ENTREVISTA

Pesquisador do DF estuda nova molécula que ajuda a perder peso

Em entrevista ao CB.Poder, o endocrinologista João Lindolfo Cunha Borges também criticou a OMS por não recomendar o uso de adoçante para o controle da perda de peso

José Augusto Limão*
postado em 19/05/2023 06:00
 (crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)
(crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)

A nova diretriz da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda que pessoas com foco no controle e perda de peso parem de consumir adoçante foi o tema do CB.Saúde — parceria entre Correio e TV Brasília — desta quinta-feira (18/5). À jornalista Carmen Souza, o endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia/DR, João Lindolfo Cunha Borges, destacou pesquisa que está comandando sobre uma nova molécula que está ajudando as pessoas na perda de peso.

A OMS começou a semana com uma nova diretriz, não recomendando o uso de adoçantes para controle e para perda de peso. É um produto consumido por muita gente durante muito tempo, inclusive. Como o senhor analisa esse posicionamento da OMS?

Isso ocasionou uma rebelião no mundo todo, sociedade europeia se pronunciou sobre as diretrizes e, recentemente, a Sociedade Brasileira de Diabetes de Endocrinologia também falou sobre isso. Na minha opinião, foi um desserviço, porque as pessoas que precisam do adoçante, por exemplo um diabético, não podem usar o açúcar comum. Nós temos, hoje, só no Brasil, mais ou menos 10% da população adulta com diabetes, eu não estou falando das pessoas que precisam fazer dieta. A gente sabe que 62% da população adulta brasileira têm excesso de peso, e são pessoas que usam o adoçante calórico ou não calórico. Eu acho que isso foi um desserviço, o adoçante vai continuar sendo usado. A Agência Reguladora Americana (FDA), alguns anos atrás, emitiu uma nota dizendo que, em geral, nós poderíamos usar duzentas vezes mais do que a média da população americana usa de adoçante. As pessoas se preocupam que produto é cancerígeno, é tóxico, mas não tem nenhuma evidência para isso.

A OMS alega que a recomendação é feita a partir de estudos científicos, e ela pondera que essa recomendação não vale para os diabéticos. Será que foi excesso de preocupação?

Os diabéticos, 90% deles, têm excesso de peso, e os estudos científicos mostram que você precisa (do adoçante) sim, então há uma aprovação. Se o obeso quer alguma coisa doce, quer comer um doce dietético e aquilo não é doce, qual o sentido disso? Eu acho que fazer dieta já é tão difícil, é torturante algumas vezes, e você restringir o poder do adoçante? Acho que é complicado. Posso estar errado, mas acredito que a OMS vai voltar atrás nesse ponto.

A recomendação também faz uma diferenciação de alguns produtos, inclusive muito conhecidos: sacarina, sucralose estão na lista dos não recomendados, mas outros como xilitol continuam sendo liberados. O que diferencia um produto do outro?

Todos que tem a terminação "ol", xilitol, manitol, são adoçantes calóricos, mas eles podem causar diarreia osmótica, ou seja, aquela diarreia aquosa. A grande parte da população tem intolerância ao xilitol, por exemplo, vai causar diarreia, gases e desconforto. Não é consenso nisso, tanto é que as várias sociedades do mundo se manifestaram sobre o posicionamento da OMS. Não tem nenhum dado, absolutamente nada que contraindica isso (o uso de adoçante), tem estudos americanos que mostram que o uso de adoçante não aumenta/melhora a saciedade. Isso é uma coisa, agora deixar de usar quem precisa comer um doce, alguma coisa eu acho que é demais.

A FioCruz fez um estudo recente que estima que quase 15% da população brasileira usa adoçante, estamos falando de um universo de pessoas muito grande. Quem está interessado em começar a fazer essas substituições, o que essa pessoa pode fazer ou deve fazer?

O que nós temos de natural hoje é a estévia, o natural dela depende do processamento também, ela pode ser ultraprocessada e não ser tão natural assim. Essa coisa natural é um nome que tem um apelo muito grande, mas vamos lembrar que os maiores venenos são naturais, como estricnina, por exemplo. Por exemplo, se eu vou comer algo doce e ponho ali muito suco ou muita fruta, aquilo vai ser hipercalórico, então eu estou trocando seis por meia dúzia ou seis por uma dúzia. O ótimo seria não usar açúcar, nem adoçante, mas as pessoas não conseguem viver sem isso, faz parte do nosso aculturamento. Ninguém nasce gostando de açúcar, mas isso faz parte da nossa cultura.

Você pegando e servindo no seu café ou suco, tem ali uma observação direta do que você está consumindo, mas o açúcar não está presente somente ali no açucareiro. Quais outros que são ricos em açúcar e podem estar afetando na quantidade de ingestão diária?

Uma coisa que é  bem vista e a gente precisa tomar cuidado são os sucos. Eu até digo que suco injeta açúcar na veia. Além disso, o benefício da laranja, além do gosto bom é o bagaço, e a fibra vai desperdiçar as vitaminas ali presentes. Isso aumenta muito o açúcar no sangue. A frutose é um outro tipo de açúcar, que vai aumentar o açúcar no sangue e é supercalórico. Durante entrevista com paciente diabético ou obeso, vemos que o uso de suco é muito comum. O paciente questiona, mas o suco não é? É bom, mas se você está preocupado com o seu açúcar e peso, deve tomar cuidado com isso. É melhor comer a fruta.

O senhor disse que é cultural do brasileiro comer muito doce. Diante disso, trabalhando com a realidade, há como fazer escolhas menos piores ou seja qual é o menos pior, entre açúcar e adoçante. Qual escolher, a gente pode fazer esse tipo de relação?

Assim, os açúcares são todos iguais, você pode pegar mascavo, ele não foi passado tanto pelo processamento, como a rapadura também não foi, mas continua sendo um açúcar. Nós não temos necessidade do açúcar, da mesma maneira do sal. O ser humano é o único indivíduo, o único animal que usa o sal para processar os alimentos. O brasileiro não tem o hábito de ler o rótulo, quando você vai para Europa, para os Estados Unidos, vê que eles leem o rótulo, sabem direitinho o que que tem ali. Se a gente lesse mais rótulos, acho que isso seria uma coisa boa para alimentação.

Então não faz diferença consumir açúcar refinado, demerara, mascavo?

O açúcar refinado passa por um processo químico, a gente não sabe qual químico tem ali, mas o açúcar mascavo, teoricamente, não passa por nada químico, nenhuma substância entrou em contato com ele.

Uma das justificativas da OMS para essa nova recomendação é evidências de que esse consumo a longo prazo o uso dos adoçantes pode aumentar o risco de diabetes e outras doenças cardiovasculares. A pessoa que está há 10 anos fazendo uso do adoçante e olha uma mensagem dessas ela, se assusta. O que ela pode fazer para se acalmar e ver se está mais vulnerável ou não a esses tipos de complicações?

Primeiramente, tem que ler rótulos, depois consultar um médico, um nutricionista. Eu desconheço e não existe nada contundente que mostre o aumento de câncer de diabetes a longo prazo (com uso de adoçante), isso não existe. 

Independentemente do uso do adoçante ou não, o país vive aí um quadro muito crítico de diabetes. O senhor pode avaliar esse cenário, os efeitos disso a longo prazo?

Até pelo estilo de vida e pela oferta de alimentos, o número de diabetes no mundo está aumentando, e no Brasil praticamente dobrou. Nós já temos 10% dos adultos e 50% das pessoas não sabem que têm diabetes, é um dado importante. Isso está ligado muito ao estilo de vida, ao ganho de peso e à vida sedentária. Como disse, 90% dos diabéticos são obesos. Antigamente nós tínhamos a presença de diabetes na população de maior poder econômico, e hoje são todas as classes, a gente não via na área rural e hoje  também tem. Nós temos um tipo novo de diabetes, que é a diabete de adulto na criança ou no adolescente. Exclusivamente por causa da obesidade.

O senhor fez essa relação da diabetes com a perda de peso, queria entrar na questão do emagrecimento. O senhor comanda uma pesquisa aqui no Distrito Federal de uma droga com resultados bastante promissores nesse sentido. Fale um pouco sobre essa pesquisa?

Tem uma molécula nova chamada Tirzepatida, nós inclusive estamos no segundo estudo. O primeiro foi para diabéticos com doença cardiovascular, ou seja quem teve infarto ou derrame, e o resultado foi ótimo, porque a gente queria prevenir o segundo derrame e infarto. Ela se comprovou muito efetiva e, pelos dados que nós temos, é a droga mais efetiva para perda de peso, todavia ainda não foi feito estudos exclusivamente para perda de peso. Nós temos agora um estudo de pessoas que têm IMC (índice de massa corporal) acima de 27 e que não tenham diabetes, e tenham algum risco de complicação cardiovascular. A gente vai focar agora na perda de peso, ela está autorizada na Europa e nos Estados Unidos, mas exclusivamente para diabetes ainda. E agora estamos fazendo estudos para liberar também para obesidade. Pelo que estudei, é a droga mais potente que tem. É uma injeção semanal que leva a uma grande perda de peso.

Qual a faixa mais ou menos de perda e a gente pode pensar em porcentagem?

Podemos pensar em porcentagem de mais de 25% do excesso de peso. Não do peso total, mas do excesso de peso. É um estudo de dois anos, muito curto, se a pessoa usar isso por longo período, pode perder até mais, e preciso lembrar que sempre acompanhado de uma dieta e exercício físico, não tem mágica.

Ela é da mesma classe ou é diferente da Semaglutida, que está fazendo sucesso também?

A Semaglutida se assemelha a uma droga que o intestino faz. A Tirzepatida se assemelha a duas drogas que o intestino faz. Então ela tem um efeito duplo, por isso que talvez ela seja a mais potente de todas. E é por isso que ela leva a perda de peso e tanta diminuição da glicose.

Um dos problemas da Semaglutida, são os efeitos adversos muito comum nos usuários. No caso da Tirzerpatida está mostrando algo parecido?

Eu participei de outros estudos também nessa classe e depende do cuidado da pessoa. O que dá o efeito colateral, e você comer grandes porções de comida, se você comer muita gordura — porque a droga paralisa o estômago —, então gordura no estômago muito tempo irá causar náusea. Então, repetindo grandes porções de muita gordura ou bebida alcoólica, a pessoa vai ter náusea, mas, caso contrário, é muito difícil ter colateral, se a pessoa controlar bem a alimentação.

Pode se falar então no fim da cirurgia bariátrica?

Podemos sim, falar no fim da cirurgia bariátrica, o cirurgião bariátrico gosta muito de falar isso, mas a cirurgia bariátrica não acaba quando o indivíduo faz o procedimento. Porque 70% das pessoas vão voltar depois de 10 anos a operar, os cuidados da cirurgia bariátrica são para sempre. Essas medicações não são baratas, estão em torno de R$ 800 por mês, mas se a gente for escrever na ponta do lápis o custo crônico da cirurgia bariátrica, talvez esse custo seja melhor, sem a mutilação do intestino e do estômago.

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