Tragédiaamazônica 2

Correio Braziliense
postado em 17/06/2022 00:01

A morte bárbara, covarde e revoltante do indigenista Bruno Araújo Pereira, 41 anos, e Dom Phillips, 57, que estavam desaparecidos desde a manhã de 5 de junho, não é um fato isolado; é um fato simbólico. Uma semana depois de o presidente declarar, na Cúpula das Américas, que o Brasil é o pais que mais cuida do meio ambiente, o assassinato do jornalista e do indigenista escancara para o mundo a verdadeira realidade da região amazônica.

Ora, os dois foram mortos precisamente porque defendiam os índios e a floresta. O Vale do Javari, uma região de 85 mil km, na fronteira com o Peru e com a Colômbia, que abriga 6.300 indígenas de 26 grupos, 19 isolados, é uma terra de ninguém, sem a presença do Estado, dominada pela criminalidade.

Alega-se que outros presidentes não receberam a mesma cobrança quando o ambientalista Chico Mendes e a líder religiosa Doroty Stang foram mortos, respectivamente, durante as gestões de Lula e José Sarney. Não é bem assim, eles foram cobrados, mas nenhum dos dois governos incentivou a invasão de terras indígenas como política estatal.

Tampouco a Câmara dos Deputados de ambos os governos não fez nenhuma investida para aprovar um verdadeiro pacote da destruição, com o combo que incluía a liberação do uso de mais veneno na comida que comemos, a anistia para a grilagem de terras, a legalização da mineração e da agropecuária em terras indígenas, a extinção do licenciamento ambiental e a flexibilização das leis de fiscalização.

É algo de uma estupidez inominável, pois o primeiro a perder será o agronegócio, com a instabilidade das chuvas e as dificuldades para escoar a produção no mercado internacional. Em setembro de 2019, uma chuva de fuligem tomou o céu de São Paulo e, segundo monitoramento do Inpe, a origem eram as queimadas na Amazônia e na Mata Atlântica.

As consequências da agenda da destruição não estão reservadas para um futuro longínquo, já podem ser sentidas agora. A aceleração das inundações durante os períodos da chuva se parece cada vez mais com os cenários de guerra.

Os índios têm uma sabedoria milenar para cuidar das florestas para eles e para nós que vivemos nas cidades. Destruir nossa riqueza natural é uma sandice. Pesquisa Datafolha de dezembro de 2020 mostra que 87% dos brasileiros querem que a Amazônia seja preservada. Será que as excelências imaginam que ficarão imunes aos efeitos das mudanças climáticas porque dispõem do orçamento secreto?

Como se não bastasse, o desmonte do projeto de assentamento agroextrativista de São Rafael, criado em 2011, para assentar 200 famílias ribeirinhas, e do plano de manejo do Pirarucu botou mais lenha na fogueira da pesca ilegal e no acirramento do conflito dos pescadores com os indígenas. Existem muitas maneiras de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. O Brasil poderia ser remunerado só para preservar o meio ambiente.

As mortes revoltantes de Bruno e de Dom são o resultado da ausência do Estado e da política atrasada de ocupação da floresta, que transforma a Amazônia em uma terra sem lei, dominada por criminosos.

Enquanto isso, altas autoridades da república brincam de caçar o fantasma das fraudes nas urnas eleitorais, sem nenhuma prova. É para isso que os supostos patriotas querem a soberania nacional? O país precisa rever, urgentemente, essa política atrasada, predatória, covarde e mortífera, pois o mundo está de olho no Brasil.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação