Pedalar é suave

Severino Francisco
postado em 24/07/2022 00:01

Todos vocês devem se lembrar das mortes do estudante de sociologia e cicloativista Raul Aragão, um rapaz de 23 anos, atingido por um carro na L2-Norte, nas imediações da quadra 407 Norte, e do biólogo Pedro Davison, albaroado por um motorista bêbado na Asa Sul. Foram duas mortes estúpidas e revoltantes, que poderiam ser evitadas se houvesse mais civilidade no trânsito. Nos locais onde eles foram atropelados estão bicicletas brancas, esculturas trágicas da barbárie nas ruas.

Pois bem, recebi de presente o livro Pedalar é suave, projeto da ONG Rodas da Paz, dirigido especialmente às crianças, com texto de Josi Paz e ilustrações de Luda Lima e Pedro Sangeon (o autor do Gurulino), em homenagem a Raul e a Davison. Levei um susto porque não existe nenhuma referência explícita à tragédia que tirou as vidas de Raul e Davison.

O livro é uma declaração de amor à bicicleta, um convite à aventura, um alerta para o cuidado consigo próprio e com o outro, uma conclamação para que o maior proteja o menor no trânsito, uma mensagem de civilidade e de educação para a paz nas ruas. "Eu e a bicicleta: alegria completa!"

Pedalar é suave celebra a alegria de andar de bike. Quando você sobe em uma bicicleta muitas coisas imprevisíveis podem acontecer. A perspectiva de transitar e de contemplar a cidade muda completamente. O olhar é mais atento para a paisagem, para os viventes do cerrado e para aspectos do cotidiano que passariam desapercebidos. Foi um ciclista quem detectou, há alguns anos, um problema na Ponte JK, que poderia resultar em consequências graves se não fosse detectado com antecedência.

O título do livro é quase um poema e foi inspirado em frase muito repetida por Raul Aragão: "Pedalar é suave, perigoso é dirigir feito doido". Embora não apareça de maneira explícita, o personagem da história ostenta um nariz de palhaço, que Raul usava em ações educativas para sensibilizar as crianças para andar de bicicletas, ou um passarinho na mão, que Pedro exibe em uma fotografia célebre.

Josi Paz, Luda Lima e Pedro Sangeon assinam a autoria do livro no mesmo plano de relevância. E o destaque é justo, pois a trama da história é narrada por texto e imagem entrelaçados de maneira indivisível. Tudo foi se encadeando de uma maneira misteriosa.

Tanto Raul quanto Pedro acreditavam que a bicicleta era saúde, consciência, liberdade e futuro das cidades.

A iniciativa do livro é da ONG Roda da Paz, que atua em Brasília há 15 anos com ações para promover a mobilidade urbana pacífica, sustentável e plural. Faz um trabalho invisível, mas fundamental, na participação do debate sobre políticas públicas. Mas realiza, também, ações visíveis comunitárias, tais como o Passeio ciclicístico da Paz e o Doe Bicicleta, que conserta bikes detonadas e doa para crianças.

A bicicleta é uma utopia real de mobilidade, testada em várias cidades do mundo. Quanto mais viadutos, mais carros na rua, mais engarrafamentos, mais poluição e mais acidentes. O Cine Bike está promovendo, até o dia 30, atividades de exibição de filmes, passeios ciclísticos, debates sobre mobilidade e ações educativas para crianças.

Raul chegou a escrever uma carta para Pedro, depois de sua morte: "A alguém grande e que se foi. A alguém que sabia que para ir longe não precisa velocidade. A alguém que em duas rodas era paz. A alguém que, no infinito, pedala uma bicicleta branca". É preciso lutar para que as crianças possam transitar de bicicletas pelas ruas com segurança.

PS: O livro Pedalar é suave será autografado, hoje, das 10h às 12h, no CCBB, dentro da programação do Cine Bike.

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