A paixão pelo livro

Estava folheando o livro Editores artesanais brasileiros, de Gisela Creni (Ed. Autêntica), que reconstitui uma série de experiências preciosas do ramo: as editoras O livro inconsútil, do poeta João Cabral de Melo Neto; a Philobiblion, de Manuel Segalá; as edições Hipocampo, dos poetas Geir Campos Thiago de Melo; a Edição Dinamene, de Pedro Moacir Maia; o Gráfico Amador, de Gastão Holanda; a Editora Noa Noa, de Cleber Teixeira.

Todas são editoras amadoras no sentido original de amantes da arte. Os livros editados em pequenas tiragens são obras de arte em si mesmos, objetos estéticos a serem apreciados pelo formato, pela qualidade do papel, pelas ilustrações e pela tipologia das letras. Há os que torcem o nariz para essas produções, qualificando os cultivadores de esnobes, elitistas e pedantes.

Permitam-me discrepar. O livro esmerado pode potencializar qualidades de um texto poético ou ficcional, por meio dos recursos da arte gráfica ou da ilustração. Possibilita o diálogo sobrenatural de um poeta morto com um artista plástico vivo. É criação a partir da criação original.

Sempre gostei dos livros que são objetos de arte. Além disso, essas edições costumam reavaliar e recolocar em circulação autores esquecidos. O livro artesanal enriquece o repertório cultural. E, nesta pendenga, tenho do meu lado nada menos do que o poeta Carlos Drummond de Andrade, que escreveu em crônica memorável: "Podem alguns enjoados resmungar que o livro de tiragem mínima é fruto de uma cultura decadente, a demitir-se de sua função social; que é luxo de mandarins, e ofende o povo", escreve o poeta de Itabira, dando corda aos detratores.

Mas, em seguida, ele contra-argumenta: "Não ofende nada, e, se repararmos bem, contribui para reintegrar o homem em sua dignidade, valorizando o artesanato na era da fabricação em milhões. Ele concilia excelentemente a criação mental com o esforço físico, e nos oferece produtos que trazem a dupla marca de nossa condição".

É muito interessante a pesquisa de Gisela, não conheço os livros de todas as editoras, mas cheguei a manusear boa parte deles. Todas produziram obras esmerados. João Cabral de Melo Neto, por exemplo, criou a editora O livro inconsútil durante a primeira estada em Barcelona, nos duros tempos da ditadura do general Franco. Depois de diagnosticada uma cefaleia, João recebeu do médico a indicação para fazer exercícios físicos.

Ao receber a prescrição, ele decidiu comprar uma prensa manual e editou uma série de livros de sua autoria e de Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles. É um acervo precioso. Ela realizou as entrevistas entre 1993 e 1995, quando fazia dissertação de mestrado em história na USP. E deixa claro que não teve a ambição de escrever uma história abrangente sobre o livro artesanal.

Mesmo assim, como o livro só foi publicado em 2013, causa estranheza a ausência da Confraria dos Bibliófilos do Brasil, a entidade brasiliense comandada por José Sales Neto, que publicou mais de 70 livros primorosos: poemas de Manuel Bandeira, com ilustrações de Dariel Valença Lins; poemas de Ferreira Gullar, com desenhos de Maria Tomaselli; poemas de Gregório de Matos Guerra, com ilustrações de Sante Scaldaferri; entre outras relíquias.

É a editora artesanal que publicou mais livros no Brasil. Ganha até da rica Sociedade dos Cem Bibliófilos, que publicou 50 obras. Ela teve como sócio número 2 José Mindlin, mas Sales é nosso José Mindlin do Planalto, sem as empresas milionárias do colega paulista para bancar a sua paixão pelo livro bonito. A Confraria dos Bibliófilos do Brasil não quer abafar ninguém, só quer mostrar que tem categoria também.