Crônica da Cidade

Pausa para respirar

por Severino Francisco
postado em 26/05/2022 00:01

Talvez, neste momento, nunca o país precisou tanto da nossa vigilância, da nossa mobilização e da nossa prontidão para defender os bens mais preciosos da ameaça dos pilhadores. Mas também sinto necessidade de respirar no contato com a natureza e com as coisas belas da vida. Eu me incluo entre aqueles que, durante a pandemia, estreitaram o contato com as plantas e cultivaram o jardim para não enlouquecer.

Lidar com as plantas é um campo de aprendizado completo sobre a vida. Elas são seres singulares, sensíveis, caprichosos e suscetíveis. Algumas gostam de muita água, outras sobrevivem bem no sol, outras preferem a sombra ou a meia-sombra. É preciso conhecer, observar e interagir com elas.

Fiquei incumbido de aguar três vasos de impatiens, aquelas flores delicadas, brejeiras e multicoloridas, que transmitem alegria a uma casa. São chamadas, popularmente, de maria-sem-vergonha ou do sugestivo nome de beijo. Pois bem, estava lendo um livro muito bom e me esqueci da obrigação.

Quando me dei conta, fui até a varanda e as encontrei murchas, fenecidas e, aparentemente, mortas. Senti um peso terrível de culpa: elas morreram por causa da minha negligência. De qualquer modo, resolvi aguá-las, sem esperança de que revivessem.

Mas, pouco mais de três horas depois, voltei à varanda e constatei que elas haviam renascido, revivescido e reflorescido. Estavam novamente eretas, faceiras e fagueiras. Haviam apenas, feminilmente, desmaiado, pela falta de água provocada por minha incúria.

Uma moça loquaz de um viveiro contou que um cliente comprou mais de 20 mudas de azaleias quando se separou da esposa. Alguns meses depois, voltou com fotos de uma verdadeira alameda de flores, em pleno fulgor. Ele curou a dor do desencanto amoroso com a beleza das azaleias.

Certo dia, visitamos alguns viveiros de nossa região. Quando flanávamos em um deles, fomos abordados por um vendedor simpático, que perguntou: "Posso ajudar?". Eu estava tão distraído e entretido com as plantas que respondi avoado, desinteressado, com vagar: "Não." E pinguei três pontinhos de reticência preguiçosos. Ao que ele replicou, com senso de humor e de poesia: "Entendi, vocês estão namorando as plantas." A definição foi perfeita.

Era isso mesmo, namorar as plantas nos viveiros é um dos passeios que mais me acalma e mais me deixa em estado de enlevo. Ali, a gente flerta com as espécies que gostaríamos de cultivar em nossos jardins. É um mundo de beleza e mistério que se abre aos nossos sentidos. Não adianta ter dinheiro para comprar tudo que quiser. É preciso tratar cada planta com carinho, cuidado, conhecimento, atenção e sensibilidade.

Todos os dias vou ao quintal para namorar a bauinia, a caliandra vermelha, a caliandra rosa, as florações da Onze Horas, a pitangueira, a rosa do deserto e tantas outras plantas. Elas me proporcionam instantes de beleza salvadora que me fazem esquecer, por alguns momentos, a estupidez de alguns de nossos governantes. É por isso que, aparentemente, não enlouqueci.

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