MANUTENÇÃO

Plano de preservação de Brasília como patrimônio está parado há dez anos

Preservar a cidade que sedia o poder é um desafio a ser superado tanto pela sociedade civil quanto pelos órgãos responsáveis

Pablo Giovanni
Mila Ferreira
postado em 26/02/2023 06:00 / atualizado em 26/02/2023 06:58
 (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
(crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

A capital do país está envelhecendo e, com isso, o patrimônio tombado, que faz parte da arquitetura da cidade, vai começando a demandar atenção e reparos. Em um cenário em que o Projeto de Lei Complementar (PLC) do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) está parado há dez anos, urbanistas destacam a necessidade imediata de uma estratégia eficaz de preservação desse patrimônio que representa a identidade da capital.

Desde 1959, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atua em Brasília com o objetivo de coordenar ações e promover a preservação do patrimônio cultural brasileiro de forma direta e indireta. De acordo com o órgão, inspeções regulares são feitas nos edifícios tombados individualmente a cada dois anos, aproximadamente, ou sob demanda.

Urbanistas ouvidos pelo Correio acreditam que tanto a sociedade civil quanto o governo precisam mudar a mentalidade com relação à preservação de Brasília. "Para mim, ainda é falha a parte de educação patrimonial. As pessoas não entendem o que é o bem protegido em Brasília, de que forma se dá essa proteção, qual a importância de Brasília e por que é necessário protegê-la. Mesmo sendo uma cidade moderna, as pessoas têm a sensação de que para ser tombada tem que ser um bem antigo. Mais do que a manutenção física, é a importância de Brasília e por que ela deve ser preservada", pontua a arquiteta e urbanista Romina Capparelli.

O vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF), Pedro Grilo, destacou iniciativa do conselho que está em vigor há quatro anos. "Creio que estratégias educativas são grandes aliadas da preservação. Propusemos na CAU um selo de qualidade para edifícios não tombados visando mostrar que a preservação predial, a manutenção das características originais e os cuidados com edifícios podem ser feitos por qualquer instituição, seja um condomínio residencial seja um edifício público de tamanho considerável. Edifícios que receberam o selo do CAU tiveram os imóveis valorizados", explicou.

Com relação à área mais sensível do conjunto tombado, o Plano Piloto, o vice-presidente acredita que a responsabilidade da manutenção deve ser compartilhada. "O governo federal deve cuidar da Esplanada e dos edifícios públicos, enquanto o GDF cuida da manutenção da cidade e dos edifícios do governo", conclui.

PPCUB

A proposta de Projeto de Lei Complementar (PLC) do PPCUB voltou ao debate em 2022, após 10 anos parada. Uma audiência pública reuniu autoridades e membros da sociedade civil em 19 de novembro de 2022 para debater a questão. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), uma nova audiência pública está prevista para o primeiro semestre de 2023. "A equipe técnica da pasta está finalizando os ajustes necessários na proposta do PPCUB. O objetivo principal é enviar a minuta do PPCUB à CLDF", informou em nota.

O professor e urbanista Frederico Flósculo acredita que o PPCUB deveria ter surgido desde a Lei Orgânica de 1993. "Estamos com 30 anos de atraso, e Brasília não tem a menor ideia do que fazer com o Plano Piloto. Desde 1987, quando a Unesco nos tornou patrimônio cultural da humanidade, deveríamos ter um órgão permanentemente encarregado da preservação, do trabalho técnico de manutenção da cidade, mas também da educação patrimonial, da propagação de valores, da divulgação de vários aspectos técnicos, históricos e políticos relacionados ao elevadíssimo status mundial de Brasília como patrimônio cultural", opinou o especialista.

Entre os Eixos do DF

A educação patrimonial será tema da segunda edição do evento Entre os Eixos do DF, promovido pelo Correio Braziliense, na próxima terça-feira (28/2). A ideia do projeto é chamar a sociedade civil, instituições e autoridades da área para discutir amplamente o assunto. Na ocasião, autoridades e especialistas debaterão a preservação, com o intuito de fomentar a conscientização da população acerca do assunto, especialmente sobre o tombamento da capital como Patrimônio Cultural da Unesco. Quem ama preserva será o tema do debate.

Estarão presentes no debate a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes; a diretora e representante da Unesco no Brasil, Marlova Noleto; o secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues; o presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), Wellington Luiz (MDB); a professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Cláudia da Conceição Garcia; Thiago Perpétuo, coordenador técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); e Dênio de Oliveira Moura, promotor de Justiça da 1ª Prourb (Promotoria da Ordem Urbanística) do MPDFT e coordenador da Rede Urbanidade, entre outros.

O debate terá a duração de cinco horas em média e será transmitido ao vivo nas redes sociais do Correio Braziliense: Facebook, Twitter e Youtube.

Teatro Nacional

Fechado desde 2014, o Teatro Nacional Cláudio Santoro está em obras. Com investimento de R$ 49,7 milhões do GDF, a reforma da Sala Martins Pena está em curso desde o fim de 2022. Por se tratar de um bem tombado como patrimônio cultural, os trabalhos de recuperação do espaço também contam com acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Os trabalhos executados na Sala Martins Pena incluem a reestruturação das instalações prediais, além da recuperação de pisos e revestimentos acústicos, esquadrias e mobiliários. Também serão feitas as atualizações tecnológicas e de segurança das estruturas, assim como dos mecanismos cênicos, respeitando sempre os requisitos de acessibilidade.

O que pensa a bancada

A bancada congressista do DF se mostrou sensível à preservação de Brasília. Para a deputada federal Erika Kokay (PT), a responsabilidade com a manutenção do patrimônio tombado deve ser do governo federal. "Essa cidade não pode ser dormitório de autoridades. É a capital da República e patrimônio cultural da humanidade. Preservar, sem prejuízo das responsabilidades do GDF, tem que ser também responsabilidade do governo federal."

"O governo deve criar um órgão para cuidar do patrimônio", sugeriu o deputado federal Alberto Fraga (PL).

O senador Izalci Lucas (PSDB) sugere que "como bancada, se destine recursos, por meio de emendas parlamentares. Um novo Fundo Constitucional voltado exclusivamente para a preservação da cidade seria ótimo, mas é difícil a aprovação. O orçamento do DF é muito alto."

A senadora Leila Barros (PDT) apresentou, em 2019, projeto que facilita o financiamento e a gestão de equipamentos públicos. "O projeto regulamenta a adoção de espaços públicos, como praças e parques, por entidades privadas de Parcerias Público-Privadas. Ao trazer para uma legislação federal, garantimos a expansão dessa iniciativa."

O deputado Paulo Fernando (Republicanos) tem críticas ao tema. "O tombamento não é um engessamento. Somos favoráveis à preservação da área tombada, mas vemos com alguma preocupação algumas mudanças em alguns monumentos do DF", opinou.

 

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  • Cuidados devem ser repartidos entre governos distrital e federal
    Cuidados devem ser repartidos entre governos distrital e federal Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  •  Fissuras nas estruturas ameaçam monumentos tombados
    Fissuras nas estruturas ameaçam monumentos tombados Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  •  17/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Envelhecimento natural dos monumentos. Capelinha Nossa Senhora de Fatíma 308 Sul - Museu da Republica e Catedral.
    17/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Envelhecimento natural dos monumentos. Capelinha Nossa Senhora de Fatíma 308 Sul - Museu da Republica e Catedral. Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  • Capelinha Nossa Senhora de Fátima sofre com a ação do tempo
    Capelinha Nossa Senhora de Fátima sofre com a ação do tempo Foto: Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press
  •  17/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Envelhecimento natural dos monumentos. Capelinha Nossa Senhora de Fatíma 308 Sul - Museu da Republica e Catedral.
    17/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Envelhecimento natural dos monumentos. Capelinha Nossa Senhora de Fatíma 308 Sul - Museu da Republica e Catedral. Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  • Cuidados devem ser repartidos entre governos distrital e federal
    Cuidados devem ser repartidos entre governos distrital e federal Foto: Ed Alves/CB/DA.Press

Três perguntas para Bartolomeu Rodrigues, secretário de Cultura e Economia Criativa do DF

 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)
crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press

Além da reforma do Teatro Nacional, há mais algum tipo de programa de manutenção/restauração previsto?

Todos os patrimônios que cuidamos estão recebendo toda atenção, inclusive, o próprio Teatro Nacional, cuja maior reclamação era estar parado. Cuidamos de recuperar os projetos, atualizá-los e iniciar a reforma.

E, nesse momento, concluímos o projeto de restauração da Praça dos Três Poderes e estamos nos ajustando com o Iphan para darmos início o quanto antes às obras. Temos um orçamento de R$ 11 milhões para reforma da praça. Iniciamos em 2020, considerando o estado de degradação da praça. Durante esse tempo, tivemos várias reuniões com o STF e a GSI até termos um entendimento. Há duas semanas, fizemos o mapeamento por drone de todos os quadrantes da praça, como parte das exigências feitas pelo Iphan.

Com relação a outras estruturas históricas, como a W3, a Igrejinha na 308 Sul, há alguma previsão de revitalização?

A W3 esta em pleno processo de recuperação (norte e sul). Quanto à Igrejinha, ela está na carga da Igreja É dela que deve partir uma iniciativa de restauração, se for o caso. Mesmo sendo tombada, não é um bem do Estado, a quem compete orientar e manter o ocupante informado sobre o seu estado. E nesse sentido, estamos sempre com nossas equipes na rua fiscalizando. Ao que me consta também, alguns reparos, como foi o caso da porta da igreja, a própria paróquia se encarregou disso com a colaboração dos paroquianos. Nosso papel foi observar se a mudança estava em conformidade com os parâmetros de preservação.

Como ficará a situação do PPCUB?

O PPCUB está em discussão pública, após uma década parado. Várias audiências públicas já foram realizadas, inclusive com maciça presença de entidades ligadas ao meio urbanístico e de arquitetura, resultando num texto que, acredito, irá refletir a expectativa daqueles que lutam e trabalham por uma Brasília preservada. Há opiniões divergentes, claro, mas nada que não seja dentro de um campo saudável de discussão. Nada está sendo imposto, de cima pra baixo.

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