À QUEIMA-ROUPA

Correio Braziliense
postado em 12/06/2022 00:01

Temos visto uma explosão de infecções por covid-19. Não é hora de o Poder Público tomar alguma providência?

Não há dúvida de que estamos novamente vivenciando um novo aumento expressivo do número de casos de contaminação pelo coronavírus e isso, evidentemente, preocupa a todos. Como acompanhamos cotidianamente a situação, há dias estamos cobrando do governo local medidas para frear essa nova onda da doença. O governo precisa ser mais efetivo, não há dúvida. Por outro lado, está bem claro que a população, após esses dois anos e três meses de pandemia, demonstra cansaço em obedecer ordens emanadas do poder público. Nesse sentido, é preciso também apelar para o convencimento das pessoas sobre a necessidade de elas voltarem a ter o autocuidado, fazendo sua parte para impedir o avanço da pandemia. 

O governo deveria exigir o uso de máscaras para reduzir a contaminação?

Temos a compreensão de que, em determinados ambientes fechados onde há maior exposição ao vírus e proximidade entre as pessoas, sim. Somos favoráveis a essa medida, que, aliás, já se provou eficaz no combate à disseminação do vírus, e é sempre recomendada por aqueles que mais entendem do assunto, que são os médicos e especialistas em saúde. Na semana passada, nossa força-tarefa enviou ofício à Casa Civil do GDF com pedido de informações sobre as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo nessa nova fase da pandemia. Nós entendemos que a imposição do uso de máscaras faciais pode causar desconforto com parcela da população, mas continuamos firmes no entendimento de que o retorno dessa e de outras medidas sanitárias é fundamental para parar o novo avanço da covid-19.

Felizmente as pessoas, em geral, não estão desenvolvendo sintomas graves. Acredita que a vacinação está ajudando?

Não tenho dúvida. Não gostaria nem de pensar como estaria a situação caso não estivéssemos com o atual índice de cobertura vacinal. Nós aqui do Ministério Público colocamos a vacinação como prioridade central de nossa atuação no acompanhamento das ações de enfrentamento da pandemia. Cobramos muito do governo medidas nesse sentido e, ao mesmo tempo, o auxiliamos a obter, com mais celeridade e quantidade, as doses necessárias para vacinar os residentes do Distrito Federal. De qualquer modo, sabemos que ainda há cerca de 180 mil pessoas que não se vacinaram, a maioria por decisão voluntária, e mais de 700 mil que estão com doses em atraso. Isso é muito preocupante e está fortemente relacionado à essa nova onda da doença. Estamos cobrando do governo distrital que concentre seus esforços para, ao menos, minimizar essa situação. Nesse sentido, temos defendido a realização da chamada busca ativa. Uma ação direta do governo para contatar as pessoas que não se vacinaram ou não completaram seu ciclo vacinal, seja porque optaram por não fazê-lo, seja porque vivem em áreas periféricas de difícil acesso aos postos de vacinação. Por fim, requisitamos ao GDF a realização de campanha de comunicação direcionada à população destacando a importância da aplicação de dose de reforço da vacina contra covid-19.

O Ministério Público sempre acompanha a ocupação dos leitos em hospitais do DF. Qual é a situação hoje?

Sim. Fazemos esse acompanhamento desde o início da pandemia. Foi, inclusive, por ação nossa que hoje a sociedade do DF tem acesso atualizado sobre à real situação dos leitos da rede distrital de saúde por meio do portal de internet Info Saúde. As informações que dispomos, da Secretaria de Saúde do DF, mostram que, hoje, o índice de ocupação de leitos de UTI e UCI (respectivamente Terapia Intensiva e Cuidados Intermediários) na rede pública de saúde é de 49,15%. É um índice que está em patamar bem melhor do que em outras fases da pandemia. No entanto, nossa experiência mostra que não se pode descuidar no acompanhamento da situação dos leitos porque as taxas mudam em uma velocidade muito alta. Embora o índice, como observado, esteja em patamar razoável, há unidades da rede, como o Hospital de Base (HBDF) e o Hospital da Criança de Brasília(HCB), que estão com 100% dos leitos ocupados. A mesma situação ocorre com os leitos pediátricos. Por isso, aqui no MPDFT acompanhamos diariamente essa situação, cobrando planejamento e medidas do governo. Recentemente, requisitamos à SES informações sobre os leitos de UTI em funcionamento dos hospitais de campanha remanescentes pós-pandemia. Nossa intenção é saber como eles foram aproveitados na rede pública, qual foi a quantidade recebida por cada unidade, de modo que possam ser remanejados para outros hospitais que apresentem grande volume de atendimentos e espaços físicos apropriados. 

A rede de saúde do Distrito Federal tem suportado a demanda dos atendimentos relacionados à covid-19 e seu impacto na atenção a outras doenças?

Nós percebemos um problema que tem impactado bastante a atenção primária, que é a ponta do atendimento da população no sistema de saúde. Conforme aumenta o número de casos de covid-19, a população, sobretudo a parcela mais pobre, procura as unidades básicas de saúde (UBSs) para fazer testes e tratar os sintomas. É preciso lembrar que esses sintomas, em muitos casos, parecem com os da gripe normal. Então é compreensível que as pessoas busquem atendimento nas UBSs. Essa situação leva essas unidades a ficarem sobrecarregadas. O resultado é que elas não conseguem voltar às suas atividades normais, de acompanhamento de doenças crônicas, como as enfermidades cardíacas, diabetes e outras. Ou seja, a priorização dos atendimentos da covid-19 acaba impactando a prevenção de doenças em geral, o atendimento regular de saúde da população. Outro aspecto é a questão do leitos de enfermaria. Observamos, no atual estágio, que o problema não está centrado tanto nos leitos de UTI, como foi na primeira e segunda ondas da pandemia. Os sintomas da variante ômicron, associados a uma maior cobertura vacinal, têm resultado em pessoas com sintomas menos graves do que os apresentados nas fases iniciais da pandemia. Essas pessoas acabam, muitas vezes, sendo atendidas em leitos de enfermaria. O lado positivo é que, diferentemente do que ocorria nessas fases iniciais, hoje a SES tem condições imediatas de, se houver necessidade, contratar esses leitos. Isso porque há em vigor uma ata de registros de preços para esse tipo de leito que permite sua rápida mobilização caso a equipe técnica da SES verifique sua necessidade.

Por que, na sua avaliação, houve um aumento dos casos agora? Foi a abertura?

Foi a combinação de uma série de fatores. A abertura contribuiu, é claro. Mas é preciso reconhecer que ela ocorreu em um contexto em que os indicadores sinalizavam uma melhora substantiva da pandemia. As pessoas relaxaram com seus cuidados, não há dúvida. Mas não podemos atribuir somente a elas essa responsabilidade. Se deixaram de usar máscaras, por exemplo, é porque houve liberação do uso do equipamento de proteção por meio da revogação do decreto que as obrigava. A retomada das atividades laborais e sociais presenciais também foi outro fator. Mas, insisto, ela ocorreu quando os dados mostravam melhora do contexto pandêmico. O que importa agora é focar os esforços para sensibilizar a sociedade para a necessidade de retomada dos cuidados que foram sendo abandonados à medida que a pandemia foi arrefecendo. Desse modo, é muito importante que o governo retome com força campanhas de comunicação social de esclarecimento e, também, centre esforços em medidas como aumento da testagem, que está muito aquém do necessário. Nossa força-tarefa está atenta a esses aspectos. Vem cobrando com frequência ações governamentais nesse sentido. Da mesma forma, tem procurado esclarecer a população que cada um precisa fazer a sua parte, usando máscaras, principalmente em locais fechados, tais como escolas, unidades de saúde, no transporte coletivo, em teatros, ginásios, estádios e outros.

Vemos que medidas, como disponibilização de álcool em gel nos estabelecimentos, nem são tão seguidas mais. As pessoas perderam o medo da covid?

Houve, de fato, um relaxamento geral, mas ele ocorreu em razão de uma percepção por parte da sociedade de que a situação da pandemia estava controlada. Como se vê, não está. Devemos continuar com as medidas de autocuidado (uso de máscara, álcool em gel, distanciamento) e a cobrar do governo local mais foco nas ações de enfrentamento à covid-19, como mencionei. Estamos, em nossas inspeções e andanças pelo DF, percebendo, sim, que os estabelecimentos estão também relaxando com suas obrigações relativas aos protocolos sanitários que têm obrigação de cumprir. Já cobramos do governo a intensificação das fiscalizações nesses locais para verificação do cumprimento dessas medidas e vamos voltar a fazê-lo.

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