Projetada com uma arquitetura que pudesse proporcionar próxima convivência entre vizinhos e liberdade para passeios, as entrequadras da Asa Sul e da Asa Norte hoje estão tomadas por uma sensação de medo e insegurança. Para muitos que vivem ou trabalham no Plano Piloto, o clima é de intimidação. Na última semana, o Correio percorreu seis quadras do Plano Piloto — três na Asa Sul (509, 512 e 713) e três na Asa Norte (116, 709 e 711). Há um sentimento de angústia pela violência que vem ocorrendo. O crime de furto a transeunte aumentou em mais de 80% neste primeiro semestre comparado ao do ano passado. E, especificamente, na Asa Sul, roubo (quando há violência) subiu de 255 casos para 308 neste ano,ou seja, cresceu em 20,78%.
Em contrapartida, o levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) que comparou o primeiro semestre deste ano com o mesmo período de 2021 apontou queda de 42,8% nos casos de roubo de veículo, na Asa Sul. Outros crimes também apresentaram redução, como roubo em comércio e em residência. Quanto ao tráfico de drogas e ao uso e porte de drogas, a queda foi de 51% e 31,6%, respectivamente. Na Asa Norte, o comparativo de menos ocorrências desses tipos se repete.
Apesar de vários crimes terem tido uma redução, outros apresentaram aumento no número de ocorrências. Os casos de furto em veículo na Asa Sul e na Asa Norte apresentaram aumento de 25,78% e 40,82%, respectivamente. Já o furto em comércio houve alta foi de 8,13% e 20,51% em cada região. E, na semana passada, um caso chocou os moradores da Asa Norte. Uma mulher foi alvo de tesouradas no peito quando um assaltante roubava sua bicicleta em pleno dia na 116 Norte. Ela só não se feriu gravemente porque usava um casaco grosso.
Abaixo assinado
"Queremos segurança para os que moram, trabalham e circulam pelas quadras 700 da Asa Norte", exigem os moradores que vivem na região em um abaixo assinado criado pela vizinhança insatisfeita com a insegurança. O Conselho Comunitário da Asa Norte, em conjunto com a Comissão de Moradores e Empreendedores das Quadras 700, criaram a petição pedindo ao governador do DF, Ibaneis Rocha, a solução imediata do problema. Segundo eles, é gerado pelo descaso com as ocupações irregulares em áreas públicas,nas imediações das quadras 708, 910 e 915 Norte.
"São situações de violência a que todos estão submetidos, com a ocorrência de roubos a mão armada, furtos a residências, tráfico de drogas à luz do dia, arrombamentos de lojas e estupros, que precisam de ações governamentais integradas para serem superadas", afirmam os moradores no texto.
Moradora da 710 Sul, Cássia (nome fictício), 47 anos,tem dois estabelecimentos na quadra, uma creche e uma loja de ferragens, e diz estar refém da violência e também responsabiliza o acampamento irregular instalado atrás da Casa do Ceará. "Não estou dizendo que são todas as pessoas, mas lá realmente tem uma movimentação muito grande de tráfico de drogas", denuncia.
Na quadra 713 da Asa Sul, o problema é o mesmo. O aposentado Helio Campagnucio, 66, conta que já presenciou diversos crimes em frente a casa dele, que tem uma área verde. "Já vi adolescentes fumando maconha, fazendo atos sexuais. Outro dia uma moça foi estuprada. E são vários os problemas, desde a falta de policiamento, até a iluminação precária e a vegetação, com mato alto e plantas que se tornaram esconderijo para a atuação dos criminosos", relata.
Ele aponta que o problema não atinge apenas os moradores do local, mas todas as pessoas que passam pela quadra. "Muitos estudantes são roubados.´´ Hélio reclama que não há policiamento na região."Queremos ver a polícia na rua para prevenir e não para passar aqui depois que o crime já aconteceu. O que adianta vir aqui depois fazer entrevista e pegar imagem de câmera? Queremos polícia para evitar que o crime aconteça."
A estudante Paula de Araújo Cardoso, 19, foi assaltada na 509 Sul quando voltava da faculdade. "Quase todos os meus amigos já sofreram algo parecido", lamenta. Para diminuir a sensação de insegurança, ela e os colegas de faculdade organizam grupos para saírem juntos.
Grades na porta do estabelecimento é a nova realidade da Tânia Maria, 59, dona de uma banca de revista na 515 Sul. Ela conta que já passou por diversas situações desagradáveis, que vão de arrombamentos a furtos de comida. "Um dia eu cheguei e tinha um buraco no meu telhado. Já tive prejuízo demais, nem as correspondências podemos deixar aqui mais. O pessoal do prédio ao lado cedeu a caixa de correios dele pra gente", relata. A empresária afirma que, por causa da falta de policiamento, tem inúmeros prejuízos. "O povo pega e sai correndo ou come e não paga e não tem para quem pedir ajuda. Eu não posso sair correndo atrás da pessoa sozinha", salienta Tânia.
O especialista em segurança pública Júlio Hott explica que há uma diferença entre a violência, criminalidade em si, e a sensação de insegurança. Em muitos casos, a comunidade tem essa sensação mesmo sem os números da criminalidade aumentarem. "Isso se deve essencialmente à presença de usuários de droga na região e ausência de policiamento ostensivo, mais próximo do cidadão. E quando isso acontece, as pessoas desenvolvem uma síndrome de pânico em relação a ir às ruas e a transportar objetos", aponta.
Procurada pelo Correio para comentar as queixas de falta de policiamento, a Polícia Militar do DF disse que houve queda de 9,4% no número de roubos a transeuntes na Região Administrativa de Brasília (Asa Sul, Asa Norte e Zona Central), no primeiro semestre de 2022. Já em relação a furtos a transeuntes, os dados apontam 343 ocorrências no primeiro semestre deste ano contra 190 registros no ano passado. "Não há o que se falar em falta de policiamento quando os números, de maneira geral, apontam para queda do índice de crimes na região de Brasília", informou em nota.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Números de insegurança na Asa Sul e na Asa Norte
>>> ASA SUL
Roubo de veículo
2021 - 21
2022 - 12
- 42,8%
Furto em veículo
2021 - 453
2022 - 683
+ 50,77%
Roubo em comércio
2021 - 8
2022 - 6
- 25%
Furto em comércio
2021 - 123
2022 - 133
+ 8,13%
Roubo a transeunte
2021 - 255
2022 - 308
+ 20,78%
Furto a transeunte
2021 - 45
2022 - 70
+ 87,5%
Roubo em residência
2021 - 5
2022 - 1
- 80%
Tráficos de drogas
2021 - 49
2022 - 24
- 51%
Uso e porte de drogas
2021 - 133
2022 - 91
- 31,5%
>>> ASA NORTE
Roubo de veículo
2021 - 10
2022 - 5
- 50%
Furto em veículo
2021 - 365
2022 - 514
+ 40,82%
Roubo em comércio
2021 - 10
2022 - 9
- 10%
Furto em comércio
2021 - 117
2022 - 141
+ 20,51%
Roubo a transeunte
2021 - 255
2022 - 202
- 10,2%
Furto a transeunte
2021 - 17
2022 - 32
+ 88,23%
Roubo em residência
2021 - 1
2022 - 1
0%
Tráficos de drogas
2021 - 30
2022 - 20
- 33,3%
Uso e porte de drogas
2021 - 83
2022 - 60
- 27,7%
ARTIGO // Lia Zanotta Machado, antropóloga, Profa. Emérita da UnB
Lia Zanotta Machado, antropóloga, Profa. Emérita da UnB
Muito já se escreveu sobre insegurança social intersubjetiva defasada da existência real de perigos. Há até um nome nas ciências sociais e psicológicas que se dá a esta insegurança intersubjetiva distante da insegurança real. É a “cultura do medo” (Glassner, 2003). Se examinarmos o número de ocorrências policiais registradas segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF) em dados divulgados pelo Correio Braziliense em 12/05/22, poder-se-ia supor que o atual crescimento da sensação de insegurança intersubjetiva fosse derivada de uma “cultura do medo” já que o aumento de ocorrências registradas entre 2021 e 2022 foi pequeno.
O meu entendimento é que cresce a insegurança real. Analisemos o comportamento das vítimas após serem submetidas a furtos, roubos, assaltos, assédios sexuais e agressões físicas. As vítimas, quando pensam recorrer a polícia, esperam: reaver o objeto furtado ou roubado; ver identificada e investigada a pessoa que assaltou, que furtou ou que assediou ou a agrediu fisicamente; ver a presença constante do policiamento ostensivo e conseguir que a polícia responda imediatamente ao seu chamado.
O sistema de segurança aconselha e insiste em que as vítimas façam as ocorrências. Permitirão planejar a localização daqueles lugares de maior risco para aí fazerem as rondas do policiamento ostensivo e auxiliar na identificação dos agressores. Há portanto defasagem de expectativas: de um lado o planejamento geral, de outro, a resposta imediata. O resultado é a subnotificação de ocorrências.
O “Plano Piloto” de Brasília, tão bem expresso nas suas duas Asas Sul e Norte, com seus pilotis abertos, permite a convivência e circulação intensa de moradores, trabalhadores, comerciantes e estudantes. Além da política pública de segurança, precisamos de política de desenvolvimento social e de política de iluminação pública. A percepção social intersubjetiva responde assim ao aumento dos assaltos a pedestres, a estudantes, a trabalhadores e, em especial, às mulheres vistas como mais vulneráveis e assediáveis.