A PEC do Desespero

Severino Francisco
postado em 05/07/2022 00:01

O governo jogou a casca de banana, e a oposição escorregou. Não porque desconhecesse a armadilha, mas por covardia. Claro que estou falando da chamada PEC do Desespero, elaborada a toque de caixa, sem nenhuma avaliação do impacto que causará, somente para socorrer o candidato que se encontra atrás nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de presidente da República.

Nada contra a concessão de benefícios sociais em um país cindido por desigualdades vergonhosas. Mas, no caso, trata-se apenas de um arranjo eleitoreiro que só beneficiará os privilegiados de sempre. A manobra é, flagrantemente, uma violação à lei em um ano de eleições. Causa espanto a leviandade e a irresponsabilidade com que, principalmente a Câmara dos Deputados, a todo momento, desfigura a Constituição Cidadã de 1988, alterando leis e ferindo direitos, sem ouvir as partes interessadas e sem qualquer tempo para o debate público.

O método de passar a boiada virou uma praxe que avilta o Parlamento. É assim que Arthur Lira, o grande líder da vanguarda do atraso, age em quase todas as situações que envolvem questões de interesse público. Ao tocar a PEC da destruição ambiental, ignorou a manifestação liderada por Caetano Veloso, que reuniu mais de 50 mil pessoas em frente ao Congresso.

Também desdenhou a carta da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, constituída por grandes empresas do agronegócio, instituições financeiras, empresas de biotecnologia e de alimentos. E, ainda, desprezou a nota do Instituto Brasileiro de Mineração, constituído por mais de 120 associados, responsáveis pela produção de 85% da produção mineral no Brasil. Todos se manifestaram contra os projetos de mineração em terras indígenas.

Nunca tivemos uma Câmara dos Deputados tão fraca, tão despreparada, tão alienada e tão servil aos interesses insanos dos governantes de plantão. Na argumentação em defesa da PEC do Desespero, alega-se a necessidade de atender a um estado de calamidade pública. Na verdade, o caso é mais de calamidade moral.

Se houvesse, realmente, uma sensibilidade social, esses benefícios fariam parte de um programa de governo. Nunca fizeram. Quando irrompeu uma situação de calamidade pública com a pandemia, o governo propôs um auxílio de R$ 200 e só chegou a R$ 600 envergonhado porque a Câmara dos Deputados, sob a liderança de Rodrigo Maia, pressionou e ofereceu R$ 500.

Só o senador José Serra teve a coragem de se opor ao projeto irresponsável e insustentável da PEC do Desespero, que custará R$ 40 bilhões. Há vitórias que envilecem; há derrotas que engrandecem. E, se incluíram os caminhoneiros, por que não os pipoqueiros, os vendedores de amendoim, os engraxates, as donas de quiosques e as merendeiras?

Essa é uma fraude eleitoral abençoada pela oposição. Se os líderes da PEC do Desespero fossem mesmo patriotas, eles abririam mão dos R$ 16,5 bilhões de emendas do orçamento secreto ou dos R$ 4,9 bilhões do Fundão Eleitoral para contemplar os desvalidos.

Soluções insustentáveis não funcionam. Nós vimos esse filme quando Dilma Rousseff reduziu, artificialmente, o preço da gasolina. Essas medidas terão impacto enorme, não calculado, nas finanças dos estados. Com a imposição de reduzir o ICMS, o GDF contingenciou R$ 500 milhões. A conta da PEC do Desespero vai chegar, e os que pagarão serão os mesmos de sempre.

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