Tragédia amazônica

Correio Braziliense
postado em 15/06/2022 00:01

O desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira escancarou para o mundo o pesadelo antidemocrático que estamos vivendo no Brasil. É um teatro do absurdo completo, mas não adianta acordar porque o pesadelo é real. A região do Vale do Javari abriga oito etnias indígenas e 16 registros de povos isolados.

Enquanto altas autoridades da República perseguem o fantasma da insegurança das urnas, sem ter o mínimo indício para alimentar a suspeita, a floresta Amazônia é dominada por quadrilhas de narcotraficantes, garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores ilegais. Nada a ver com a pesca artesanal de subsistência da população ribeirinha.

São toneladas de pirarucu ou de tartarugas pescados ilegalmente. Os narcotraficantes descobriram que é muito confortável ser autuado por crime ambiental. Ninguém vai preso, e o funcionário que aplica a infração é, sumariamente, demitido por cumprir o dever. É uma falácia alegar que o garimpo promove o desenvolvimento. Só deixa um rastro de destruição, desequilíbrio social, degradação ambiental e rios envenenados de mercúrio.

Como se não bastasse, a Câmara dos Deputados apresenta inúmeros projetos de emendas à Constituição para permitir o garimpo e as atividades do agronegócio em terras indígenas, legitimando a ilegalidade.

Agora, as excelências estão caladas, mas têm grande responsabilidade pela crise ambiental e humanitária. Representam a vanguarda do atraso, deliberam contra os interesses da maioria dos brasileiros. Decidem de costas para o Brasil. Chancelam a desordem, a invasão e a degradação ambiental, pela qual todos nós pagaremos caro.

Os projetos da Câmara dos Deputados se situam na contramão do mundo civilizado. Parece que as excelências acabaram de desembarcar no Brasil colonial do século 16 e da escravidão. O Brasil poderia ganhar muito dinheiro internacional só preservando a Amazônia para si mesmo e para o mundo.

Os indigenistas que trabalham na região relatam que, com todos os problemas e vulnerabilidades, foi possível manter um relativo controle até por volta de 2012. Mas, a partir de 2019, com o estímulo oficial do governo federal para a invasão das terras indígenas, a situação se deteriorou de uma maneira avassaladora.

Não é um fator isolado, mas, sim, uma estratégia articulada para desmontar a Funai, fragilizar os instrumentos de fiscalização, flexibilizar as normas e perseguir funcionários que tinham compromisso com o trabalho. No ano passado, um ex-ministro foi flagrado ao acobertar a venda ilegal de madeira.

Nesse cenário, o ápice da covardia é culpar as vítimas, como fazem alguns governantes. Ora, Dom e Bruno, os desaparecidos, não eram aventureiros. Dom era jornalista, colaborador do The Guardian, e Bruno, um indigenista respeitado, exonerado da Funai porque trabalhava de maneira correta para defender os índios. Prestava serviços para a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. Eles só estavam ali por causa da ausência do Estado na Amazônia.

Ainda há tempo para reverter a situação de tragédia social, humanitária e ambiental do Vale do Javari. Mas a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Ministério Público e o Exército não podem mais se omitir. O desaparecimento de Dom e Bruno escancararam os problemas da Amazônia para o Brasil e para o mundo.

 

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