ENTREVISTA

"Não tenha medo de pedir ajuda", aconselha Ana Karina Bortoni, CEO do Bmg

Com passagem pela Universidade de Brasília (UnB) e familiares na cidade, a primeira mulher a ocupar um alto cargo executivo em banco de capital aberto relata as conquistas em favor da igualdade de gênero. Cita, ainda, os resultados do atendimento "figital"

Carlos Alexandre de Souza
Ana Dubeux
postado em 07/03/2022 05:58 / atualizado em 07/03/2022 07:53
Ana Karina Bortoni, diretora executiva do banco Bmg -  (crédito: Silvia Zamboni)
Ana Karina Bortoni, diretora executiva do banco Bmg - (crédito: Silvia Zamboni)

CEO do Bmg (o banco passou a adotar esta sigla, com a inicial maiúscula e as demais minúsculas), Ana Karina Bortoni é a única mulher na presidência de um banco de capital aberto no país. Ao mesmo tempo em que lidera um processo de inovação tecnológica, luta pela igualdade de gêneros.

Antes de alcançar uma posição de comando no mercado financeiro, Ana Karina morou em Brasilia. Cresceu na 105 Sul, depois mudou-se para o Lago Norte. Gostava de ir a festas e era líder do time de polo aquático na Universidade de Brasilia. E foi na UnB ela construiu uma carreira acadêmica e uma postura profissional que mantém até os dias de hoje.

Graduou-se em química e quase concluiu um doutorado, mas migrou da carreira acadêmica para a de executiva quando sentiu que estava numa zona de conforto. Talvez pelo hábito de encarar, desde sempre, desconforto e dificuldade como espaço de aprendizagem e oportunidade.

Como CEO de uma empresa do mercado financeiro, segmento que tem a maioria dos cargos de alta gestão ocupados por homens, Ana Karina não duvida de que existam muitas outras mulheres capazes e dispostas a serem presidentes de bancos. E acredita que essa equidade é necessária.

Segundo ela, o Bmg tem hoje metade dos funcionários do gênero feminino e, entre elas, a maioria são mães. Na composição do Conselho de Administração, 50% são mulheres. "Um ponto que valorizamos são as oportunidades oferecidas para mulheres em cargos de liderança. Elas são exemplo e inspiração para outras mulheres em início de carreira", diz.

Responsável por liderar um processo de digitalização do Bmg, Ana Karina acredita que a misoginia e o machismo são problemas estruturais. "De maneira geral, o fato é que você acaba tendo de provar a toda hora que é a melhor profissional para a tarefa, e sofremos muito mais questionamentos. Esse é um problema cultural na sociedade e que precisa ser constantemente revisitado para que realmente alcancemos a equidade de gênero."

Talvez, por isso, preocupe-se em deixar um legado, em especial às meninas. "Eu sempre digo: seja protagonista, não tenha medo de pedir ajuda! Um aprendizado relevante é não ficar esperando e correr atrás", orienta.

Nesta entrevista ao Correio, Ana Karina detalha, também, várias ações e associações do banco com projetos e laboratórios de inovação no sentido de promover diversidade e inclusão. Além disso, defende o trabalho híbrido, explica o conceito de "figital" (que engloba o melhor do atendimento virtual, sem perder o físico) e fala sobre os planos do Bmg para 2022.

O que significa uma mulher assumir uma posição de comando no mundo financeiro, predominantemente masculino?

Em um banco brasileiro e de capital aberto, sou a única mulher CEO, mas, com certeza, existem outras mulheres muito talentosas que poderiam estar em cargos de presidência em outras instituições. Hoje, sou responsável por liderar o processo de transformação do Bmg, e isso inclui o negócio como um todo, desde a implantação de ferramentas e soluções que inovem e estejam de acordo com as tendências de mercado atuais, assim como todo o engajamento dentro e fora da organização. Tenho muito orgulho de estar à frente do banco e pretendo deixar um legado importante para a empresa, para a marca, para os colaboradores e, principalmente, para a sociedade.

Que lembranças guarda de Brasília?

Só tenho boas lembranças. É a cidade em que cresci, estudei e fiz vários amigos. Sinto-me em casa em Brasília. E continuo frequentando. Minha mãe, sobrinho e vários amigos queridos ainda moram na cidade.

A senhora trilhou uma carreira acadêmica. Em seguida, destacou-se em consultoria e, agora, preside um banco. O profissional do século 21 deve se preparar para seguir diferentes carreiras ao longo da vida? 

Apesar de hoje ser conhecida pelo meu trabalho no setor corporativo e financeiro, desde pequena pensava em seguir uma carreira acadêmica. Isso porque tive uma ótima inspiração dentro de casa, a minha mãe, Stella Maris Bortoni-Ricardo, professora titular aposentada de linguística da UnB e escritora. Por conta desse incentivo ao estudo, desenvolvi um olhar especial sobre a importância de aprender e seguir os meus objetivos, mas nunca parando de me especializar e evoluir pessoal e profissionalmente.

A senhora desenvolveu uma perspectiva particular, então.

Minha trajetória me fez enxergar os obstáculos e surpresas que o mundo colocou à minha frente não como desafios, mas como oportunidades de aprendizado, que me ajudaram a migrar para uma consultoria estratégica de alta gestão após quase 10 anos na carreira acadêmica. Como, por exemplo, o momento de sair de uma carreira acadêmica, na qual desenvolvi bastante meu conhecimento analítico e de uma zona de conforto, para apostar em uma carreira executiva, em que é importante sempre estar à frente do cliente e antenada às novas tendências do mercado. Toda a experiência e todas as competências que desenvolvi na área acadêmica foram essenciais para essa transição.

É preciso saber a hora de mudar?

Às vezes, como mãe e gestora, preocupo-me um pouco com a tendência dos novos profissionais de pularem muito de emprego para emprego. Tenho consciência e sou a favor de testar novos desafios e sair da zona de conforto. Contudo, percebo que essa situação está se tornando uma realidade no mercado de trabalho. Por isso, entre os ensinamentos que tento passar para minhas filhas e meus "mentores", está o de que sejam menos ansiosos e não deixem que isso os domine. Se você estiver fazendo o que gosta, não se precipite em mudar. Aproveite o momento e cresça ali.

Mas nem sempre o trabalho é prazeroso.

Isso não significa que, no mercado de trabalho, tudo são flores. Eu, por exemplo, já passei por situações muito desafiadoras, com muito trabalho e vendo menos a minha família do que eu gostaria. Por conta disso, a mensagem que gostaria de deixar é que abracem, sim, novas oportunidades, sejam protagonistas nas suas vidas e não sejam reféns de seus medos — e, inclusive, dos medos dos outros.

O que é cultura digital na sua área de atuação?

Nosso perfil de cliente não é totalmente habituado ao autosserviço. Então, é necessário combinar o mundo físico e o digital, o que chamamos de "estratégia figital". Com o início da pandemia, em 2020, digitalizamos todos os processos em menos de seis meses. Somos um banco em constante evolução. Banco digital com a sensibilidade humana do mundo físico, transformando-nos em um banco completo. Temos multicanalidades de atendimento: site, WhatsApp, App — Duda, a nossa inteligência artificial —, telefone, Lojas help!, corbans, parceiros varejistas. Queremos atender às necessidades dos nossos clientes, oferecendo soluções que superem as suas expectativas.

Como chegaram a esse padrão de atendimento?

Quando o foco é no cliente, o posicionamento estratégico da empresa precisa atender às demandas e inovações que nossos correntistas esperam de um banco que está em constante transformação. Realizamos fóruns internos, reuniões diárias e conversas com funcionários que lidam diretamente com os correntistas para aprimorar o atendimento e reduzir problemas. O feedback dos clientes é sempre bem-vindo durante os processos, desde a contratação de serviços, resolução de problemas e até mesmo no uso diário do aplicativo, por exemplo.

Que mudanças considera essenciais para garantir a diversidade de que o sistema financeiro tanto necessita?

É essencial ter diversidade e pluralidade nas empresas. Companhias que seguem esse tipo de estrutura têm funcionários com uma bagagem maior e mais completa de experiências, o que é bom tanto para o ambiente corporativo quanto para a sociedade em geral. Diversos estudos apontam que empresas com maior diversidade no quadro de funcionários e um ambiente mais pluralizado tendem a ter mais resultados sustentáveis e tomadas de decisões mais precisas.

E como está o Bmg nesse quesito?

No Bmg, temos um total de 1.269 colaboradores, sendo 627 mulheres. Dessas mulheres, 327 são mães. Um ponto que valorizamos são as oportunidades oferecidas para mulheres em cargos de liderança. Elas são exemplo e inspiração para outras mulheres em início de carreira. Pode até parecer um clichê, mas é fundamental trabalharmos e seguirmos a carreira que nos faz feliz. Isso é o mais importante, seja qual for o cargo.

Onde há mudanças visíveis?

No Conselho Administrativo do Bmg, conseguimos atingir o balanceamento nas cadeiras, que são compostas 50% por mulheres e 50%, homens, igualmente. Sabemos que ainda não é o suficiente, mas estamos não só falando sobre equidade, mas tomando ações para chegar a essa meta. Internamente, temos um lado forte de inclusão e canais bem estabelecidos de denúncias contra assédios e discriminação.

Os bancos estão defasados em relação às fintechs? Como o Bmg atua?

Decidimos apostar na estratégia "figital", que une o melhor dos mundos físico e digital. Digitalizamos todos os nossos processos e focamos na oferta de um leque maior de produtos. A estratégia vem dando certo, e hoje gostamos de falar que somos uma "Fintech de 91 anos". Para se ter ideia, atingimos 9,1 milhões de clientes totais em dezembro de 2021, crescimento de 50,5% nos últimos 12 meses, considerando o critério do Banco Central. Além disso, aumentamos em 2,4 vezes a quantidade de contas nos últimos 12 meses, atingindo 6,3 milhões de contas digitais.

Quais as metas para 2022?

Nossas metas para o ano são de crescimento no varejo; parceria com grandes varejistas, visando o financiamento ao consumo no país; reforçar nossos canais de atendimento com oferta de produtos via WhatsApp. Além disso, seguimos com nossa estratégia para ampliar nossa oferta de produtos e serviços no segmento de atacado e atuar com gestão de recursos.

Como concilia o trabalho com a vida pessoal?

O home office me ajudou muito com a vida pessoal. Trabalhar de casa, ter a possibilidade de almoçar com meu marido e minhas filhas e ainda aproveitar a companhia diária deles não tem preço. Esse é um dos motivos por que eu defendo e aplico o trabalho híbrido no Bmg, para trabalhar e ter a companhia familiar no mesmo ambiente, dentro de casa.

O Brasil é misógino? 

No Brasil, ainda falta muito para que a equidade de gênero possa ser realmente alcançada. Contudo, o tema estar em pauta diariamente, não só na sociedade, mas, também, dentro das empresas, já é um passo muito importante que está sendo dado nesse sentido.

Como efetuar uma mudança em favor da igualdade de gênero?

O papel das empresas deve ser o de incentivar e lutar não somente pela questão de equidade de gênero, mas, também, pela inclusão de pessoas de todos os tipos, mitigando vieses inconscientes sobre diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, pessoas com deficiência, identidades étnico-raciais ou sistemas e crenças religiosas, reduzindo, inclusive, o preconceito na sociedade como um todo. No caso do Bmg, estamos constantemente focados na transformação, não só do negócio, mas da sociedade como um todo, incentivando a diversidade e a inclusão social em todas as suas instâncias. 

Enfrentou discriminação ao longo da carreira?

Os desafios das mulheres estão presentes diariamente, de maneira implícita; ou seja, é um problema estrutural. De maneira geral, o fato é que você acaba tendo de provar a toda hora que é a melhor profissional para a tarefa, e sofremos muito mais questionamentos. Esse é um problema cultural na sociedade e que precisa ser constantemente revisitado para que realmente alcancemos a equidade de gênero. No Bmg, buscamos os profissionais por suas capacidades e experiências, não apenas por serem homens ou mulheres.

O que diria a uma jovem que sonha chegar ao posto que a senhora ocupa?

Minha intenção é servir de espelho para as mulheres que sonham poder crescer na profissão e que elas possam realmente fazer escolhas que as deixem felizes e realizadas. Quero ajudar cada vez mais mulheres talentosas a poderem escolher o destino que desejarem, pois sucesso é conseguir fazer o que você gosta, tanto na vida profissional quanto na pessoal. Por isso, eu sempre digo: seja protagonista, não tenha medo de pedir ajuda!

Pedir ajuda é um caminho para evoluir?

Um aprendizado relevante é não ficar esperando e correr atrás. Peça ajuda, bata à porta das pessoas se quer que alguém te mentore. Potenciais mentores não necessariamente saberão das suas dúvidas e não irão atrás de você. Peça feedback sobre seus projetos e ideias, tenha diálogos frequentes com seus gestores e procure ficar antenado no que está acontecendo no mundo. Teste coisas novas, mantenha bons relacionamentos, pois essas pessoas podem se tornar suas parceiras em outros momentos da vida. E, principalmente, encontre uma profissão, seja ela qual for, de que você realmente goste. 

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