ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO

Brasília faz aniversário com o coração pulsando hip-hop e cultura

A Batalha do Museu traz a cultura dos quatro do Distrito Federal para a região central da cidade. "Aqui é um lugar para todos, independentemente da classe social, cor, gênero, religião", destaca Lolly Farias, organizadora

Pedro Ibarra
postado em 21/04/2023 06:00
Batalha do Museu se transformou num espaço das quebradas no centro da cidade -  (crédito: Fotos: Ed Alves/CB/D.A Press)
Batalha do Museu se transformou num espaço das quebradas no centro da cidade - (crédito: Fotos: Ed Alves/CB/D.A Press)

Há 11 anos um grupo de amigos queria se encontrar para treinar um pouco mais a forma como rimavam no improviso. Em Brasília, o melhor lugar para isso era onde todos conseguiriam chegar com facilidade. Por isso, o Museu da República, ao lado da Rodoviária, era o melhor ponto. O que eles não esperavam é que aquele encontro seria muito mais do que só um grupo de colegas rimando e entraria para a história recente de Brasília.

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Os amigos estavam começando ali a Batalha do Museu, uma das mais tradicionais batalhas de rap da capital. "Minha intenção nunca foi criar uma batalha, só queria encontrar uns amigos para rimar juntos, melhorar meu nível de freestyle e ver as pessoas que gosto", conta Gerson Macedo de Oliveira, o Zen MC, fundador da Batalha do Museu.

Com o tempo, o grupo foi aumentando, os curiosos foram se aproximando e atualmente, pouco depois de completar 11 anos de existência, o projeto tem uma média de 70 a 80 pessoas por edição, em eventos especiais o número chegou a 400, contando que estava rimando e quem estava assistindo. "Aqui é um lugar para todos, independentemente da classe social, cor, gênero, religião… Já ouvimos diversas vezes a frase 'A batalha salvou minha vida'. E, eu posso afirmar que isso é real", conta Lolly Farias, a responsável pela organização da Batalha atualmente.

Lolly fala que a importância é social, para além do divertimento que foi a ideia inicial, o projeto é uma oportunidade. "Ajudamos as pessoas que querem ser ajudadas, mostramos para várias que existem alternativas além do crime, amenizamos a depressão de muitos, e lutamos diariamente para ajudar a combater este mal que têm tomado conta da nossa geração. Eu resumiria a batalha de Mc's em: 'Salvamos vidas através das rimas'", diz a organizadora.

O caráter social só é possível porque a batalha aceita a diversidade e une as pessoas. "No museu, você encontra Mc's de diversas localidades do DF e do Entorno, que habitam um espaço que é um dos cartões postais da cidade e mais que isso, colocam o rap do DF como um desses cartões postais", afirma Vírgulas, um dos organizadores da Batalha da Escada, na Universidade de Brasília (UnB), que também frequenta o Museu para entoar as próprias rimas. O artista entende o A Batalha do Museu como um grande ponto de encontro central da cultura hip-hop da capital.

"O DF atualmente tem mais de 60 batalhas acontecendo toda semana. Cada uma com suas particularidades. A batalha do museu ocupa um espaço importante nisso tudo por estar em uma região central, servindo de ponto de encontro e firmamento da nossa cultura", conta o rapper Vírgulas, que começou a frequentar o Plano Piloto para participar destes encontros. "Eu moro na Ceilândia, não costumava tanto ir até o Plano, antes de começar a estudar lá (na UnB), pode-se dizer que boa parte das vezes que fui ao Museu foi por conta da batalha e continua sendo".

A centralização, portanto, é um caráter importante. O fácil acesso de ônibus tornou-se em um acesso da cultura hip-hop ao coração de Brasília. "Algo muito bonito de se reconhecer; são as periferias ocupando o centro da cidade, espaço esse que foi negado por tanto tempo; é uma manifestação de existência e um grito de resistência", afirma Biro Ribeiro, poeta, Mc, compositor e primeiro campeão da Batalha do Museu. Para ele, há uma mensagem em rimar. "É dizer ao centro que a gente produz e nossa arte é rica, ela importa muito", comenta.

Para algo que começou despretensiosamente apenas para encontrar um divertimento com os amigos, a Batalha do Museu chegou muito longe. Já tem edição especial marcada para o próximo dia 30, com o Interestadual de Mc's com artistas do DF, Goiás, São Paulo. Bahia e Alagoas. "Histórico, satisfatório e gratificante. São anos e anos de muita luta, ocupar o centro da capital do Brasil só nos faz ter mais certeza de que estamos no caminho certo", analisa Lolly. "O dever, sem dúvidas, foi cumprido, o objetivo principal é aliviar o estresse da rotina cotidiana por meio dos versos, acho que não falta nada", comemora Zen.

Museu é lugar de rap

O Museu é um dos personagens dessa história que vem sendo desenvolvida há 11 anos por artistas de todo o DF. A monumentalidade da região ganha nuances de do estilo urbano e os jeitos de falar, as gírias e as referências de todas as regiões administrativas, idades e classes sociais. "Eu vejo que a Batalha do Museu se tornou um dos eventos culturais do DF mais importantes para capital; não consigo me lembrar de algum outro evento que esteja em atividade de forma contínua e periódica como o Museu por tanto tempo", explica o rapper Biro. "O Museu se estabeleceu como um pilar da cultura do DF e se tornou também uma das Batalhas de Mc's mais importantes de todo país e pra mim é uma honra ter sido o primeiro campeão da história do Museu e poder fazer parte de uma história tão linda", completa.

Por meio da batalha e com a importância que o evento ganhou, pessoas que não frequentavam a região central e, principalmente, museus,0 passaram a ocupar um espaço que nunca foi muito convidativo para o público da periferia. "Eu ressignifiquei minha relação com Museu. Antes enxergava como algo distante da minha percepção artística, um lugar que não condizia com minhas visões de mundo e minha realidade", conta o primeiro vencedor.

"Eu acredito que a Batalha do Museu ressignificou o espaço do Museu Cultural da República. É simbólico que um elemento da Arte como o Museu, que por diversas vezes é visto por uma ótica elitizada, de distanciamento, se "integre" a um movimento que nasceu e que representa as ruas e as periferias das cidades. É o Hip Hop rompendo barreiras e se posicionando pelo seu direito à cidade, conquistando espaços que antes nos foram negados", acrescenta Biro Ribeiro.

A união Museu e hip-hop chegou ao ápice. Afinal, a Batalha foi para dentro do Museu. "Recentemente fizemos um evento dentro do Museu Nacional da República, em 11 anos, foi a segunda vez que ocupamos este espaço. Fomos super-abraçados por toda equipe. Porém, nosso maior apoio hoje, vem da Biblioteca Nacional de Brasília, que nos fornece autorização e energia para realização do evento", conta Lolly. "Foi algo mágico. Muitos não faziam ideia do que era aquilo e nem o que acontecia ali, tão pertinho. Um evento fez com que abrissem os olhos para nossa cultura. Hip-hop é arte, salva vidas, conta e faz história. Estamos lutando para que sejamos um patrimônio cultural", conta. "É uma honra ter este apoio, temos uma boa relação com todos. Respeito de ambas as partes faz com que a cultura permaneça viva", conclui.

A mensagem que fica é de que não há limites para o hip-hop. "A batalha do museu é mais uma manifestação da grandeza da arte periférica que pulsa, resiste e ocupa cada pedacinho desse país e estar na área central de Brasília é uma forma de mostrar que nós estamos por toda parte", diz Vírgulas. "O hip-hop habita todos os espaços e os que ele ainda não habita é só por uma questão de tempo", adiciona.

Por conta de eventos como a Batalha do Museu, dá para dizer que Brasília também é a cidade do rap. "Nossa cidade é conhecida como a capital do rock, fora isso também fez história com o rap a partir dos anos 1990, eu diria que nós (a geração do freestyle) somos descendentes de toda essa vontade de mudança que o rock e o rap já traziam nas suas letras e nas suas causas, as rimas narram tudo que acontecem nas ruas da nossa cidade, as rimas são um reflexo do nossos sentimentos e vivências", reflete Zen.

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  • Lolly Farias.
    Lolly Farias. Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
  • Biro Ribeiro
    Biro Ribeiro Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
  • Museu da República
    Museu da República Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
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