Clarice na linha

Correio Braziliense
postado em 31/07/2022 00:01

Neste momento conturbado da vida brasileira, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com a Clarice Lispector. Fala, musa!

Clarice, escrever é destino?

Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

Qual o lugar do amor em sua vida?

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e, às vezes, receber amor em troca.

Você se considera uma
pessoa afirmadora?

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida.

Você passou a imagem de ser uma uma mulher complicada. Isso é verdade?

Sou complicada? Não, eu sou simples como Bach.

Você foi feliz?

Ser feliz é para conseguir o quê? É para conseguir um final feliz? Só concebo uma felicidade inesperada, uma felicidade do instante, uma felicidade clandestina.

Por que você gostava tanto de bichos?

Somente quem teme a própria animalidade não gosta de bichos. Talvez seja porque sou de sagitário, metade bicho.

Você é uma mulher delicada, os seus dedos são frágeis. De onde vem a sua força?

Minha força está na suavidade de meus dedos frágeis e delicados. Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois sou o escuro da noite.

Você foi considerada
uma pessoa alienada.
Isso procede?

Minha ideia — veja o absurdo da adolescência — era estudar advocacia para reformar as penitenciárias. Eu cuido do mundo, eu sou a mãe do mundo, a minha responsabilidade é grande.

A inspiração é uma
forma de loucura?

Inspiração não é loucura; é Deus.

Que defeito gostaria de

eliminar em você?

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Você passou, rapidamente,

por Brasília. O que foi

Brasília em sua vida?

Brasília é um pacto que eu fiz com Deus. Brasília é uma estrela espatifada.

Você se tornou famosa e

curtida nas redes sociais.

É bom viralizar nas redes?

O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho.

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