Ao sair da concessionária com um carro cheirando a novo e a chave de um sonho em mãos, o último pensamento que passa pela cabeça do motorista é se desfazer daquele bem. As alternativas parecem uma realidade distante, até que os problemas começam a aparecer: uma peça que precisa ser trocada, o contato do guincho torna-se indispensável e as constantes idas ao mecânico acabam virando um peso no bolso.
Quando não é mais possível ignorar os sinais de que aquele automóvel está no fim da vida útil, chega o momento de vendê-lo e comprar outro. De mão em mão, uma hora esse veículo precisará ser aposentado e, tratando-se de um carro brasileiro, as chances são de 98 em 100 de que ele termine em um desmanche ou ferro-velho, de acordo com o Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não Ferrosa (Sindifesa).
O primeiro passo para se desfazer desse que se converteu em um problema sobre quatro rodas é indo ao Departamento de Trânsito do estado. Lá será iniciado o processo para dar baixa no veículo — uma espécie de certidão de óbito do carro.
Quando o processo é finalizado e o chassi e a placa retirados, o carro passa oficialmente para o status de sucata. Na segunda reportagem da série Autópsia da sucata: para onde vão os carros após a morte? o Correio mostra qual é o pós-vida de um automóvel.
Chegado ao desmonte
Com cerca de uma tonelada de carcaça em mãos, a opção mais vantajosa para o proprietário é procurar um lugar de desmanche ou ferro-velho, que vai comprar aquele "corpo de metal" por um preço de sucata e retirar dele tudo que ainda pode ser usado em outros carros.
Um dos profissionais que faz esse trabalho é Henrique Dias, 40 anos, dono da Recicragem do Magaiver, no bairro Pedregal, no Novo Gama (GO), a cerca de 44km de Brasília.
Em um galpão escuro, o local recebe, em média, 500 carros por ano. Por lá, pilhas de peças e fluidos de automóvel pelo chão mostram o que parece ser um cenário recorrente para quem tira o sustento da sucata.
O empresário explica que a maioria dos veículos que chega à loja tem entre 20 e 30 anos de circulação. "Às vezes, acaba chegando um veículo um pouco mais novo, mas proveniente de uma batida que deu uma grande perda, então ele não tem mais condição de rodar e acaba parando aqui. A gente reaproveita as peças dele e, o resto, mandamos para uma fundição, que aproveitará o aço", detalha Henrique.
O trabalho realizado nos ferros-velhos está envolto em uma série de riscos. Mesmo em final de vida, os automóveis ainda abrigam componentes e fluidos perigosos que precisam ser retirados antes do processo de desmontagem ter início.
O professor Ademyr de Oliveira, do curso de engenharia mecânica da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que existe uma normatização que regulamenta a atividade de ferros-velhos e desmanches para garantir que o trabalho seja feito com segurança. "Existe lei, mas não existe fiscalização. Quando você vai a grandes ferros-velhos, na maioria das vezes você tem contaminação do terreno, do lençol freático."
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), estabelecimentos de desmonte de veículos precisam ter registro junto aos órgãos de trânsito estaduais, os Detrans, que também ficam encarregados de fiscalizar as atividades.
A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) informou ao Correio que não compila dados a nível nacional sobre registros de ferros-velhos, e que a atividade é feita pelos departamentos estaduais. No entanto, ao ser questionado pela reportagem sobre o número de empresas registradas na capital federal, o Detran-DF disse que não era responsável pela atividade. Levamos o questionamento à assessoria de imprensa do Governo do Distrito Federal, que não respondeu até a publicação desta reportagem.
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