Tentativa de feminicídio /

Fingiu estar morta para viver

Moradora do Itapoã, Jéssica de Aragão, 29 anos, levou 15 facadas do companheiro, Renato Moura, 33, na frente dos três filhos do casal. Amiga da vítima contou que agressor bateu a cabeça da mulher contra a parede

Um crime brutal chocou os moradores de Fazendinha, no Itapoã, e alertou para a violência vivenciada pelas mulheres. Os vestígios das agressões contra Jéssica de Aragão Dantas, 29 anos, na noite de terça-feira, marcam a calçada na entrada da casa onde mora com o companheiro e os três filhos — 7, 5 e um ano e nove meses. O relacionamento de nove anos com Renato Moura, 33, havia sido reatado há de dois meses. A vítima foi esfaqueada e precisou fingir estar morta para não ser novamente atacada.

Dentro da residência, os rastros de violência são pungentes: marcas de sangue, o pano usado para estancar os ferimentos e uma poça seca e vermelha próximo a geladeira, na cozinha e entre as panelas e objetos revirados. Amigos e vizinhos presenciaram o episódio. Um deles, uma mulher que terá a identidade resguardada por medo do criminoso, detalhou os momentos de tensão. Ela socorreu Jéssica quando a vítima saiu ferida da casa. "A gente começou a ouvir os pedidos de socorro, mas eu nunca poderia imaginar que era a Jéssica em perigo. Quando sai, vi ela, aqui, na frente da calçada, segurando o pescoço, toda cheia de sangue. Foi uma cena de horror. Nunca tinha visto algo assim", lamenta.

Jéssica levou cerca de 15 facadas de Renato, após uma discussão entre 21h e 21h30. Quatro dos golpes atingiram a região do pescoço, os demais foram no tórax, no rosto e nos braços. "Tudo isso aconteceu na frente das crianças. O filho dela chegou a contar que ele a agrediu diversas vezes, batendo a cabeça dela contra a parede. Para o Renato deixar a Jéssica em paz, ela se fingiu de morta. Nunca poderia imaginar algo assim dele. Foi algo totalmente inesperado. Ainda mais na frente dos filhos dos dois. A única coisa que a gente espera, agora, é justiça. O tempo todo, vendo ela toda cheia de sangue e sendo mulher também, eu pensava nos meus filhos", conta a vizinha.

Após quase matar Jéssica, Renato fugiu em uma bicicleta. O último local em que ele foi visto era em Sobradinho, onde tem familiares. O caso é investigado pela 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), que realiza rondas em busca do suspeito. A vítima foi socorrida por vizinhos e pessoas que passavam nas ruas, enquanto esperava a chegada do Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF). Um motoboy, de 30 anos, presenciou a cena. "Conheço a Jéssica de vista, e, quando vi a situação, pedi para alguém levar os filhos para longe e fiquei com ela, conversando para não dormir. Ela estava deitada, querendo vomitar, os olhos revirando. Foi algo assustador. E a gente se preocupa com as crianças ficarem com essa cena na cabeça", ressalta.

Jéssica foi levada para o Hospital Regional do Paranoá (HRPA), em estado grave. Ela passou por cirurgia. "Agora, ela está no quarto, está se recuperando", garante a amiga.

Sofrimento psicológico

Painel interativo de feminicídio, da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), 52% dos casos são cometidos com arma branca, e mais de 75% no interior da residência. A pasta afirma que, nos primeiros quatro meses deste ano, a capital do país apresentou uma queda de 50% dos casos de feminicídio em relação ao mesmo período de 2021. Quanto às tentativas, o número caiu de 23 para 22. Os casos de violência doméstica, no quadrimestre, caíram de 5.450 ocorrências no ano passado, para 5.437, este ano.

Apesar dos avanços, a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Edlene Oliveira Silva alerta que a violência contra a mulher acontece devido à visão que o homem tem de ser superior. "Ver as mulheres como propriedades, um objeto que eles podem usar e descartar como quiserem. Nesse sentido, o alto índice de uso de armas brancas nos feminicídios do DF demonstra que essas são as armas mais acessíveis aos agressores, são as armas que eles têm em casa", avalia.

Doutora em Sociologia e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Mulheres (UnB), Ana Paula Antunes Martins destaca que, no crime cometido no Itapoã, há características que podem ser vistas como tortura. "No contexto da violência, se observou um intenso sofrimento físico e psicológico imposto à vítima, pelo fato de o crime se dar diante dos filhos, da quantidade de facadas e das outras agressões", argumenta.

Tragédias

Casos de feminicídio:
De 2015 a 2022: 136

Meio empregado
Arma branca: 52%
Arma de fogo: 22%
Asfixia: 9%
Agressão física: 8%
Objetos contundentes: 4%
Fogo: 2%

Local do crime:
Residência: 75%
Ruas e praças: 15%
Outros: 5%

Motivação:
Ciúme: 66%
Término de relacionamento: 22%
Não informado: 5%

fonte: Painel Interativo Feminicídio - SSP-DF

Como pedir ajuda

- Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.

- Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF). E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br. WhatsApp: (61) 98626-1197. Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher.

- Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.

- Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.

>> Deam 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia. Endereço: EQS 204/205, Asa Sul. Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673. E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br

>> Deam 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia. Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia. Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438