"Me leia. Não me deixe morrer." Esse foi o apelo que Lygia Fagundes Telles fez aos jovens durante homenagem em 2015, na Academia Paulista de Letras, onde ocupava a cadeira 28. No mesmo dia, ela lembrou aquilo que almejava quando começou a trajetória profissional: "Eu queria mostrar que a mulher, no Brasil, não precisava ser rainha do lar. Queria dizer que ela pode segurar a tocha da coragem e do desejo de mostrar a igualdade entre homens e mulheres".
Com talento, dedicação e perseverança, ela abriu caminho e trouxe inspiração para tantas outras escritoras no país. Que honra ser mulher, escritora desta humilde coluna semanal, e quase contemporânea de alguém que, com tamanha generosidade, rompeu as barreiras de um meio dominado pelos homens.
O jornalista Carlos Marcelo, em uma sensível curadoria das frases marcantes da escritora, destacou este ponto da vida de Lygia. "Sou escritora e sou mulher — ofício e condição duplamente difíceis de contornar, principalmente quando me lembro como o país (a mentalidade brasileira) interferiu negativamente no meu processo de crescimento como profissional."
As marcas amareladas dão conta do longo período em que uma de suas obras mais celebradas está na prateleira aqui de casa. É a 16ª edição de Ciranda de pedra, imaginem, lançada em 1983, quase 30 anos depois da primeira publicação. Lembro-me de poucos detalhes do livro, que li na adolescência. Mas folheá-lo de novo me levou a navegar pela delicadeza de uma narrativa suave, mas assertiva.
Eram férias de verão, e estávamos, eu, meu irmão e meus pais, numa pousada no município de Rio Quente, em Goiás. Aproveitei para selecionar na coleção da minha mãe o livro daquela autora de quem eu tanto ouvia falar. Na verdade, acho que foi ela quem o escolheu para me emprestar.
Naquele ano, havia sido lançado o remake da novela global homônima. Mas a profundidade da obra de Lygia era impossível de se reproduzir em folhetim. Também me recordo que outra novela usava uma regravação pelo Skank de Beleza pura, de Caetano Veloso, e a música não parava de tocar na rádio. Aqueles versos se confundem em minha mente com os parágrafos de Ciranda de pedra.
Não sublinhei nenhum trecho do livro, mas, ao revisitá-lo, consegui resgatar vários que me fizeram entender o motivo de ter sido tão impactada por ele. "O estreito caminho fechado entre as árvores dava para uma clareira e ali se bifurcava. Virgínia hesitou entre as duas trilhas. 'Esta deve ser a do rio', pensou. E seguiu por ela, oferecendo o rosto ao morno sol crepúsculo. A brisa sussurrava por entre a folhagem. No céu, de um azul pálido, pairavam nuvens brancas. Um pássaro cortou a quietude com seu grito alegre como uma risada."
Está aí, sem mais. Se depender de mim, Lygia, imortal que eras, continuarás.
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