Durante a pandemia, em meio a crises da República, quando questionadas, algumas autoridades afirmaram que "as instituições estavam funcionando". Permitam-me discrepar, enquanto o Clube do Choro não voltasse às atividades plenamente essa versão seria falsa. Porque ele é uma instituição vital para Brasília.
É bem verdade que, ao longo de mais de dois anos da crise sanitária, nunca deixou de resistir bravamente. Mas só agora, com a retomada de uma programação regular do Clube do Choro, é possível sustentar que as instituições estão funcionando.
Não poderia haver melhor atração para marcar o ritual da retomada do que João Donato. O show com que ele nos brindou na noite de quarta-feira foi um bálsamo para lavar a alma, maltratada por tantos revezes e desatinos nos últimos tempos. João é um menino nato, não importa com que idade esteja.
Ao ler o título da entrevista publicada no Correio, na edição de quarta-feira, ele mostrou para os amigos todo fagueiro, risonhante e provocador: "Vocês viram, sou 'feliz e elegante', não sou eu quem diz nem é fake news. Está escrito no jornal".
Em contrapartida, a família da Dona Jacyrema leu em um trecho da referida entrevista que uma das coisas que João mais apreciava nos tempos em que morou em Brasília era frequentar a banca Delícias do Pará, na Feira da Torre de Televisão: "Eu sinto saudade daquela paz de Brasília, do céu lindo, dos gramados. Sinto falta do tacacá da dona Jacirema, daquela gente animada que curte a minha música no Clube do Choro".
Dona Jacirema já nos deixou, mas o quiosque dela permanece instalado na Torre de TV. A família se mobilizou e abriu o quiosque, com todo o carinho, especialmente para João Donato matar as saudades do tacacá brasiliense. Está tudo registrado com fotos. É bom para mostrar como Brasília é profundamente brasileira nos regionalismos e na mistura de todos eles.
João Donato é, guardadas as devidas proporções, uma espécie de João Gilberto do piano. Com o mínimo, ele extrai o máximo de ritmo, de harmonia, de colorido e de beleza. É uma música elegante e feliz, tal qual o seu autor. Ele lavou nossa alma com sua performance ao piano, acompanhado de um time de primeira linha. Saí do clube muito mais leve.
O Clube do Choro é um endereço da boa música em Brasília e no Brasil. Alguns shows que passam por lá seriam bons em qualquer lugar do mundo. O que acho notável no Clube do Choro é a renovação permanente proporcionada pela Escola de Choro Raphael Rabello. Antes dela, choro era "música de velho". Mas, depois, uma legião urbana de crianças e adolescentes brasilienses se apropriou do choro. É a única cidade onde acontece isso.
Por todas essas razões, é preciso celebrar a retomada do calendário regular de atividades do Clube do Choro. São 40 shows de qualidade até o fim do ano. É uma pequena felicidade, que nos alimenta de alegria para enfrentar as pequenas e as grandes batalhas. Chorinho parece voo elétrico de beija-flor ou drible insinuante de Garrincha.
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