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Gata da família não tinha raiva

Secretaria afirma que o rapaz morto pela doença no último sábado contraiu o vírus do animal de estimação. Parentes da vítima rebatem e destacam que o felino está saudável. Para os familiares, o jovem foi infectado na UnB

Arthur de Souza
postado em 04/08/2022 00:01
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

A família do jovem morto devido à complicações da raiva humana divulgou uma nota, ontem, em que questiona o fato da gata adotada por eles ser apontada pela Secretaria de Saúde (SES-DF) como o vetor de transmissão do vírus. O rapaz teve o óbito confirmado no último sábado. Não havia ocorrência da doença no Distrito Federal há 44 anos.

Por meio do texto, os familiares afirmam que chegou a arranhar o jovem, em 15 de maio. Contudo, destaca que a gata permaneceu saudável por 24 dias após o acidente e lembra que o fato afasta a "hipótese sustentada pelas autoridades sanitárias". Ainda segundo a nota, protocolos internacionais estabelecem que qualquer mamífero que transmita a raiva é portador final do vírus, pois, necessariamente, morre entre cinco e sete dias do adoecimento.

A família ressalta que, depois de encontrada, a gata foi internada por iniciativa dos tutores, sob os cuidados de uma equipe médica veterinária. "A partir de exames e avaliação diária, atestou que, desde a sua admissão, a filhote se encontrava sadia, com comportamento normal, ativa e sem apresentar qualquer intercorrência clínica, quadro que se mantém até a presente data", complementa o texto.

Estilo de vida

O estilo de vida do jovem não incluía ambientes rurais ou silvestres, conforme argumenta a nota. "A única alteração em sua rotina foi o ingresso no primeiro semestre na Universidade de Brasília (UnB), em 6 de junho, que coincidiu com o retorno presencial das aulas presenciais", explica o texto. Testemunhas relataram que presenciaram o jovem tentando contato com os animais que ficam espalhados pelo campus da instituição.

"Especificamente em 8 de junho, um gato cinza e branco, que estava nas intermediações do ICC Central com comportamentos estranhos, chamou a atenção do jovem, que o apelidou de 'gato chapado', pois possuía olhar vesgo, muito brilhante e atento para o teto do local. Ele era arisco e não se misturava com os demais, além de andar trôpego e cambaleante", detalha a nota, afirmando que os sintomas da raiva na vítima iniciaram em 15 de junho, nove dias após o início das aulas.

Ao Correio, a advogada da família, Luiza Araujo, defende que a existência de gatos nas dependências dos campi acarreta problemas. "A partir do momento que o campus ficou fechado por mais de dois anos, desenvolveu-se também ambientes propícios para morcegos. Certamente, nesse período, houve interação entre os animais, e é fato incontroverso que o jovem teve contato com os gatos da universidade e, em específico, um gato com comportamentos estranhos", observa a advogada.

Luiza afirma que o vírus identificado no jovem foi o da variante 3, que é originária de única espécie de morcego hematófago. "Destaca-se que a presença de morcegos foi favorecida pelos ambientes escuros, úmidos, pouco ou quase não frequentados em razão da pandemia. O que demonstra que o vetor de transmissão do vírus foi inserido no ciclo urbano, possibilitando o seu contato com os gatos e outros animais presentes no local", encerra. A advogada da família enviou um documento para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) com fotos de gatos andando pelos corredores, bebedouros e até dentro das salas de aula da UnB.

Mestre em doenças infecciosas e professor de veterinária do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Lucas Edel Donato explica que um animal infectado pelo vírus da raiva pode transmitir a doença, antes de apresentar os sintomas. "Isso é um grande perigo, porque o animal está aparentemente saudável, mas está eliminando o vírus pela saliva, por exemplo", alerta. Ele ressalta, no entanto, que, no ambiente, o patógeno apresenta pouca resistência. "Raio ultravioleta e umidade influenciam e eliminam ele com muita facilidade", informa. O tempo de incubação do vírus rábico pode chegar a meses.

Outro lado

O Correio entrou em contato com a UnB e a Secretaria de Saúde para obter esclarecimentos sobre os questionamentos da família. Em nota, Secretaria de Meio Ambiente da universidade (SeMA), a Prefeitura (PRC) e a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) da UnB informaram que todos os gatos que circulam no campus Darcy Ribeiro e aceitam contato humano são vacinados periodicamente. "Os felinos porventura encontrados mortos são encaminhados para exame no Hospital Veterinário. Não há registro de animais contaminados", ressalta o texto.

A nota da instituição destaca que a rotina de vigilância epidemiológica e ambiental não foi interrompida no período em que a UnB permaneceu sem atividades letivas presenciais. "A FAV dispõe de uma técnica especialmente designada para esse controle dos felinos encontrados no campus. Entre março e julho de 2022, mais de 100 gatos foram vacinados", assegura o documento. Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Saúde não havia se pronunciado.

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Transmissão

As principais formas de transmissão do vírus rábico são por meio de arranhadura, lambedura ou mordedura, segundo Lucas Edel Donato. "Sobre o arranhão, um felino, por exemplo, costuma lamber a pata. Quando ele faz isso e arranha o indivíduo, ele inocula, de forma traumática, o vírus no indivíduo", aponta. O especialista ressalta que é necessário que o vírus entre em contato com o nosso tecido, por meio de perfuração ou a presença dele na nossa mucosa, para que ocorra a transmissão.

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