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As histórias de pessoas que quebram os estereótipos do etarismo

Reportagem da série Envelhecer no DF mostra as histórias de pessoas que encaram o avanço do tempo com dinamismo e ampliam suas possibilidades. São os idosos do futuro, pessoas que recusam o rótulo de obsolescência

Juliana Oliveira
Lorena Rodrigues
postado em 25/07/2022 06:00 / atualizado em 25/07/2022 07:28
Delizete Gonçalves começou a fazer balé aos 70 anos, com a sua Cláudia Bengtson -  (crédito: Arquivo pessoal)
Delizete Gonçalves começou a fazer balé aos 70 anos, com a sua Cláudia Bengtson - (crédito: Arquivo pessoal)

Aceitar os efeitos da passagem do tempo como apenas outra etapa da vida, em uma sociedade que preconiza a juventude eterna, é tarefa desafiadora. Nas últimas semanas, o Correio ouviu relatos de brasilienses que, com o avanço da idade, se depararam com um novo cenário que poderia ser restritivo. Mas eles provam que não. Pelo contrário, ampliaram possibilidades, apesar da capital de um país que se acostumou com o reflexo jovem, e ainda desconsidera a mudança na curva demográfica. Adaptações para garantir qualidade de vida aos idosos são necessárias e bem-vindas. Nesta reportagem da série Envelhecer no DF, conversamos com os "idosos do futuro", cidadãos que recusam o rótulo de obsolescência, enfrentam os preconceitos e lutam por protagonismo.

A crise sanitária ocasionada pela covid-19 trouxe um cenário dramático para a economia, momento em que a participação dos idosos ficou evidente para a sobrevivência das famílias. Em 2021, a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offer Wise Pesquisas, revelaram que 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem financeiramente para o sustento da casa. Desse universo, 52% respondem efetivamente pela renda familiar.

Na casa dos aposentados Maria Ricardo, 77 anos, e Manoel Ricardo, 84, ambos cuidam das finanças e, assim, garantem além do próprio sustento, auxílios importantes para os filhos e netos. Maria afirma que um de seus maiores prazeres é poder ajudá-los financeiramente. "Eu gosto, porque eles ficam felizes. Amo sair para fazer compras, passear e também cuidar de todos. Não pretendo parar até o meu último suspiro", completa.

O economista e professor de Mercado Financeiro da UnB César Bergo, 63 anos, explica que os idosos costumam se dividir em dois grupos: o primeiro formado por aposentados com renda maior — funcionários públicos ou profissionais que chegaram até altas remunerações — que podem ou não voltar ao mercado; e um segundo integrado por aqueles com renda menor, que precisam trabalhar, pois a aposentadoria não é suficiente para viver. Como o mercado prioriza pessoas mais jovens, acabam em postos de trabalho autônomo ou como consultores. "Houve um aumento na demanda por experiência e isso faz com que o mercado de trabalho para o idoso aumente, mas ainda tem muito preconceito no mercado", constata.

  • Ana Célia Lino se reinventou profissionalmente em 2020 Arquivo pessoal
  • Nader Franco no exercício da sua profissão Arquivo pessoal
  • O casal Manoel e Maria Ricardo ajuda financeiramente a família Arquivo pessoal
  • Marcos Laboissière encontrou a paixão pelo ciclismo após uma cirurgia que o obrigou a ter nova rotina Arquivo pessoal

Advogado há 40 anos, Nader Franco, 65 anos, sempre foi ativo economicamente e ainda não pensou em parar. Apesar de algumas limitações advindas da idade, ele afirma que gosta de atuar profissionalmente. Nader assegura que, para ele, é importante manter a rotina de trabalho. "Acredito que estou dando maior contribuição a minha geração. Não sou fã da ideia de me aposentar ou da inatividade", completa.

Embora esteja conseguindo manter o espaço no mercado de trabalho, o advogado critica a falta de acolhimento para outros profissionais idosos. "As campanhas relacionadas à empregabilidade voltam-se à população mais jovem, principalmente, em razão do preconceito de que os idosos não são capazes de lidar com as novas tendências tecnológicas e mecanismos de interação virtual", ressalta.

O cenário apontado pelo economista e por Nader tem nome: etarismo. O termo remete a discriminação de pessoas em razão da idade e é mais atrelado à pessoa mais velhas. Um processo que a recrutadora e especialista em Recursos Humanos, Eulalia Ferreira, 22 anos, identifica no mercado de contratações. "Algumas organizações acreditam que uma pessoa mais velha, com mais vivência e habilidades, seria mais difícil de moldar e, talvez, tivesse uma resistência de ser liderado por pessoas mais novas", relata.

A profissional também cita aspectos como a pressão corporativa e o domínio de tecnologias como questões que geram inseguranças nas empresas. Apesar da resistência, ela diz que já percebe mudanças. "No DF, a população idosa tem crescido bastante. Vemos em candidatos dessa faixa etária um comprometimento que nem sempre encontramos nos mais novos", destaca. Ela salienta que as organizações precisam se adaptar a essa realidade. "No caso de colaboradores idosos é importante a disponibilidade de treinamentos e auxílio dos seus gestores diretos", reforça.

Concretizando sonhos

A utilização de ferramentas virtuais não foi impedimento para Ana Célia Lino, 62, se reinventar profissionalmente. Em 2020, ela investiu na ideia da produção de conteúdo voltado para moda e beleza em sua rede social. A aposentada e blogueira possui um perfil no Instagram (@anacelialino), que conta com mais de três mil seguidores."Sou professora aposentada da Secretaria de Educação do DF, mas sempre gostei de moda e andar bem vestida. Na pandemia, comecei a mostrar meu trabalho nas redes sociais", conta.

Desmistificando a ideia de que as novas plataformas são voltadas apenas para jovens, a produtora de conteúdo está feliz com a fase atual e se orgulha ao falar da sua atuação profissional. "Trabalhei a minha vida inteira, mas depois que me aposentei, vi na blogueiragem uma forma de não ficar parada. É muito bom fazer o que faço, eu amo muito", afirma.

Para a enfermeira Leides Barroso Azevedo Moura, professora associada da Universidade de Brasília (Unb) e coordenadora do GT Envelhecimento saudável e participativo, a busca pela realização dos sonhos e objetivos é uma constante da vida humana e não uma exclusividade dos mais jovens. "Viver longamente é uma conquista civilizatória e já passou da hora da sociedade parar de tratar essa mudança como um ônus. As pessoas idosas têm desejos, capacidades e potências. Trabalhar de maneira intergeracional para analisar problemas e criar soluções é uma vantagem da conciliação entre diferentes faixas etárias", argumenta a pesquisadora.

Ela afirma que o Brasil ainda não se reconhece como um país em processo de envelhecimento e está preso à imagem de 1980, com a utopia de um país jovem. "É preciso criar uma cultura de transformação e a educação é o caminho. As universidades e os centros de produção de conhecimento têm um papel muito importante nesse trajeto", assevera. Ela diz que pequenas ações são importantes e ajudam na mudança, como o trabalho que ela coordena na Escola Classe do Itapoã, em que os alunos estão criando um envelheçário, espécie de dicionário a partir das vivências dos idosos com quem as crianças convivem. Leides acredita que é na infância que a transformação deve começar, desconstruindo a imagem de incapacidade dessa parcela da população.

Foi justamente o que a ex-massagista Delizete Gonçalves, 75 anos, fez há cinco anos. Na maturidade, ela decidiu se dedicar ao balé clássico, uma antiga paixão. "Sempre tive vontade de fazer balé, mas só comecei após minha filha abrir a escola Bailarinas Por que Não?! Desde então, não parei mais", orgulha-se.

Delizete diz que sempre praticou esportes, mas apenas aos 70 anos ela resgatou o sonho de infância. "Com o balé voltei a ser criança, me lembro da fase de quando ainda era menina, porque sempre foi meu sonho desde pequena. Foi muito gratificante conquistar isso. Pretendo fazer vários espetáculos até ficar bem velhinha", emociona-se.

Realização que também o cirurgião-dentista, Marcos Laboissière, 73, encontrou mesmo após ser obrigado a abrir mão do hobby favorito, o tênis. Em 2016, ele foi submetido a uma artroplastia do quadril esquerdo e outros procedimentos operatórios que o deixaram fora das quadras.

Entre a rotina familiar, consultas e procedimentos odontológicos, ele acabou se encontrando no ciclismo. Atualmente, Marcos é membro de quatro grupos de MTB (Mountain Bike). "É muito gratificante e também não deixa de ser uma responsabilidade, servir de exemplo para que outras pessoas comecem", acredita.

 

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Novos idosos

No futuro, os idosos terão, cada vez mais, condições de continuar trabalhando, ter uma vida ativa e até se reinventar profissionalmente. Muitas pessoas que hoje se preocupam com a aposentadoria do ofício principal, descobrirão outras atividades na velhice. A tendência é a compreensão de que depois dos 60, 65 anos, é possível continuar se sentindo produtivo e ativo, não só pela remuneração, que não deixa de ser um importante fator para complementar renda, mas pelo sentimento de pertencimento à sociedade. O envelhecimento populacional é uma realidade inexorável e teremos que enfrentar. A sociedade terá que se adaptar para receber esse cidadão, esse trabalhador mais velho, experiente e igualmente capaz de contribuir para o coletivo. Até porque, a inatividade é um fator de risco para a morte do idoso. A pessoa que não se prepara para o envelhecimento e acaba parando com as atividades de maneira abrupta, acaba perdendo a identidade. Quem sempre teve uma ocupação, chegou a uma posição de respeito e, de repente, se vê obrigado a parar, pode perder também o senso de propósito de vida. Aí, pode vir uma depressão severa, ocasionando a morte como desfecho. As pessoas precisam começar a se planejar para manter uma vida ativa nessa fase.

Otávio Nóbrega, diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e professor da faculdade de medicina da Universidade de Brasília (UnB).

Mercado de trabalho

1. As empresas possuem consciência de que há um grande número de idosos fora do mercado de trabalho? Destinam vagas para eles?

Sim, a maioria das empresas tem essa visão, até porque durante a captação de currículos a maioria que recebemos são de candidatos mais velhos e que estão na procura de se realocar. Ultimamente tivemos uma crescente procura das empresas por candidatos mais experientes, podemos observar isso no LinkedIn, que é uma rede social profissional. Por lá, conseguimos ver que as organizações têm feito mais programas e reserva de vagas para o público idoso.

2. Existem ações de capacitação e incorporação desse profissional idoso?

Cada vez mais as organizações estão tendo que se adaptar a essa realidade, porque está sempre em mudança. Em caso de colaboradores idosos, é importante a disponibilidade de treinamentos e auxílio dos seus gestores diretos. Algo que podemos observar é que muitos candidatos têm migrado e feito cursos (graduação) para se capacitar e conseguir competir com candidatos mais novos em processos seletivos.

3. O que as empresas estão fazendo para esse futuro onde haverá cada vez mais profissionais idosos e menos mão-de-obra jovem disponível?

O esforço das organizações é no sentido de reter talentos. Isso vem sendo aplicado para manter os colaboradores por mais tempo, evitando refazer o processo seletivo e, com isso, observamos que as pessoas acabam ficando mais tempo na empresa. Dessa maneira, aumentam as oportunidades de crescimento e há o vínculo de pertencimento e valorização desse colaborador.

Eulalia Ferreira, 22, recrutadora

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