h.

 

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