Crônica da Cidade

O labirinto de Oiticica

Correio Braziliense
postado em 04/06/2022 00:01
 (crédito: Diego Bresani)
(crédito: Diego Bresani)

Hélio Oiticica desejava que a arte saltasse do quadro, da gravura ou do desenho para o espaço. Queria uma arte corporal que fosse caminhada, atravessada e vestida. Foi o último a aderir ao movimento Neoconcreto, no final da década de 1950, realizou as experiências mais extremas, que anteciparam experimentações que se fariam em vários pontos do mundo. Queria que o espectador participasse ativamente nas obras.

Morei em São Paulo durante a adolescência e, aos 14 anos, levei um susto ao assistir Caetano Veloso, dentro de uma jaula, metido em uma capa multicolorida, jogando bananas e cantando "é preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte". A roupa era o Parangolé, a capa tropicalista, de Hélio Oiticica.

O CCBB instalou nos jardins o penetrável A invenção da cor: Magic Square, concebido por Oititica no final da década de 1970. É possível apreciá-lo de várias perspectivas. Passo de carro todos os dias na ida e na volta do trabalho e sempre dou uma mirada. Magic Square é um labirinto vertical, que interage com o céu de Brasília. A coletânea de artigos de Oiticica é intitulada, significamente, Aspiro ao grande labirinto.

Magic Square se parece com as obras de integração arte-arquitetura de Brasília. No entanto, a diferença está na despreocupação com a funcionalidade. A instalação de Hélio Oiticica subverte as relações espaciais com uma função eminentemente estética. E já que o autor confere relevância à experiência sensorial e subjetiva do espectador, registrarei as minhas impressões.

Ao atravessar a obra senti mesmo a angústia de quem está enredado em um labirinto colorido, mas um labirinto vertical e talvez espacial, um labirinto com aberturas para todos os lados. É facílimo escapar das paredes de amarelos, vermelhos e azuis tão puros que parecem ser flagrados no estado mais puro e fulgurante. Existe o vão aberto diretamente para o céu e um teto solar transparente que filtra as nuvens de Brasília.

Se estivesse instalado em uma cidade tradicional, talvez o trabalho de Oiticica estivesse deslocado. Mas o construtivismo e a espacialidade de Brasília favorecem e enriquecem a interação dos espectadores com as obras de arte contemporânea. Não é difícil imaginar a obra de Oiticica interagindo com o céu plúmbeo de uma cidade como São Paulo.

Magic Square se parece com as obras de integração arte-arquitetura de Brasília. No entanto, a diferença é o descompromisso com a funcionalidade. A instalação de Hélio Oiticica subverte as relações espaciais com uma função eminentemente estética e sensorial. Não significa nada em si; é um convite à experiência do espectador.

Brasília foi criada por artistas ou por políticos com alma de artista. Niemeyer convidou Athos Bulcão, Volpi, Di Cavalcanti, Cheschiatti, Bruno Giorgio, Maria Martins, Marianne Perretti. É um acervo muito rico, porém, ele deveria ser atualizado e acrescido de novas obras de arte contemporânea. Isso enriqueceria muito a nossa interação cotidiana com a arte. Brasília poderia ser uma Inhotim em ponto grande.

Inclusive porque um dos grupos precursores da arte conceitual brasileira surgiu em Brasília, a partir do Ciem, escola experimental da UnB, com Cildo Meirelles, Guilherme Vaz e Luiz Alphonsus. Por isso, merece aplauso a iniciativa do CCBB de instalar as esculturas de Amílcar de Castro e o labirinto vertical de Oiticica.

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