Por um mundo mais Flicts

Mariana Niederauer
postado em 21/03/2022 00:00 / atualizado em 21/03/2022 00:00

Tive um encontro tardio com Flicts, de Ziraldo. A cor rara, de poucos amigos, cativou-me logo de cara. Provavelmente, em algum momento da infância, devo ter me deparado com o frágil, feio e aflito Flicts. É assim, entre aliterações e tantas outras figuras de linguagem que o desenhista, escritor, cartunista descreve o protagonista dessa história.

Confesso: precisei conter a emoção para não deixar cair uma lágrima à medida que as páginas passavam e a história de rejeição, preconceito e solidão de Flicts se desvelava. Estava na hora do soninho e já é tradição lá em casa ler um livrinho curto antes de dormir. Esse, em especial, é até mais longo do que geralmente selecionamos, mas sabíamos que valeria a pena.

Para quem não conhece Flicts recomendo fortemente que vá em busca da obra, atemporal e adequada a qualquer idade. É uma viagem visual, uma brincadeira com tipos, formas, cores e palavras, sem as ilustrações mais realistas que nos acostumamos a ver assinadas por Ziraldo. Ou seja, mesmo as crianças que ainda não sabem ler nem entendem bem as palavras, podem se fascinar.

A história de Flicts é a história da beleza por trás da rejeição. Quando a vi pela primeira vez, lembrei-me de uma descrição comum na minha infância, e que hoje me parece inadequada e preconceituosa, a tal "cor de burro quando foge". Talvez para desconstruir essa visão enviesada, Ziraldo tenha escolhido logo o Flicts para retratar nessa jornada em busca de um lugar para colorir.

E que bela forma de contar o périplo. Vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, azul-anil, violeta… Nenhuma cor do nobre arco-íris quis saber do pobre Flicts, e o deixaram de fora da brincadeira, imerso em sua "branca solidão". "Será que eu posso ter um cantinho ou uma faixa em escudo ou brasão, em bandeira ou estandarte?", indagou. E correu o mundo sem achar o seu lugar. "Nada no mundo é Flicts, ou pelo menos quer ser", contou o narrador.

"Um dia, Flicts parou, e parou de procurar." Pobre Flicts. "Sumiu que o olhar mais agudo não podia adivinhar para onde tinha ido, para onde tinha fugido, em que lugar se escondera, o frágil, e feio, e aflito Flicts."

A edição que temos em casa é de 2019, comemorativa dos 50 anos do livro, que encontramos na Travessa. Penso no bem e na libertação que se ver representado nesse texto e nessas ilustrações sensíveis pode fazer a tanta gente. Criança, adolescente, adulto. Referências importam.

E, correndo o risco de dar um pequeno spoiler, mas com a singela intenção de incentivar a leitura e aguçar ainda mais a curiosidade, lembro que ninguém menos que Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, atestou, após conversa com Ziraldo no Rio Janeiro: "A Lua é Flicts".

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