Entrevista / Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato de Médicos do DF

"Falta compromisso com a vida"

Ao CB.Poder, representante de classe avalia os principais fatores na crise de saúde pública na capital do país. Falta de profissionais e péssima condição de trabalho estão entre os motivos que contribuem para o caos instalado nos hospitais

Eduardo Fernandes*
postado em 21/06/2022 00:01
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF (Sindmédicos) foi o entrevistado de ontem do CB.Poder — programa do Correio em parceria do Correio com a TV Brasília -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA PRESS)
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF (Sindmédicos) foi o entrevistado de ontem do CB.Poder — programa do Correio em parceria do Correio com a TV Brasília - (crédito: Ed Alves/CB/DA PRESS)

Estresse laboral, falta de profissionais e condições precárias. A crise que perdura na saúde pública do Distrito Federal parece não ter fim. Em entrevista à jornalista Denise Rothenburg, o presidente do Sindicato dos Médicos (Sindmédico), Gutemberg Fialho, afirma que a situação pede pela contratação de, pelo menos, 4,8 mil servidores. Além disso, é preciso reavaliar os concursos públicos que são abertos, com o objetivo de oferecer melhor ambiente de trabalho. "O problema, sabemos que existe e também a solução. A pergunta que fica no ar é por que não se resolve e no lugar de deixar a população sofrer e morrer sem assistência", disse Fialho, ontem, ao CB.Poder — programa do Correio em parceria com a TV Brasília.

O que fazer para mudar esse caos instalado na saúde pública do DF?

Essas ações, infelizmente, se banalizaram. Se tornou rotina nos centros de saúde, postos de saúde e hospitais públicos do Distrito Federal. O maior problema, hoje, é a deficiência de profissionais. Isso vai de médicos, técnicos de enfermagem, enfermeiros e demais profissionais. A primeira coisa que precisa ser feita é contratar profissionais que atendam a demanda. É inadmissível que se chegue em um posto de saúde, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e não tenha médicos para atender a população ou médicos insuficientes. Quando se diz que não tem médico, tem o contra-argumento da Secretaria de Saúde (SES-DF) que diz ter um médico atendendo. No entanto, precisa de quatro ou cinco médicos. Portanto, aquele médico não consegue atender todas as demandas. Temos aí o desespero da população, sofrendo e morrendo nos hospitais e centros de saúde sem assistência.

Mas por que não contrata?

Olha, essa é uma pergunta que eu gostaria que a gestão (o GDF) respondesse. Nós temos médicos suficientes no Distrito Federal. Brasília tem a maior proporção de profissionais do país.

Quantos são hoje?

São mais de 17 mil médicos em atividade. A Secretaria de Saúde tem em torno de 4,8 mil, 32% dos profissionais disponíveis na cidade. Portanto, sabemos do problema, que é a falta de servidores, sabemos que temos médicos o suficiente na cidade, sabemos que falta condições de trabalho, segurança no local de trabalho, falta abastecimento e salários condizentes. Então, por que não se contrata? Essa é a questão.

Qual a justificativa que o senhor recebeu da secretaria para essa falta de médicos?

O argumento da secretaria é de que estão contratando. Se contrata servidores, mas não são médicos. Pode até estar contratando, mas quando contrata, as condições são tão precárias que os profissionais não ficam. Portanto, não adianta fazer concursos com circunstâncias que não atraiam o profissional, porque o resultado será o mesmo. Aqueles que assumem, acabam não ficando. Com 30 ou 60 dias pedem demissão. Um quadro grave que está acontecendo no Distrito Federal hoje, são os médicos que, com 10 ou 15 anos de atividade, estão pedindo demissão e outros muitos solicitando redução de 40 para 20 horas de trabalho. Se o GDF sabe que o problema são as péssimas condições de trabalho, o abastecimento, sobrecarga de trabalho e que as condições salariais não são atrativas, por que não resolve? Acho que falta compromisso com a vida.

Quanto ganha um médico no
DF hoje?

O salário hoje, com os outros concursos que foram feitos, o inicial gira em torno de R$ 6,8 mil. Isso, para 20 horas. Então, veja que não é atrativo. O problema, sabemos que existe, e também a solução. A pergunta que fica no ar é por que não se resolve e deixa a população sofrer e morrer sem assistência.

Houve alguma conversa com a Secretaria de Saúde e o GDF para tentar resolver esses problemas ao longo da pandemia?

Na realidade, nunca houve interlocução. Tentamos, mas nunca houve. Inclusive, propomos algumas soluções, mas não fomos ouvidos. Com isso, o caos só aumentou. Tivemos secretários, muitos sem perfil. É importante a população entender que, quem administra, quem cuida da saúde precisa ter uma coisa que eu chamo de senso de urgência. O que é isso? É saber a necessidade do medicamento na hora certa, de profissionais suficientes para atender a população, um antibiótico para o paciente não vir a óbito. Só quem sabe dessa urgência é o profissional de saúde. No entanto, tivemos vários secretários de Saúde que não tinham formação na área, não eram de Brasília e não conheciam o perfil epidemiológico da cidade dentro de um processo de trabalho médico. Em época de guerra, se nomeia general de guerra e não um general de paz. Faltou senso de urgência dos profissionais.

Nós temos a doutora Lucilene Queiroz, que assumiu a Secretaria de Saúde há poucos dias. Como o senhor vê o perfil dela? Houve uma conversa? O sindicato a procurou para resolver essa série de problemas?

O Sindicato dos Médicos está pedindo uma audiência com a atual secretária. Felizmente ou infelizmente, no final do governo, a seis meses das eleições, se nomeia um secretário com formação e experiência na área. Só que tem um detalhe: não há mais tempo para corrigir o caos. Estamos a seis meses do final do governo. É preciso investir em contratar profissionais. Portanto, não há tempo para recuperar. Esperamos que a doutora Lucilene, pelo menos, faça com que as coisas não se agravem mais. Mas, a medida foi tomada às vésperas da eleição, em um período eleitoral. Imagino que até uma medida eleitoreira, porque, se o caos vem há três anos, e se resolve contratar um profissional médico que conhece da rede e tem experiência na gestão, deve ter seus motivos. Por que não se contratou antes? O caos vem desde o início do governo. Como eu disse antes, se contrataram pessoas que não tinham o perfil e que agravaram o caos da saúde no Distrito Federal.

Por que nenhum governo consegue acertar na área
da saúde?

A demanda da população cresce em progressão geométrica e a capacidade do governo em progressão aritmética. Mas, a população é assistida. Tem um período de crises e dificuldades, porém, não tem ausência de assistências.

Como está hoje a aplicação dos recursos na saúde?

Na realidade, o questionamento do Fundo Constitucional é um problema grave, que a classe política de Brasília deve se atentar sobre isso — tanto que podemos perder o Fundo Constitucional. Para 2022, o orçamento tem um número estratosférico de R$ 8,2 bilhões. Para o ano, vai ser corrigido de acordo com Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como é o Fundo Constitucional a cada ano. Para se ter ideia, o Alexandre Khalil, prefeito de Belo Horizonte deu uma entrevista dizendo que o orçamento da cidade é de R$ 15 bilhões. O orçamento da Secretaria de Saúde é mais da metade. E, mesmo assim, falta medicamento, falta soro, falta testes para dengue e outras coisas mais. Então, é inadmissível. Mas, mais grave do que o desperdício é o desvio.

E está grande? Os médicos têm denunciado?

As denúncias são constantes. Temos, por exemplo, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) que é uma usina de escândalos. Tivemos um secretário de Saúde preso. O Sindicato dos Médicos comprou, em plena pandemia, testes rápidos a R$ 25 a unidade. Com isso, eu comprava 100 unidades por mês. A Secretaria de Saúde, se eu não me engano, comprou a unidade por R$ 18. Em seguida, a pasta comprou a unidade por mais de R$ 170. Depois se descobriu que esses testes eram falsos. Então, mais grave que o desperdício é o desvio. Falta auditoria, falta punição e falta compromisso com a vida.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

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O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF)
é uma usina de escândalos. Tivemos um secretário de Saúde preso"

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