O transporte do Entorno vai ter reajuste de 12% nas tarifas de serviço. Esse aumento prejudica muitos trabalhadores, que fazem o percurso diariamente entre os municípios vizinhos e o Distrito Federal, e cria um efeito cascata, também, na vida de empregadores daqui. O cálculo para quem gera emprego e necessita da mão de obra desses profissionais pode não fechar e consequências, como maior dificuldade para pagar a diferença de valores, podem gerar perdas financeiras e até demissões para ambos os lados.
De acordo com o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, do ponto de vista dos donos de empresas, esse impacto deve ser analisado sob dois aspectos. "Primeiro, as micro e pequenas empresas. Estas vão ter mais dificuldade para repassar esse aumento para produtos e serviços e, provavelmente, vão ter que refazer as contas até podendo implicar em demissões, privilegiando aqueles que não têm esse ônus de morar no entorno", avalia o especialista.
Ainda segundo Bergo, a influência do reajuste para as médias e grandes empresas é um pouco menor, mas com ressalvas. "O fluxo de caixa permite absorver essa despesa, mas certa com dificuldade. A médio e longo prazo, elas vão ter que rever os seus custos, podendo também implicar em demissão", alerta o economista. "De qualquer forma, a situação é difícil para qualquer empresário, sobretudo um aumento de uma hora pra outra na ordem de 12%, já que eles não conseguem repassar isso para seus produtos e serviços, e isso acaba implicando dificuldade de administração financeira das empresas", conclui o professor da UnB.
Na outra ponta
O também economista da UnB Newton Ferreira explica que esse aumento prejudica muitos trabalhadores, que fazem o percurso diariamente, e acaba gerando um efeito cascata na vida de muitas pessoas. De acordo com ele, o reajuste no transporte desencadeia um aumento de custo de vida elevado, principalmente para as pessoas que recebem um salário mínimo.
"O transporte é uma despesa que não pode ser cortada dos gastos diários de uma pessoa, e muitos acabam gastando com alimento e transporte, mais de 60% do salário, o que pesa na balança", ressalta o economista. "Aí você soma aluguel, luz, telefone, remédio, livro da escola. São muitas despesas para a população", calcula Newton Ferreira.
Atualmente, são mais de 400 linhas de ônibus que realizam o transporte diário de cerca de 175 mil passageiros. Um deles é o eletricista Miguel Chaves, 53 anos. Morador da Cidade Estrutural, ele vai ao Jardim Ingá todos os dias para trabalhar. Por ser autônomo e, consequentemente, não ter a carteira assinada, o novo reajuste pesa no seu bolso. "O transporte não atende a demanda, é precário. Sai de 40 em 40 minutos, o que faz a gente chegar muito atrasado se perder um ônibus, por exemplo", relata.
Miguel gasta R$ 20 por dia para ir ao trabalho, valor que deve ir para quase R$ 22, um aumento que, no final do mês, vai gerar um gasto extra de, aproximadamente, R$ 30. "Um absurdo! O governo subsidia as passagens e ainda vai aumentar. É complicado para todos", reclama o eletricista.
Morador do Pedregal (GO), o militar João Pedro da Silva, 22, diz que o novo reajuste também vai pesar no bolso. "Se não aumentar o salário, vai atrapalhar o pagamento de outras despesas", relata. Ele comenta ainda que o transporte não vale o preço que é pago, pois, em diversas oportunidades, foi pegar o ônibus e estava quebrado.
Para muitos, a opção de ônibus é a única que resta, para se locomover entre uma cidade e outra, como é o caso de Erineide Silva, 32 anos. A operadora de caixa traz o filho a Brasília toda semana para ir ao médico. "Quando o ônibus não quebra, são as cadeiras que estão quebradas. Às vezes fico na mão e acabo me atrasando", ressalta.
Consórcio
Em reunião com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, no fim de fevereiro, a governadora interina do DF, Celina Leão (PP), e o governador do Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), informaram que levaram um "apelo" para a criação de um consórcio com intuito de subsidiar as passagens de ônibus para o Entorno.
Segundo os governadores, a ideia é que os três entes participantes — GDF, Governo de Goiás e Governo Federal — dividam uma tarifa técnica para arcar com a diferença entre a tarifa paga pelo cidadão e a paga por eles. O valor seria dividido de forma igualitária.
Tentativa de reajustes
Em fevereiro de 2022, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) autorizou um aumento de até 25%, mas o Governo do DF, que havia assumido a gestão desse transporte do Entorno em julho de 2021, congelou o reajuste para que, antes, pudesse "conhecer a realidade do serviço".
O aumento viria em dezembro do ano passado e até chegou a ser anunciado: as passagens para o Plano Piloto custariam entre R$ 6,75, de Valparaíso, e R$ 9,80, de Planaltina de Goiás. Porém, o Estado de Goiás foi à Justiça contra o reajuste, alegando que não foi consultado e que a mudança violaria a "autonomia federativa".
O caso foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro André Mendonça suspendeu o aumento dias depois, pontuando, ainda, que "tamanha elevação tarifária", sem debate ou demonstração dos critérios técnicos, traria um "risco de dano grave" a uma população vulnerável. Depois desse episódio, o GDF devolveu a gestão para a ANTT.
Saiba Mais
Indignação
Por meio de uma nota, a Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro (Anatrip) disse ter recebido com muita indignação o reajuste feito pela ANTT. De acordo com a associação, a nova recomposição tarifária não é suficiente para as empresas que operam o transporte semiurbano no entorno do Distrito Federal. "Além de não suprir o valor atual do combustível, não há como pagar os salários dos motoristas de ônibus que estão com o reajuste salarial em atraso desde agosto de 2022. Desta forma, é impossível manter a prestação dos serviços", destaca o texto.
A Anatrip também informou que, no mês de fevereiro, representantes das empresas de transporte do entorno tiveram três reuniões com a equipe técnica e diretoria da ANTT. Na oportunidade em que foi apresentada a minuta de deliberação que autorizava a recomposição tarifária no percentual de 40%, a partir do dia 19 do mesmo mês, com base em estudos técnicos de recomposição tarifária. "A agência chegou a este valor porque levou em consideração que o reajuste tarifário estava defasado desde a segunda quinzena de fevereiro de 2022, nos termos da Resolução ANTT 4768. Então, a agência aplicaria o que estava desatualizado desde o ano passado", .
De acordo com a associação, o reajuste de 12% representa um ato "totalmente discricionário e político", feito somente para evitar impacto social negativo. "Ocorre que, hoje, o sistema não se sustenta com uma tarifa defasada e com a ausência de subsídio, o que coloca em risco a continuidade da prestação do serviço, assim como a segurança dos passageiros", alertou a nota. "Sem a recomposição tarifária dentro dos parâmetros técnicos e legais, as empresas não têm condições de cumprir com as condições mínimas de operação, podendo levá-las ao colapso", concluiu o documento da Anatrip.
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