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DF tem média de uma arma para cada 13 pessoas; muitas caem em mãos erradas

A média é de uma arma legalizada para cada 13 pessoas no DF. Novas normas permitem mais acesso, enquanto aumenta apreensão das irregulares pela polícia.

CARLOS SILVA*JÉSSICA EUFRÁSIO
postado em 28/03/2022 00:01 / atualizado em 28/03/2022 06:53
 (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
(crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)

Embora não faça parte das principais rotas do tráfico de armas de fogo no país, o Distrito Federal se destacou nos últimos anos pela concentração de um outro arsenal: o legalizado. Com uma explosão de 562% na quantidade de registros ativos junto à Polícia Federal, entre 2017 e 2020, o montante permitiria que uma em cada 13 pessoas, em média, dispusesse desse item. Enquanto novas normas desburocratizam o acesso a armamentos e munição, as polícias Civil e Militar tentam tirar de circulação aquelas em situação ilegal e usadas em crimes.

Nos últimos cinco anos, as duas corporações apreenderam, em média, seis por dia, devido a irregularidades ou pelo uso na prática de delitos. Com a atual quantidade de armamento nas ruas, as próprias forças de segurança enfrentam dificuldade para descobrir a origem dos itens. "Há muita gente com armas ainda não registradas ou não renovadas. Se elas são extraviadas ou furtadas, acabam negociadas em feiras locais e, fatalmente, retornam para a prática de crimes", comenta o delegado André Luís Leite, Coordenador da Coordenação de Repressão a Crimes Patrimoniais (Corpatri) da Polícia Civil do Distrito Federal.

O investigador acrescenta que, além de serem produto de furto ou roubo, parte das armas ilegais em circulação chega por meio de cidades vizinhas. "Aqui não é, mas o Entorno, por exemplo, se tornou rota de tráfico de drogas. (As que chegam do) Mato Grosso vêm por ali. E é bem comum para quem transporta entorpecentes transportar armas também. Elas acabam aqui, mas não são importadas. São desviadas de outro lugar, roubadas em outra unidade da Federação. O fato de o Entorno não ser parte do DF e ficar longe da capital goiana dificulta um pouco para os órgãos de fiscalização", completa André Luís.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 revelam que o DF é a unidade da Federação com mais registros ativos no sistema da Polícia Federal. A maior parte deles pertence a órgãos públicos. Na sequência, está o grupo dos cidadãos comuns (leia arte), o que tem relação com os dois principais tipos de armas apreendidas pela Polícia Militar pelo uso em crimes: revólveres e pistolas. Esses tipos, pelo preço, são os mais acessíveis, segundo o porta-voz da corporação, major Michello Bueno. "São, quase sempre, antigos e nacionais. Há fins de semana em que apreendemos 13, 14", afirma.

Outro problema são as de fabricação artesanal, geralmente produzidas com canos e metais. "Elas quase sempre são fabricadas em fundos de quintal, com material inapropriado. São perigosas porque funcionam como armas de verdade, mas não têm a mesma resistência. Depois de apreendidas, todas são entregues nas delegacias e têm destino definido pela Justiça", ressalta.

Quanto àquelas encontradas em estradas, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 85 armas de fogo entre 2020 e 2021, na capital do país. "O contrabando de armas e munição apreendidos pela PRF nos dois últimos anos chegava por rotas diversas em todas as rodovias que cortam o DF e Entorno, como a BR-020, saída e entrada para o Nordeste; a BR-040, rota para o Sul e Sudeste; e as BRs 060 e 070, saída para o estado de Goiás", pontuou a corporação.

Experiências

No mês passado, a Câmara Legislativa liberou o porte para atiradores esportivos. A medida é questionada no Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 revelam que o DF teve a maior queda no registro de novas armas entre as 27 unidades da Federação (-39,2%). Apesar disso, o documento aponta inconsistências nas informações prestadas, como falta de detalhes por parte das forças de segurança, principalmente em relação aos testes psicológicos e de armas registradas nos sistemas de registro. Questionado pela reportagem sobre as armas em circulação no DF, o Exército informou, basicamente, que as "fiscalizações realizadas encontram respaldo em Poder de Polícia Administrativa, sendo focadas na verificação de possíveis infrações, especificamente, quanto ao referido público" que tem acesso a esses armamentos — caçadores, atiradores esportivos, colecionadores e integrantes das forças armadas.

Sem saber a origem da arma da qual foi alvo, Matheus de Jesus Silva, 29 anos, levou um tiro de raspão nas costas, em 2014, enquanto saía para a igreja, em Santa Maria. No hospital, descobriu que não morreu por pouco. "Havia guerra entre gangues das quadras. Deram tiro na esquina, que atingiu o portão do vizinho, resvalou e acertou minhas costas. Minha família me colocou no carro e me levou pro hospital. Foi como se tivessem atirado uma pedra nas minhas costas. Teve sangue na camisa, minha mãe ficou pasma, e todo mundo se preocupou, porque demoraram a ter notícias", detalha.

Anos depois, Matheus ingressou na carreira de policial penal. E, até hoje, carrega a cicatriz do ocorrido. "O tiro acertou na direção do coração. Se não fosse de raspão, eu não estaria aqui, segundo o médico. Foi uma arma calibre 38. À noite, a Polícia Civil fez perícia e disse que fui o único a sobreviver numa situação como essa. Os casos diminuíram, mas, hoje, ainda nos preocupamos com roubos na região. Homicídios nem tanto", destaca.

Luiz Henrique Frazão, 28, por outro lado, é instrutor de tiro e pratica o esporte há cinco anos. O interesse pela área começou como curiosidade, mas, depois de conhecer os trâmites da prática, decidiu se aprofundar até se tornar profissional. O atirador avalia que as leis vigentes para obtenção de armamento são suficientes para "filtrar os cidadãos que querem ter acesso a uma arma" e que o porte é necessário para pessoas que moram em lugares remotos ou com pouca segurança. "Se realmente for necessário, não vejo por que o cidadão bem orientado não ter, caso more em algum lugar ermo, onde se vê pouca ronda das forças de segurança pública ou em região com altos índices de roubos", argumenta.

Para o instrutor, o cidadão com treinamento adequado também estaria capacitado para reagir em situações de risco, como assaltos e demais crimes envolvendo armas de fogo. "Fazendo cursos que mostram as situações de risco, levando em consideração a adrenalina e o estresse, ele terá, sim, capacidade para se proteger, mas tudo vai depender da situação em que ele se encontrar e se terá a janela de ação, pois não basta ter uma arma, tem de saber a hora exata de usá-la", pondera Luiz Henrique.

*Estagiário sob a supervisão de Samanta Sallum

 

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