Não pude ir ao velório do Hugo porque estou no plantão da Semana Santa. Mas, mesmo de longe, a energia do ritual dionisíaco de despedida do nosso bruxo emérito do teatro reverberou na redação. A estagiária pautada para cobrir o evento voltou do Teatro Galpão em transe. Nunca havia visto nenhum velório igual, com música, dança, êxtase e afeto. Hugo só acreditava nos deuses que soubessem dançar.
Eu havia marcado uma entrevista com o professor José Carlos Coutinho para um caderno especial sobre o aniversário de Brasília e não consegui contato. Logo imaginei que ele estaria lá, esse era um momento imperdível. O Teatro Galpão estava cheio de brasilienses de todas as idades e havia mais gente lá fora. Rolou a mesma energia irresistível que se irradiava dos espetáculos de Hugo Rodas.
Você poderia gostar ou odiar, ficar indiferente, jamais. Hugo Rodas era a utopia de Brasília da cabeça aos sapatos. Mas, sem sessão nostalgia, era um pioneiro sempre ligado no presente e no futuro.
Em 2019, pouco antes da pandemia, Hugo fez 80 anos e nos brindou com dois presentes: as montagens de O rinoceronte, e a remontagem de Os saltimbancos. O primeiro manifesta a santa indignação contra a estupidez reinante; e o segundo celebra a alegria essencial da solidariedade. Hugo transformou a ambos em peças de dramática atualidade.
Sempre imaginei o fim do pesadelo político e da pandemia celebrado com a encenação de Os saltimbancos no Teatro Galpão. Quando assisti a peça, desejei que toda Brasília estivesse ali para ver. Fica a sugestão para o Bartô, era preciso que essa peça circulasse por todas as escolas do DF.
Zuenir Ventura escreveu que o câncer é uma doença humilhante, mas, com o desejo insaciável de viver, Darcy foi a única pessoa que humilhou o câncer porque desrespeitou todos os protocolos, comeu uma feijoada e se dedicou a escrever um dos grandes legados, o livro O povo brasileiro. Pois bem, tenho a impressão de que o velório, dirigido, de maneira invisível, por Hugo Rodas também humilhou o câncer.
Foi uma demonstração de uma fé na arte capaz de abalar montanhas de ceticismo. Sim, quem parte é amor de alguém, como disse Hugo em espetáculo na Esplanada dos Ministérios para responder à indiferença dos governantes ante às mortes da pandemia. Hugo teve uma vida bela, plena de invenção, de realização e de afeto. Sempre trabalhou com gente jovem e deixa muitos que beberam em sua fonte para dar sequência a seu legado.
Quem esteve no Teatro Galpão e, mesmo quem não esteve, recebeu um jato de dramaticidade, eletricidade, de afeto e de alegria. O ritual dionisíaco do velório de Hugo Rodas nos libertou da dor da perda e liberou o nosso bruxo emérito para alçar outros voos, embora ninguém soubesse, ao certo, se estava alegre ou triste. Realmente, foi um privilégio nosso ter um artista da grandeza de Hugo Rodas.
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