Amigos da poesia

Correio Braziliense
postado em 21/05/2022 00:01

Vinicius de Moraes era a favor de Brasília; Rubem Braga era contra. Os dois foram muito amigos e deixaram um legado de histórias divertidas, comoventes ou líricas. Braga considerava Vinicius um dos grandes poetas brasileiros modernos e não se conformava que se metesse com música popular. Mesmo assim, ao lançar um LP, o poeta cometeu a temeridade de pedir ao cronista que escrevesse algo para a contracapa.

Ao receber o texto na mesa de um bar, em que estava também o amigo Millôr Fernandes, Vinicius leu atentamente e, depois de finalizar, simplesmente rasgou tudo em pedacinhos. Em seguida, chamou o garçom e, no sotaque carioca carregado de esses, pediu, como se não tivesse ocorrido nada: "garçom, um uisquinho".

Contra toda a má vontade de Braga, Garota de Ipanema, parceria de Vinicius com Tom Jobim, se tornaria um sucesso internacional. Mesmo assim, o cronista não desistiria da implicância e rabiscaria em um guardanapo na mesa de um bar esta paródia com versinhos infames: "Olha que coisa mais triste/E mais sem graça/É este velhote/Que vem e que passa/Em pesado balanço/A caminho do bar".

A verdade é que, embora Braga e Vinicius exigissem das mulheres que fossem deusas eternamente jovens, belas e perfeitas, os dois não estavam longe do retrato pintado pelo referido poeminha torpe.

Todavia, há também lances misteriosos na trajetória do poeta e do cronista. Braga era amigo da então deslumbrante Lila Bôscoli e previu que ela e Vinicius se apaixonariam de maneira fulminante. Ao apresentá-los, disse apenas: "Lia Bôscoli e Vinicius. E seja o que Deus quiser". Não deu outra. No dia seguinte, eles estavam praticamente casados.

Vinicius compôs um agudo retrato do amigo no poema Mensagem a Braga, escrito quando esse estava na Itália, na condição de repórter, com a missão de fazer a cobertura da Segunda Guerra Mundial: "Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seus bigodes circunflexos/Terno em seus olhos de pescador de fundo/Feroz em seu focinho de lobo solitário".

Nos tempos em que Vinicius estava em Hollywood, Braga compôs um poeminha para o amigo, intitulado Bilhete para Los Angeles: "Tu, que te chamas Vinicius/De Moraes, inda que mais próprio fora que Imorais/Quem te conhece chamara — Avis rara!/Tens uns olhos de menino/Doce e ladino/E és um calhordaço fino:/Só queres amor e ócio./Capadócio!/Quando a viola ponteias/As damas enleias/E as prendes em suas teias/Tanto mal já fizeste/Cafajeste! Apesar do que, faz falta/Tua presença, que a malta/Do Rio pede em voz alta:/Deus dê vida e saúde/Em Hollywood!"

Os versos teriam inspirado uma canção, em ritmo de Se essa rua fosse minha, entoada pelos amigos de Vinicius, que provocava a irritação do poetinha, quando ele chegava ao bar Antonio's: "Se eu tivesse muitos vícios/Eu me chamava Vinicius/Se esses vícios fossem muito imorais/Eu me chamava Vinicius de Moraes".

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação