DEMOCRACIA

Primeira vez: eleições durante pandemia serão novidade para brasilienses

Enquanto outras partes do país viveram eleições na crise sanitária, pleito no Distrito Federal ocorre pela primeira vez após a covid-19. Especialistas explicam o que muda com esse cenário e por que o acesso aos eleitores demanda novas estratégias

Ana Isabel Mansur
postado em 03/04/2022 06:00 / atualizado em 28/04/2022 21:05
Última vez em que os brasilienses estiveram nas zonas eleitorais para votar foi em 2018 -  (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
Última vez em que os brasilienses estiveram nas zonas eleitorais para votar foi em 2018 - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

No Distrito Federal, as eleições deste ano serão as primeiras desde o começo da pandemia da covid-19. O restante do país, inclusive o Entorno, foi às urnas em novembro de 2020, mas a experiência de ir às zonas eleitorais em momento de emergência sanitária será novidade para os brasilienses. E uma das características mais marcantes do período de crise — o fortalecimento do meio digital para execução de tarefas básicas do dia a dia — tende a se refletir no panorama político local.

Ainda assim, comportamentos comuns ao mundo fora das telas continuarão presentes nas campanhas eleitorais, e a ausência de fórmula única para conquistar os eleitores segue como um dos desafios. Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que, neste ano, a pandemia não será o único aspecto a impactar o cenário. Assim, os candidatos terão de segmentar os discursos para alcançar grupos mais diversos.

Para Carlos André Machado, diretor do Instituto Opinião Política, 2022 se diferencia dos anos anteriores por causa da volta da campanha corpo a corpo e dos encontros sociais em que a política, inevitavelmente, entra na pauta de assuntos cotidianos. "O impacto é grande para as eleições. Além disso, o trabalho nas ruas será mais intenso e, desde já, percebemos o retorno das metodologias (usadas em campanha) com contato físico, como a realização de pesquisas qualitativas e quantitativas", avalia.

Professor da pós-graduação em relações institucionais do Ibmec, Danilo Morais dos Santos lembra que, mesmo no auge da pandemia, as eleições municipais de 2020 envolveram contato mais próximo do eleitor. "O corpo a corpo é uma estratégia relevante, sobretudo para candidaturas proporcionais — de deputados —, em que o vínculo de aproximação com o eleitor é mais determinante do que a própria agenda do candidato", destaca.

Moradores do Entorno, como Valparaíso de Goiás, foram às urnas em novembro de 2020, primeiro ano de pandemia da covid-19
Moradores do Entorno, como Valparaíso de Goiás, foram às urnas em novembro de 2020, primeiro ano de pandemia da covid-19 (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Fiscalização

Para a cientista política Nailah Neves Veleci, contudo, não é possível bater o martelo quanto ao impacto das medidas de segurança nas eleições. "A realidade das campanhas presenciais depende das restrições de distanciamento social. Se as regras mudarem, as campanhas mudam", pondera a consultora de inteligência eleitoral de raça e gênero, sem descartar a relevância das plataformas digitais.

Ela acrescenta que o cuidado dobrado com o mundo on-line terá de redobrar: "A tendência é voltarmos a ter campanhas corpo a corpo combinadas com a presença nas mídias sociais, cuja força, que vinha desde 2018, consolidou-se na pandemia e deve permanecer daqui para a frente. Por isso, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) criou uma força-tarefa para regulamentar as campanhas nesses meios, em parceria com as redes, para combater fake news".

Danilo Morais também ressalta a mudança de atitude dos órgãos reguladores em relação ao tema, "ainda que de forma insuficiente". Para o professor, as ações digitais se consolidaram como a principal ferramenta de conexão eleitoral. "E assim seguirá, em contexto de crescente sofisticação, sobretudo por permitir maior amplitude e simultaneidade à campanha, em contraposição ao corpo a corpo", destaca.

No entanto, o especialista chama a atenção para o perigo de focar nas plataformas on-line e deixar de lado os demais meios. "A importância da propaganda eleitoral gratuita em rádio e tevê ainda é grande, embora enfrente um nítido declínio de hegemonia. O protagonismo dela tende a ser maior no Brasil 'profundo', especialmente para uma audiência com baixa inserção no digital." Em face disso, Danilo enfatiza que as pessoas alcançadas pelas ferramentas tradicionais de comunicação não podem ser menosprezadas. "São eleitores pragmáticos e do tipo pêndulo, sem filiação necessária, justamente por não estarem totalmente ambientados nas redes sociais. E esse extrato pode definir a eleição presidencial", arremata.

Gerações

Para Carlos André Machado, o clima eleitoral no DF se difere da acalorada conjuntura nacional. Ele acredita que os brasilienses se encontram distantes do pleito — à exceção do acompanhamento dos debates sobre a escolha para a Presidência da República. "À medida que diminuímos a escala (dos cargos eletivos), com candidatos a deputado federal e distrital, por exemplo, (a atuação) é com trabalhos por nicho e localizados, com mais contato físico e troca de mensagens pessoalmente. Mas a aproximação com o eleitor pode ser construída de múltiplas formas, segundo as especificidades do público-alvo", considera.

Uma das variáveis a levar em conta nesse caso é a diferença de idade entre os eleitores. "O digital pode ser muito relevante para os mais jovens, assim como os idosos podem ser mais facilmente alcançados por tecnologias convencionais, como o rádio e a tevê. A juventude, os idosos e as mulheres serão os principais extratos em disputa e, para cada um deles, há abordagens específicas de propaganda", comenta Danilo.

Nailah Neves Veleci considera que o comportamento dos eleitores tende a ser diferente em outubro. Mesmo assim, ela não deixa de lado a relevância das plataformas digitais. "Mais do que nunca, nesta pandemia, as pessoas sentiram e perceberam a importância de políticas públicas de saúde, trabalho e educação. Então, a tendência é de que o eleitorado cobre mais investimentos (nesses setores). E, assim como os políticos aprenderam a força das redes sociais para as campanhas, o público ficou mais conectado neste período e, portanto, deve usar as redes não só para se informar, mas para demandar dos candidatos", observa.

Dificuldades

Apesar de ser um aspecto marcante, a pandemia da covid-19 não será o maior desafio para os candidatos neste ano. Marcelo Vitorino, professor e consultor de marketing digital, acredita que o principal entrave para os participantes da corrida eleitoral será a falta de profissionais capacitados para lidar com as demandas exigidas pelas plataformas on-line. Conforme as técnicas de aproximação digital com o eleitor se aperfeiçoaram, novas habilidades se tornaram essenciais para uma trajetória bem-sucedida. "O gargalo não está mais na falta de canais de comunicação. Hoje, há muitos, mas eles têm sido bem usados?", questiona.

Marcelo frisa que o importante não é apenas falar com o público, mas decidir quem trabalhará na formatação dos conteúdos para entregá-lo aos votantes. "(Esse) é o maior desafio dos candidatos. Antes, quem falava com o eleitor era a mídia. Com as redes sociais, os assessores ganharam novas funções", compara.

Outro diferencial importante deste pleito não terá relação direta com a pandemia, na visão do especialista. Três novos elementos, adotados em 2017, mudaram completamente o rumo das escolhas eleitorais: o estabelecimento das pré-campanhas, o impulsionamento de conteúdo na internet e a arrecadação coletiva. Porém, para Vitorino, o uso desses artifícios deixou a desejar em 2018. "Eram processos novos e poucos candidatos usaram, porque não tinham muito conhecimento ou porque estavam com medo. Agora, não. Está consolidado", acredita.

Por isso, o consultor de marketing digital entende que a possibilidade de segmentar os discursos por meio do impulsionamento de postagens faz com que os candidatos deixem de ficar reféns dos algoritmos nas redes sociais. "(Havia) um comportamento de bolha, com falas polêmicas e focadas (em públicos específicos). Neste ano, é possível produzir o conteúdo que se quer e para quem se quer", conclui Vitorino. 

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Calendário

» 4 de maio: prazo máximo para transferência e emissão do título de eleitor

» 15 de maio: início do financiamento coletivo das pré-candidaturas

» 11 de julho: divulgação do número total de brasileiros aptos a votar

» 20 de julho a 5 de agosto: convenções partidárias e registros de candidaturas

» 16 de agosto: início da propaganda eleitoral

» 2 de outubro: primeiro turno das eleições

» 30 de outubro: segundo turno das eleições

Fonte: TSE

 

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