A ocupação do Cena

Correio Braziliense
postado em 02/07/2022 00:01

No período imediatamente anterior à pandemia, me dirigi até a 508 Sul para assistir à peça O rinoceronte, sob a direção do nosso bruxo emérito do teatro, Hugo Rodas, com a trupe Agrupação Teatral Amacaca. Pedi um ingresso para a peça e a funcionária da bilheteria me respondeu: "Mas, para qual peça? Existem três em cartaz".

E, de fato, olhei para os lados e percebi que havia três filas longas para entrar nas salas. A maioria era formada por gente jovem. Apesar de todos os problemas, a começar pela falta de salas adequadas, existe uma cultura teatral em Brasília. A existência do Departamento de Artes Cênicas da UnB e da Faculdade Dulcina têm importância decisiva. É pena que a pandemia interrompeu esse momento de efervescência.

Desde o início da semana, o teatro ocupa as principais salas do Plano Piloto e das obras das cidades do DF e se transforma em uma grande arena democrática descentralizada de debates sobre os grandes temas da atualidade: a uberização do trabalho, a situação dramática dos índios, os personagens de Vida e morte severina atualizados pelo Brasil de 2022, a experiência da morte, a "rinocerontite" que assola as massas, a incomunicabilidade no amor, a exclusão social, a política de embranquecimento, a resistência indígena, a fome de utopia e a alegria do encontro.

A festa cênica é promovida pelo Festival Cena Contemporânea, uma tradição brasiliense que chega à 23ª edição. É um dos maiores eventos de artes cênicas do país e da América Latina.

Ele é uma babel intimista do teatro, da dança e da música que coloca as línguas multiculturais mais distantes para conversarem no planalto central.

Você pode ver o teatro candango, paulista, indiano, carioca, russo, baiano, francês, gaúcho, inglês, pernambucano, mexicano ou goiano. É uma festa multicultural envolvente das artes cênicas, que acontece em vários espaços — teatrais ou não — do Plano Piloto e se estende para as cidades-satélites. O Cena, como é chamado carinhosamente pelos brasilienses, proporciona instantes memoráveis de dramaticidade, de enlevo, de choque, de choro e de gargalhadas.

Pelo fato de ser uma arte presencial, o teatro foi uma dos setores que mais sofreu com o período de isolamento imposto pela pandemia. Por isso, essa edição do Cena tem um gosto todo especial. Há eventos que são mais do que eventos. Não se esgotam em si mesmos e continuam agindo em uma cidade depois que acontecem. Esse é o caso do Cena Contemporânea. É um festival internacional, com uma programação de ampla diversidade, mas, ao mesmo tempo, aconchegante, onde ocorre, efetivamente o encontro afetivo e cultural entre as pessoas.

As hierarquias entre artista, público e estudantes são quebradas. Denise Fraga participou de um encontro com estudantes na UnB: "Costumo dizer que a arte ajuda a gente a viver, que quem lê Dostoiévski e Fernando Pessoa, no mínimo, vai sofrer mais bonito." Denise, falou, ouviu e provocou: "Nós, que somos artistas, precisamos pensar que nosso ofício é nosso ganha-pão. Se eu fizer uma cena agora, será que alguém vai me dar uma moeda?"

Se, apesar de tudo, existe uma cultura de teatro na cidade, isso se deve ao Departamento de Artes Cênicas da UnB, a Faculdade Dulcina e ao Cena Contemporânea. O festival propicia uma imersão de 10 dias nas artes cênicas, na dança e na música, que provoca, reverbera e ressoa por muito tempo.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação