O alfaiate aposentado morador do Guará 1 Orlando Barbosa de Freitas acaba de completar nada mais, nada menos que um século de vida. Residente em Brasília desde 11 de janeiro de 1976, Orlando conversou com o Correio a fim de compartilhar os segredos da longevidade.
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Em bate-papo com o alfaiate, é possível perceber que o amor da família é um dos principais sustentáculos para uma vida tão longa. E haja amor: são 11 filhos, 19 netos e 15 bisnetos. E não é só a idade que impressiona. Orlando goza de uma saúde invejável. Não precisa usar óculos, exceto para leitura, tem excelente memória e o corpo centenário não o impede de fazer as atividades do dia a dia, como fazer e levar o café na cama de manhã cedo para a esposa, Maria Madalena Barbosa, que vai completar 98 anos em dezembro próximo. A relação dos dois é um exemplo de amor incondicional. Mas antes de saber da vida de seu Orlando hoje, é preciso retornar no tempo, mais precisamente 100 anos, para descobrir um pouco sobre as aventuras que viveu no último século.
Trajetória
A história começa em 11 de junho de 1923. Orlando nasceu em uma fazenda chamada Inhuma, na zona rural do município de Bertolínia, no Piauí, onde viveu a infância e juventude, até 1949. Foi para Floriano (PI) aprender o ofício de alfaiate e passou a circular pelas cidades do interior do estado para conseguir trabalho e dinheiro. Chegou a tentar a vida em um garimpo de diamantes, em Monte Alegre (PI). A atividade, segundo ele, também não muito lucrativa.
Após pegar um pau-de-arara de lá para Petrolina (PE) e atravessar o rio São Francisco, Orlando embarcou em um trem partindo de Juazeiro (BA) para Minas Gerais, onde fez baldeação para chegar a São Paulo capital. "Quando eu cheguei na cidade, que vi todos aqueles prédios, eu me assustei. A maior cidade que tinha visto até então era Floriano e não conhecia ninguém em São Paulo", recorda. Para efeito de comparação, a população de Floriano é estimada em cerca de 60 mil habitantes atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Lá, eu fiquei em um albergue que abrigava os retirantes nordestinos recém chegados à cidade. Um fazendeiro me deu a oportunidade de trabalhar no roçado de uma fazenda em Tanabi, no interior de São Paulo. Eu continuei tentando conseguir um trabalho de alfaiate, que sempre foi com o que eu quis trabalhar, mas ninguém queria dar emprego para um homem pobre e mal vestido", relembra. No entanto, ainda em 1949, Orlando conseguiu voltar para a alfaiataria e logo prosperou a ponto de ter uma loja própria em Jales (SP).
Madalena chega à vida dele em 1952, quando o piauiense fazia uma viagem de visita à mãe, em Bertolínia. O encontro com a amada foi a bordo de um barco a vapor no Rio São Francisco, no trajeto entre Pirapora (MG) e Remanso (BA), terra natal de Madalena. A paixão foi rápida o suficiente para fazer a baiana desistir do noivo que tinha para viver com o alfaiate. Em 1954 já estavam casados e com dois gêmeos, os primeiros dos 11 filhos que tiveram ao longo dos 69 anos de casamento. Todos foram criados em Jales.
Mas a cidade acabou ficando pequena para os anseios de Orlando, que viu na capital federal a chance de ampliar as possibilidades para os filhos. "Queria um lugar maior para eles estudarem. Três já moravam aqui, até que eu e o resto da família embarcamos para Brasília", conta (a memória de datas que seu Orlando tem, e faz questão de demonstrar, é impressionante). Ele e um dos filhos vieram na boleia do caminhão de mudança. Os outros sete filhos, junto à mãe, embarcaram em um ônibus.
Em Brasília, a família morou na Asa Norte e, quando Orlando e Madalena completaram 50 anos de casados, o casal mudou-se para o Guará, onde vive até hoje. No Distrito Federal, trabalhou na confecção de uniformes de empresas. "Gosto muito de Brasília. Não vou mais para nenhum lugar", confessa o alfaiate aposentado.
Fórmula
"Francamente, eu não sei qual é o segredo de chegar a essa idade com tanta saúde", confessa Orlando. No entanto, o piauiense revela alguns hábitos que podem ajudar na saúde que desfruta aos 100 anos. "Como nada enlatado e acordo todo dia cedo para levar café da manhã na cama para Madalena", diz. A união de quase sete décadas também é razão de bem-estar. "Graças a Deus, eu e ela tivemos muita sorte. A gente conversava muito antes de tomar alguma decisão, até nos negócios. E o temperamento calmo dela também conta, porque eu já não sou tanto. Não daria certo se ela não fosse assim", reflete. Hoje, a companheira de uma vida está com Alzheimer.
Orlando tem interesse por esportes. Corinthiano roxo, ganhou de aniversário uma camisa número 100 do time com o nome dele. Também é um exímio jogador de sinuca e tomou gosto pela pescaria. "Acredita que na pescaria você esquece de todos os problemas, até das dívidas? É o melhor esporte do mundo!", brinca. "Eu tenho 11 filhos, 19 netos, 15 bisnetos e vários genros e noras, e nunca fiquei de mal com ninguém, nem com estranhos. Até no garimpo, que é o lugar mais barra pesada que já fui, briguei com ninguém. Nunca apanhei, nunca bati. Só levei tapa da minha mãe", relata.
Elaine Maria Barbosa de Freitas, 54, a filha mais nova de Orlando e Madalena, afirma que o maior aprendizado com os pais são os valores. "Eles tiveram uma vida de muita luta, mas eles deram exemplo de honestidade e lealdade com as palavras para a gente", lembra. Ela mora com Orlando e Madalena na mesma casa, no Guará 1. Ela é responsável por cuidar do pai e da mãe.
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Cerimônia muito intimista
Orlando e Madalena se casaram em 1954, em São Paulo (SP). "Como eu conhecia ninguém na cidade, só foram para a cerimônia eu, Madalena, o padre e duas testemunhas", relata Orlando. Ao lado a foto do dia do casamento, hoje com 69 anos.