O olho da cara

Correio Braziliense
postado em 09/04/2022 00:01
 (crédito: FaiaraAssis/Divulgacao)
(crédito: FaiaraAssis/Divulgacao)

Durante a madrugada, ainda acordado, recebi a notícia de que meu pai estava prestes a perder a visão do olho direito. O problema já existia há algum tempo, mas ele o descobriu recentemente, após alguns exames. Não lembrava como se machucou, mas contou que há alguns meses havia caído em casa e batido a cabeça. Creio que para me poupar, levou algum tempo para falar sobre a gravidade do caso: descolamento de retina e do vítreo.

Naquela noite, ele decidiu desabafar e revelou que, se não fizesse a cirurgia na próxima semana, perderia a visão do olho. A quase 1 mil km de distância, perguntei o que eu poderia fazer para ajudá-lo. Sempre preocupado com as finanças, inicialmente, ele recusou minha presença, alegando que tudo ficaria ainda mais caro, já que eu o ajudaria com o dinheiro para a cirurgia. Porém, após três mensagens, ele não aguentou e pediu para eu visitá-lo.

Ainda de madrugada, pedi ao jornal para que antecipasse minhas férias. No dia seguinte, parti para o interior da Bahia, onde cheguei numa sexta. A cirurgia estava marcada para segunda, em Salvador. O preço? R$ 12 mil: literalmente, o olho da cara. Arquei com parte considerável da quantia.

Nem ele nem minha mãe tem plano de saúde. Essa é uma das combinações mais dramáticas deste país: o idoso sem dinheiro suficiente para pagar um serviço médico particular, e que depende exclusivamente do SUS. Se meu velho fosse esperar na fila do Sistema Único de Saúde pela cirurgia, possivelmente seria tarde demais para ele, que acabaria perdendo a visão.

Quantos casos como o dele devem haver pelo país? Idosos na fila do SUS por uma cirurgia que, às vezes, não pode esperar.

Enquanto isso, o valor dos planos de saúde para essa parcela da população só aumenta. Você, jovem adulto de 30, 40 anos, já parou para pensar como será sua velhice? Terá um plano de saúde? Conseguirá se aposentar? A cada dia, esses tornam-se objetos de luxo a serem almejados por muitos brasileiros. Se no país onde ter carteira de trabalho assinada e férias remuneradas tornaram-se grandes benefícios, imagina o que um tíquete alimentação, um planozinho de saúde qualquer, uma ajuda no combustível ou a possibilidade de uma aposentadoria decente podem significar. É quase como ganhar na loteria.

Paguei o olho da cara para meu pai não perder o dele. Creio que qualquer filho com condições faria isso. A cirurgia foi um sucesso, mas a recuperação será longa. Deu tudo certo, mas, para ajudar nas despesas, decidi antecipar o lançamento do meu próximo livro, de contos e crônicas, e rifarei os primeiros exemplares. Qualquer valor extra que eu conseguir já estará valendo.

E eu que pensava que meus pais iriam curtir uma aposentadoria tranquila, viajando pelo Brasil e pelo mundo. Se não contam com muito dinheiro e nem com plano de saúde, pelo menos eles têm uns aos outros, além do quintal com algumas frutas e flores lá no interior. Para eles, parece ser o suficiente, além de receber notícias do filho que vive na capital do país. Nasceram com muito pouco e se acostumaram a viver assim. "O importante é ter saúde, meu fi", como eles e muitos outros idosos brasileiros dizem.

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