As crônicas se escrevem em ciclos. Geralmente, há certos gatilhos que nos ajudam a encontrar inspiração para este ou aquele texto. Numa reportagem, é a apuração, a fala de um personagem. Na crônica, pode ser um fato cotidiano, uma paisagem vista pela janela, uma memória, um acontecimento marcante, entre tantas outras possibilidades.
Às vezes, nas minhas, exploro uma certa metalinguagem, falando das características do gênero ou, justamente como agora, contando um pouco sobre o processo criativo. Nada disso é inovador, obviamente, e muitos cronistas exploram ou exploraram essa maneira de se fazer, mas penso que ainda assim pode ser interessante compartilhar com o leitor um pouco desse “bastidor”. Talvez não seja tão interessante quanto entrar no camarim do seu ídolo, mas pode revelar algumas curiosidades que levantem um sorriso no canto do lábio.
Recebi de presente do amigo cronista Danilo Gomes a coleção Melhores Crônicas de Luís Martins, que ao longo de 32 anos escreveu mais de sete mil textos do gênero n’O Estado de São Paulo. E foi revigorante notar alguns desafios comuns no ofício, apesar de, no meu caso, a escrita ser semanal apenas.
Respondendo a um jornalista que criticava colegas de profissão dele, por exemplo, Martins escreveu: “Em primeiro lugar, a crônica é, em geral, pela própria natureza, uma conversa amena, que não necessita ser profunda, senão agradável. Uma crônica não é um artigo, e muito menos um tratado; pode ser uma simples variação graciosa sobre um tema insignificante, espécie de displicente comentário, às vezes até com certos laivos poéticos, tecido à margem do quotidiano”.
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Um dos capítulos do livro é inteiramente dedicado às crônicas que falam de… crônicas. E noutra ele segue discorrendo sobre um tema que atormenta a todo cronista em algum momento da carreira: a falta de assunto. Dessa vez, respondendo a um leitor, dispara, num texto publicado em 1960: “Não costumo discutir com os leitores, razão pela qual abaixo as orelhas, recolhendo-me à minha reconhecida insignificância. O senhor tem toda a razão. Apenas, se me permite, ouso objetar – não em meu nome, mas falando aliás sem procuração, em nome dos assuntos – que estes são exigentes e caprichosos e, na maioria das vezes, por mais que faça o cronista, recusam-se a colaborar na crônica, para a qual, ou por modéstia ou por vaidade, não se julguem adequados”.
E continua, num parágrafo tão grande quanto a sua vontade de esclarecer a importância da questão e explicar a inocência do cronista no processo: “Em outras palavras: o assunto nega-se terminantemente a ser explorado pelo cronista, alegando que pertence ao noticiário, mas não à crônica. E que, ou o sujeito é capaz de fazer de uma borboleta amarela ou de uma amendoeira sem folhas grande crônica (sendo a falta de assunto o verdadeiro assunto do cronista) – ou então que desista do ofício e vá plantar bananas em Brasília ou batatas na ilha do Bananal”.
Como já vou ficando sem espaço e são outros tantos trechos interessantes e de leveza poética a navegar pelas crônicas do autor carioca, deixo essa provocação bem-humorada que, quem sabe, poderá também alegrar a sua segunda-feira: “É duro para o aprendiz de cronista, ou cronista menor, mas é assim realmente, com essa desabusada franqueza, que lhe fala o esquivo, o fugidio, o incaptável assunto. Disto mesmo – isto é, desta falta de assunto – poderia um grande cronista fazer uma grande ou pequena crônica. Mas eu, como não sou grande – e estou hoje completamente desassuntado –, meto ponto-final nesta conversa desistindo de escrever a crônica”.
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