Em meio a tantas notícias ruins e a tantas imagens estarrecedoras produzidas pela guerra na Ucrânia, foi um alento ver o gramado da Esplanada dos Ministérios das imediações do Congresso Nacional tomado de brasileiros para protestar contra o pacote da destruição que os representantes do povo querem impor ao país.
Não pude ir, mas acompanhei pela televisão o que foi transmitido. Pelo que vi, havia muita gente na imensidão da Esplanada, espaço projetado por Lucio Costa para a manifestação do homem cívico, do homem coletivo. É um espaço de grande força cênica e simbólica.
Independentemente das consequências pragmáticas imediatas, o movimento Ato da Terra em frente ao Congresso Nacional é fato marcante da história recente do país. Não é pouca coisa que Caetano Veloso, o mais importante artista brasileiro vivo, lidere uma mobilização contra o vandalismo ambiental no Brasil. Ele cumpriu a sina que, sem saber, traçou para si mesmo na canção-manifesto Tropicália: "Eu organizo o movimento/Eu oriento o carnaval/Eu inauguro o monumento no Planalto Central do país."
A questão ambiental brasileira é tão crucial e tão abrangente, no sentido global, quanto a guerra da Ucrânia. Com todo respeito aos meus colegas, que defenderam, bravamente, a ciência contra os ataques negacionistas, durante a pandemia, a imprensa está fazendo uma cobertura burocrática de um tema vital para o presente e para o futuro do país e do planeta.
Com as atenções voltadas para a guerra da Rússia contra a Ucrânia, suas excelências, lideradas por Artur Lira, tentam impor ao país uma agenda da insanidade ambiental. É um pacote da destruição, que inclui a liberação do uso de mais veneno na comida que comemos, a anistia para a grilagem de terras, a legalização da mineração e da agropecuária em terras indígenas, a extinção do licenciamento ambiental e a flexibilização de outras leis de fiscalização. Parece que pretendem legalizar o crime e torná-lo inimputável.
O pior é que eles ainda querem embalar essa ameaça à sustentabilidade de "modernização" e de "prosperidade". Nada mais atrasado. Legislam em causa própria com uma total irresponsabilidade com as riquezas naturais do país. Propõem uma política de terra arrasada quando o futuro muito próximo será verde, se não for destruído pela guerra atômica. Não compreendem que os índios não são estorvos, eles protegem as florestas, que garantem o ciclo das chuvas para o agronegócio e o equilíbrio do clima para quem mora nas cidades.
A gente precisa saber distinguir o que é um influencer e um jornalista, o que é notícia e o que é fake news, o que é realidade e o que é realidade paralela, o que é importante e o que é supérfluo. Talvez a imprensa pudesse ajudar a propor uma agenda mais relevante. A questão ambiental tem menos espaço do que a cobertura sobre o Big Brother.
O movimento que Caetano ensaiou em frente ao Congresso é fundamental para a nossa sobrevivência. Conversei com os repórteres do Correio que estiveram lá. Eles disseram que a maioria do público era formada por jovens de 17 e 18 anos. Isso é muito bom. Caetano compôs Não vou deixar contra o projeto de destruição do país. Mas esse movimento precisa se ampliar e se transformar em Não vamos deixar. Precisa ser tema das manchetes dos telejornais, ser tema do BBB, ser anunciado pela XP, ser encampado pelo agronegócio e ser defendido pelos militares.
E, a suas excelências, autoras do pacote da destruição ambiental, dedico os versos que meu pai, um pernambucano quixotesco, escreveu na década de 1950, quando era estudante, indignado com a destruição da Amazônia: "SOS para quem?/onde está a consciência?/onde andam os governantes/o que é feito da presidência?/A fauna, a flora o clima/ninguém olha com clemência/é o maior atentado/do homem sem coração/quem comete tal delito/terá um nome maldito/pela próxima geração".
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