VISIBILIDADE /

Projeto garante às pessoas não binárias o direito de serem quem elas são

A retificação de nome e gênero no documento de pessoas trans e não-binárias é uma vitória para aqueles que não se identificam com o gênero que nasceram. No DF, entre 2022 e 2023, 84 pessoas conquistaram o direito na Justiça

Mila Ferreira
postado em 08/04/2023 06:00 / atualizado em 08/04/2023 10:10
Kaleb Giulia exibe a documentação com nome e gêneros corrigidos -  (crédito: Bianca de Oliveira)
Kaleb Giulia exibe a documentação com nome e gêneros corrigidos - (crédito: Bianca de Oliveira)

O reconhecimento por parte da sociedade da identidade de pessoas que não se sentem pertencentes ao gênero que nasceram é uma forma de garantir visibilidade e cidadania a essa parcela da população. A retificação de nome e gênero nos documentos é um passo significativo para essas minorias saírem da invisibilidade. Graças ao projeto "Cidadania Não Binária", no Distrito Federal, entre 2022 e 2023, 84 pessoas conquistaram na Justiça o direito de retificar suas certidões de nascimento.

A iniciativa é da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) em parceria com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Em novembro do ano passado ocorreu o primeiro mutirão, que retificou 24 certidões. No dia 27 de fevereiro ocorreu a segunda edição do projeto, quando 60 pessoas garantiram o direito de retificação.

"No final de 2021, recebemos um grupo de pessoas não binárias que não estavam conseguindo fazer o pedido de forma administrativa para constar um terceiro gênero. O jeito que encontramos foi a partir de uma provocação da sociedade civil entrar com ações e realizar audiências para garantir o direito", revela o defensor público e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da DPDF, Ronan Figueiredo.

Kai Fadel Helgert, 19 anos, dá aulas de inglês e se descobriu não binária aos 15, mas, antes disso, já se interessava e pesquisava sobre questões de gênero. "Estudo desde nova meu gênero e procuro cada vez mais passar informações sobre a causa por meio das minhas redes sociais, estou começando com alguns stories conscientizando amigos próximos, o que já é um passo importante. Atualmente procuro mais formas de me incluir dentro da comunidade e passar essa mensagem tão linda que é sermos quem somos", conta Kai. No caso de Kai, a mudança de nome e gênero nos documentos significou uma redenção. "Simbolizou minha liberdade e autoconhecimento que levaram anos. Foi um dos dias mais importantes e marcantes da minha vida que vou carregar com muito carinho e emoção", declara.

Kaleb Giulia Ribeiro Salgado, 23 anos, dá aulas na rede pública de Luziânia e também teve nome e gênero alterados nos documentos recentemente. Kaleb ainda comemora o reconhecimento conquistado por meio da retificação de seus registros. "Quando a gente consegue alterar o sexo para não binário, significa que o Estado reconhece que nós existimos e, a partir disso, podemos lutar por outras políticas", pontua. "Sou militante, atuo em um coletivo chamado Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, coordenador de comunicação. Atuo também no Abrambe, coletivo de pessoas não binárias. Queremos conquistar políticas públicas para garantir que a nossa identidade seja respeitada", completa.

Conceito

Pessoas que não se identificam pertencentes ao gênero masculino nem ao feminino são chamadas de não binárias. Entender o conceito de não binariedade, entretanto, ainda é um desafio para muitos. A receptividade da família com relação à identidade de gênero tem sido uma questão a ser administrada para Kai e Kaleb. "Foi uma grande luta para minha família me aceitar, mas, aos poucos, fui explicando. Atualmente, eles me respeitam, apesar de acharem difícil ainda entender a não binariedade", acrescenta Kaleb.

"A pessoa não binária sofre o mesmo constrangimento e a mesma discriminação que a pessoa trans. A desburocratização da mudança de nome e gênero dá uma amplitude de cidadania a pessoas não binárias. A pessoa se sente mais acolhida e menos discriminada", comenta a advogada Patrícia Zapponi, presidente da Rede Internacional de Proteção às Vítimas Laço Branco. De acordo com a especialista, o Poder Judiciário já está se adaptando à evolução da humanidade e das pessoas.

"O desembargador Giovanni Conti diz que o Judiciário tem que se adaptar a todos os anseios da vida civil e à evolução humana", diz Patrícia, referindo-se ao desembargador responsável pela determinação pioneira da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, que permitiu a mudança de nome e gênero no registro de nascimento de pessoas não binárias, independentemente de autorização judicial.

No Distrito Federal, quem tiver interesse em alterar os registros na documentação ou alguma dúvida, basta Núcleo de Direitos Humanos da DPDF pelo telefone (61) 98244-2516.

 

  • Kaleb Giulia exibe a documentação com nome e gêneros corrigidos Bianca de Oliveira
  • Kai Fadel Helgert se identifica como pessoa não-binária Bianca de Oliveira


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