Chico do Cedoc

Severino Francisco
postado em 30/04/2022 00:01

O escritor mineiro Otto Lara Resende morreu em 1992, mas deixou em Brasília um assessor simpático, risonhante e obsessivo para cuidar do seu legado. É Francisco de Souza, o Chiquinho, funcionário do Cedoc do Correio. Ele é o responsável pela pesquisa da exposição Brasília 61 1, com as capas do Correio Braziliense, em cartaz no CCBB.

Chico é um pesquisador nato, uma espécie de Google de carne e osso, que faz uma varredura implacável nos arquivos em busca da informação solicitada. Coleciona, com esmero, numa pasta batizada de "cartilhão", as crônicas de Rubem Braga, não publicadas em livro. Todos os dias, Chiquinho passa em revista a obra do Otto, descobre alguma história inédita, espana a poeira da imagem do escritor e lustra as frases de efeito para que elas mantenham o brilho original.

"Você sabe a última do Otto?", pergunta para conhecidos e desconhecidos. E, de repente, todos que cruzam o caminho se tornam íntimos do Otto. Em outra dimensão da vida, fingindo descontentamento, mas felicíssimo com a badalação, o Otto faz fita: "Mas, afinal, Chiquinho, por que você me persegue?"

Nelson Rodrigues foi quem mais promoveu o Otto. Escreveu uma peça com o título Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária, em que uma das personagens repetia, freneticamente, uma frase do Otto: "Mineiro só é solidário no câncer". Segundo Nelson, a maior obra do Otto eram suas frase e seria preciso que um taquígrafo registrasse até os suspiros do amigo, 24 horas por dia, para que não se perdessem frases como esta, quando era adido cultural do Brasil em Lisboa: "Sou adido e mal pago".

Pois bem, em certo dia de 1988, Rubem Braga veio a Brasília para uma tarde de autógrafos na antiga Livraria Presença, encravada no Conic. Chiquinho não poderia perder uma oportunidade como essa de conversar com o chamado príncipe dos cronistas brasileiros. Mas havia um problema: a tarde de autógrafos ocorria em pleno horário de trabalho.

Na consciência de Chiquinho instalou-se uma dúvida hamletiana: minto ou não minto para o meu chefe? Ele não resistiu à tentação e inventou uma mentira esfarrapada, gasta e dramática: a avó estava passando mal, muito mal, na UTI de um hospital da cidade.

Compadecido, o chefe aquiesceu ao pedido e dispensou o funcionário. Cheio de remorso, mas, ao mesmo tempo, feliz da vida, Chiquinho seguiu rumo à Livaria Presença para ver Rubem Braga. O coração batia disparado de emoção. Ia conhecer ao vido o grande cronista, amigo do Otto, de Manuel Bandeira, de Vinicius de Moraes e de Carlos Drummond de Andrade.

Contudo, eis que quando já se encontrava na fila de autógrafos, a cinco pessoas de chegar ao autógrafo de Rubem Braga, Chiquinho se desequilibrou e esbarrou em alguém, na contramão. Sim, vocês adivinharam, foi nele mesmo, no chefe, que tinha umas fumaças literárias e era fã do Braga. Desconcertado, Chico esboçou uma emenda pior do que o soneto, gaguejou que a avó havia tido uma melhora súbita e...

Mas o chefe estava em tal estado de graça por ter conseguido o autógrafo de Rubem Braga que nem prestou atenção na desculpa do funcionário gazeteiro. O desalmado do chefe não quer saber nada sobre a triste situação da avó do Chiquinho.

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