Saúde a favor do tempo

Brasilienses falam sobre os aprendizados e dificuldades com o avançar dos anos e como se preparar para o momento

Juliana Oliveira Paulo Martins*
postado em 28/06/2022 00:01
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Na quarta reportagem especial da série Envelhecer no DF, a saúde dos idosos é o tema central. Nessa abordagem, histórias de moradores da capital federal se entremeiam com os desafios em prol de um futuro digno para os mais velhos.

Há três décadas Antônio Luiz de Lima, 74 anos, pratica corrida de rua. Com uma rotina ativa, o aposentado desenvolveu a própria fórmula de vitalidade. "Manter uma alimentação saudável, boa hidratação, praticar atividades físicas e dormir bem", explica o aposentado, que também faz musculação e hidroginástica.

Ex-lavrador, Antônio está de bem com a atual fase da vida, apesar de algumas mudanças do corpo. "A maior dificuldade que sinto é quando preciso de atendimento médico, porque não tenho plano de saúde. Eu tenho artrite reumatóide e o tratamento é difícil, as dores são frequentes, mas busco e consigo, com atividades físicas, uma qualidade de vida melhor", orgulha-se.

Contrariando o senso comum, a disposição de seu Antônio não é exceção quando o assunto é o potencial do corpo humano. "O maior erro é achar que falar do idoso é falar de doença, o que existe é o desgaste natural ocasionado pelo tempo, mas não dá mais para tratar a velhice como um problema", afirma o chefe do serviço de geriatria do Hospital de Brasília e professor da UnB, Marco Polo Freitas.

O especialista explica que, em pessoas com mais de 60 anos, o que se constata são as grandes síndromes sendo que muitos sintomas sequer são desencadeados por fatores clínicos, mas sociais, familiares e até mesmo por hábitos pregressos. "Recebemos pacientes que chegam com múltiplas enfermidades, com diagnósticos fora do contexto e usando medicamentos desnecessários e isso faz uma tragédia na vida da pessoa", denuncia o médico.

Não raramente, as síndromes se intercruzam, como explica Keila Cristianne Trindade da Cruz, professora do Departamento de Enfermagem da UnB. A ausência de amparo social da pessoa interfere no cognitivo, uma vez que o paciente tem a compreensão de mundo afetada. "As perdas são progressivas e é necessário o acompanhamento do dia a dia. E quem ajuda? Quanto melhor a história construída com a família, melhor será o apoio", explica a médica.

Falta de políticas públicas

Na leitura de Keila, a falta de uma ação firme do Estado para o planejamento social da velhice é um dos principais fatores de risco para os mais velhos. "Estima-se que 50% das pessoas que têm demência poderiam ter se prevenido durante a vida. Só há algumas décadas começamos a estudar as consequências do envelhecimento. No Brasil, o olhar para o envelhecimento tem vindo devagar e já estamos sentindo as consequências nos custos na saúde pública", ressalta.

O ônus da falta de foco no idoso não recai apenas para o erário público. A doméstica Berenice Pereira da Silva Azevedo, 52 anos conta que, há nove anos, precisou abdicar do trabalho para cuidar da mãe, Maria Angélica Gonçalves da Silva, de 88 anos. "Ela caiu em uma depressão profunda por uns dois anos", afirma. Moradora da região de Taquara, Entorno, Berenice conseguiu voltar a trabalhar, mas admite que é difícil deixá-la aos cuidados de outra pessoa. "Eu não posso ficar longe 10 minutos que ela pensa que não vou voltar e fica chorosa", diz.

Rivaldo da Penha, de 70 anos foi diagnosticado com Mal de Parkinson em 2014. O aposentado conta que o mais complicado é a fraqueza, sobretudo nas pernas: uma hora você tá com uma força danada e na outra hora só levantar o pé é a maior dificuldade", relata, admitindo que precisou se conformar com as limitações e que há dias melhores que outros. "Eu não estou doente, eu sou doente. Tenho diabetes, hipertensão, hérnia de disco, sinusite", elenca.

O atendimento médico é apenas um dos componentes de saúde da pessoa idosa, como explica a gestora pública e assistente social Dagma Macelino, 50 anos, instrutora de capoterapia, espécie de terapia corporal que possui elementos e referência na capoeira. "Muitas vezes o idoso não consegue se abaixar para pegar um objeto e isso interfere no seu senso de valor, autoestima", avalia.

Durante a pandemia, a ong em que Dagma atua oferecia sessões online para os idosos encaminhados pela Subsecretaria de Políticas para Idoso (Subidoso). "Como a modalidade respeita as limitações do participante, com o tempo, eles vão ficando mais ativos, melhorando certos movimentos e sentido mais independentes", assevera.

A saúde mental é outro fator preponderante para a garantia da qualidade de vida com o avançar dos anos. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, 13% dos idosos brasileiros sofrem de depressão."É uma doença com sintomas que podem ser confundidos com elementos considerados normais da velhice como insônia e dores", explica a psicóloga Maria Cristina Lopes Hoffmann.

A profissional orienta que o idoso e a família precisam ficar atentos aos sinais e mudanças comportamentais. Para prevenir a doença, que é considerada incapacitante e pode ser tratada com medicações, terapias e outras intervenções, ela ressalta a importância das redes de apoio comunitário, com amigos e vizinhos participando da vida das pessoas com mais de 60 anos. Outra ferramenta poderosa é identificar, nas proximidades da residência, as redes de atenção psicossocial oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "É fundamental que se compreenda que sentir dor e tristeza não fazem parte do envelhecimento", garante a psicóloga.

*Estagiário sob a supervisão
de Márcia Machado

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