Esculturas sonoras

Correio Braziliense
postado em 11/05/2022 00:01

Na sexta-feira, cobrei do CCBB que resgatasse o parque temático Diverson, inventado pelo grupo Udigrudi. Eu estava equivocado. No último fim de semana, estive por lá para celebrar o Dia das Mães e constatei que ao menos meia dúzia de brinquedos do Udigrudi foram restaurados e fizeram a festa das crianças.

O Diverson é um parque de esculturas sonoras. Levei meus dois netos — Aurora, 8 anos, e Judá, 4 —, e eles se espalharam. As gangorras têm uma caixa de vidro com bolinhas de gude, que, ao serem, movimentadas, produzem músicas aleatórias. Ao deslizarem pelo escorregador, as crianças roçam uma fileira de peças metálicas, que emitem o som de um avião supersônico.

Tudo que as crianças tocam vira música. É uma experiência, a um só tempo, didática e mágica. Cada uma que brinca com as esculturas sonoras se sente um artista. A música é uma linguagem universal que sensibiliza qualquer pessoa nos mais diversos pontos do mundo. Em 2000, fui assistir ao espetáculo O cano, da Companhia Udigrudi, e saí do teatro fulminado pela sensação de que havia visto algo magnífico.

Lembro que a trupe fez uma interpretação memorável da composição Trenzinho caipira, de Villa-Lobos, com uma orquestra de tubos de PVC. Uma orquestra de canos preparada por Márcio Vieira, nosso bruxo do som candango, tocou sozinha uma música afinadíssima de pingos e goteiras. Parecia uma orquestra fantasma no palco da Funarte.

Na hora de escrever o comentário sobre o espetáculo, eu mesmo achei que havia me entusiasmado demais e perdido o senso crítico. Argumentei que um espetáculo bom para Brasília teria de ser bom também em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Paris, em Nova York, em Marte ou em Plutão.

Logo em seguida, o Udigrudi participou do Festival Internacional de Teatro de Edimburgo, o mais importante evento de artes cênicas do planeta. Para meu alívio, duas semanas depois, li na capa da Folha de S.Paulo matéria de um enviado especial com a manchete escancarada: "Grupo brasiliense é sensação do Festival de Edimburgo". Era o Udigrudi, que, a partir dali, decolou uma carreira internacional.

Celebramos o Dia das Mães no CCBB, e eu aproveitei para dar uma volta. Fui até o jardim das esculturas de ferro de Amílcar de Castro. São plantas da probabilidade e do acaso que ficaram muito bem circundadas pelo cerrado bravo e pela espacialidade de Brasília: "Corto e dobro o ferro para que a forma amanheça da matéria", escreveu Amílcar.

Em minha andança, a certa altura, divisei uma ave longilínea, de bela plumagem e andar muito elegante. Era a chamada maria-faceira, marcada pela cabeça azul-clara, a crista acinzentada e o bico com mancha azul na ponta. Aproximei-me, percebi que ela era arisca e fiquei imóvel como a estátua do silêncio.

Ela também se fingiu de estátua, e ficamos nos mirando por alguns instantes. Avancei um pouco, ela soltou um silvo e levantou um voo leve, ritmado e harmonioso. Além das atrações culturais, ainda fui brindado com o presente desse voo elegante.

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