Entrevista

55% dos brasilienses estão acima do peso, alerta endocrinologista

Ao CB.Saúde, a médica endocrinologista Michele Borba destaca problemas decorrentes do sobrepeso e da obesidade, principalmente, nos mais jovens

Asaúde mudou durante a pandemia, o ambiente caseiro trouxe desafios para a mente e para o corpo de todos. Em números, esse fato se torna mais evidente. Em entrevista à jornalista Carmen Souza, a médica endocrinologista Michele Borba explicou que o período da crise sanitária gerou consequências, como o ganho de peso da população, que variou em 6kg. Para além deste efeito, 55% dos moradores do DF está com sobrepeso ou é obeso. A especialista tratou desses e demais assuntos, ontem, no CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília.

Com essa nova fase da pandemia, há uma sensação de que as pessoas ganharam peso. Como a senhora tem percebido isso nos consultórios?

A pandemia foi um período inusitado, e a gente não esperava ficar em casa quase dois anos. Devagar, as pessoas estão tomando o seu autocuidado. A pandemia trouxe consequências: a média de ganho de peso, em adultos e crianças ou jovens foi de 6kg. Sempre tem um desvio padrão nesses cálculos, mas é um ganho importante, que pode afetar até a própria transição da adolescência, no período de crescimento, e o excesso de peso pode atrapalhar direta ou indiretamente nisso, assim como o sedentarismo e as demais consequências dessa situação. Hoje, no DF, essa estatística de pessoas acima do peso é de 55%. Então, quando falamos dessa média, reflete em um percentual muito grande da população, e ter esse percentual traz outras doenças associadas. No Brasil, a gente tem 9% da população com diabetes, que caminha juntamente com a obesidade. A estatística é um pouco assustadora, e a gente precisa colocar a realidade para criar políticas de tratamento e para que as pessoas procurem ajuda.

O sobrepeso é uma condição de alerta para a chegada da obesidade. O que pode ser feito para evitar que isso se complique?

Para que se classifique sobrepeso ou obesidade existe o cálculo do IMC (Índice de Massa Corporal). Mas temos outras métricas, como a circunferência abdominal. A gordurinha da cintura é que vai trazer resistência insulínica, colesterol pior, fatores de risco cardiovascular para infarto, AVC; em jovens afeta o desenvolvimento físico. Na hora em que se tem o alerta de um profissional de saúde, se pode ajudar nas mudanças de estilo, de comportamento do ambiente familiar, trazendo uma mudança para o futuro.

A USP divulgou um estudo que mostra que os ultraprocessados aumentam o risco de obesidade em 48% entre os jovens. Como mudar esse tipo de dieta dessa geração?

O ultraprocessado tem uma quantidade a mais de sódio, condimentos, gorduras, carboidratos, é mais densamente calórica, de baixo custo, em algumas vezes. Essa acessibilidade a algo prazeroso, facilita esse fator. Mas temos que pensar na realidade. Eu posso não ter tempo de preparar um alimento, será que tem uma forma de buscar uma alimentação que não seja aberto por uma caixinha? Eu sei que dá trabalho, mas a gente precisa voltar a comer um pouco mais parecido com o que tínhamos na época dos nossos avós. Esses alimentos industrializados trazem muitos fatores inflamatórios, atrelados ao grande peso, à hipertensão, à diabetes. Precisamos fugir disso.

A longo prazo, como os jovens podem ser afetados?

Tem consequências no organismo como um todo. O ganho de peso pode, mesmo na criança, promover o ronco noturno, piora na qualidade do sono, produzindo menos hormônios de crescimento. Quando mais grave, pode causar hipertensão intracraniana, afetando todo o mecanismo de cognição, na capacidade do aprendizado. Outra situação recorrente na infância é a asma. O tecido adiposo libera substâncias inflamatórias. Ainda há várias situações, como a hipertensão, o diabetes tipo 2, dores articulares e limitações no fôlego, por exemplo.

Os casos de transtornos alimentares estão aumentando?

Esses transtornos tem duas extremidades: tanto aquele que tem um acesso a uma alimentação sem rédeas, levando a bulimia ou a compulsão; quanto a anorexia, podendo precisar de internação. A personalidade do jovem não está formada, e nem sempre há diálogo com a família. Percebi uma intensificação disso na pandemia: quem tem um transtorno fica mais isolado. Nem precisamos dizer, então, o tanto que os jovens ficaram mais isolados socialmente.

O que as escolas podem fazer para que essa retomada às aulas presenciais facilite a perda de peso?

A escola tem um papel fundamental nisso, porque, na maior parte das vezes, as crianças passam mais tempo lá do que em casa. Então, vale o incentivo ao recreio com mais movimento e à redução do uso de dispositivos eletrônicos. É, por exemplo, estimular aquelas brincadeiras antigas, como o pique-pega. Além disso, trazer a família para, em parceria, melhorar a alimentação, fornecendo frutas e outras opções também saudáveis.

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho

 

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