Crime

Um verdadeiro massacre contra as mulheres do DF

O número de feminicídios registrados no DF de janeiro de 2023 até o momento já é o mesmo contabilizado durante todo o ano de 2022

Eduardo Fernandes
Mila Ferreira
Suzano Almeida
postado em 26/06/2023 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

Ao todo, do início de 2023 até o momento, 17 mulheres foram vítimas de feminicídio no Distrito Federal, isto é, foram covardemente assassinadas como consequência de violência doméstica ou somente pelo fato de serem mulheres. A estatística preocupa e acende um alerta no DF, uma vez que o número é equivalente ao total de feminicídios registrados durante todo o ano de 2022. Especialistas ouvidas pelo Correio apontam que o cenário é reflexo da fragilidade das políticas públicas voltadas às mulheres ao longo dos últimos anos e da forma como a sociedade trata homens e mulheres.

"Considerando os últimos 10 anos, 2022 foi o ano em que menos se teve investimento em ações e políticas públicas de combate à violência e incentivo à igualdade de gênero. Enquanto continuamos sem políticas públicas que incentivem a igualdade em todas as esferas e ajudem a combater a violência contra a mulher, a ideia que se passa é que mulheres podem ser objetos e pertencer aos homens. É muito complicado. A violência contra a mulher atinge pessoas de todas as idades e de todas as classes sociais", observou Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF).

Cristina pontuou ainda que a proximidade das ocorrências dos casos de feminicídios é algo a ser considerado, uma vez que os números estão crescendo em um curto espaço de tempo. "Algo que me preocupa muito é a proximidade entre os feminicídios. Isso é muito grave. Deve haver um olhar da Secretaria de Segurança e do Judiciário a respeito disso. Em muitos casos, as mulheres tinham medidas protetivas, mas sem eficácia. Precisamos começar a repensar em como deve ser feito o tratamento, na prática, desses agressores, senão, vamos continuar vendo mulheres morrendo e veremos números recordes", analisou a especialista.

Fuga

Jonas Costa Patáxia, 29 anos, matou a ex-companheira no último sábado e fugiu. Antes de desaparecer, o criminoso apagou todas as suas redes sociais. A informação dada pela família da vítima, Emily Talita da Silva, 20 anos, pode ter relação com uma tentativa, por parte do suspeito ainda foragido, de evitar ser identificado e denunciado. O caso ocorreu no Sol Nascente e é investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Ceilândia (Deam II).

O crime aconteceu em frente a uma distribuidora de bebidas, na Chácara 64. Emily comemorava seu aniversário — ocorrido dois dias antes — com uma amiga. O ex-namorado estava no mesmo local e queria levá-la embora com ele. Ao ter negados os insistentes pedidos, eles se desentenderam e ela resolveu ir embora. Foi quando, pelas costas, Jonas deu a facada em Emily e fugiu da cena do crime. O socorro foi chamado, mas a jovem morreu no local. Ela deixa uma filha de um ano e meio.

Jonas possui passagens por outros crimes, como roubo. A exclusão das redes sociais para não ser identificado foi revelada pela própria família da vítima. Segundo uma parente, quando pesquisado os contatos do suspeito na rede mundial de computadores nada foi encontrado, dando a entender que o assassino está tentando ocultar sua identidade.

Enquanto Jonas está foragido, a família busca arrecadar recursos para realizar o velório e o enterro de Emily. A previsão é que a cerimônia de despedida ocorra entre hoje e amanhã. No entanto, Yngrid da Silva, 24, irmã da vítima, afirma que os parentes também estão se reunindo para fazer uma passeata pedindo justiça pela vida de Emily. "Vamos fazer blusas em homenagem a ela. Vai dar certo, vamos conseguir", finaliza.

Recorrente

Segundo a familiar, há cerca de três meses, Jonas teria tentado esfaquear Emily. O golpe atingiu um amigo do suspeito. A jovem procurou a polícia e possuía uma medida protetiva contra seu algoz. Apesar disso, ele não se afastava e outros familiares, durante e após o término do relacionamento entre os dois, pediam o afastamento.

Ao Correio, uma parente, que não quis ser identificada conta que as agressões ocorriam há algum tempo. "Já vinha de um tempo que ele ameaçava todo mundo. Toda a família. A gente vivia falando para ela que o Jonas era bastante agressivo, que devia se afastar e viver a vida dela", comenta a parente de Emily.

Jonas continua foragida. Caso tenha alguma informação, a denúncia sobre o paradeiro dele pode ser feita anonimamente pelo telefone 197 da Polícia Civil do Distrito Federal.

Números alarmantes

Até 22 de junho, o Painel de Feminicídios da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF) apontou 16 crimes contra mulheres desta natureza. Com Emily, os casos oficiais sobem para 17 casos oficiais de feminicídio. Esse número, segundo a pasta, iguala todo o ano de 2022 com os mesmos 17 casos oficiais.

A SSP-DF explica que os casos de violência contra a mulher são definidos por uma Câmara Técnica, que avalia uma a uma as ocorrências. O órgão explica que a qualificação pode mudar, de acordo com andamento das investigações ou, ainda, segundo o entendimento da Justiça, uma vez que o feminicídio é um qualificador para o crime de homicídio.

O que caracteriza o feminicídio, de acordo com a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, é a condição da mulher em relação ao seu algoz. O crime pode ser caracterizado pelo sentimento de posse ou ainda pelo simples fato de ocorrer em decorrência do gênero.

Para denunciar a violência contra a mulher, a SSP-DF indica os números 190 da Polícia Militar, 197 da Polícia Civil. Ainda é possível fazer pedido de ajuda pelo telefone 180.

Viva Flor

A SSP-DF disponibiliza às mulheres do Programa Sistema de Segurança Preventiva para Mulheres em Medida Protetiva de Urgência o aplicativo Viva Flor. Após ser acionado, o mesmo mostra em tempo real a localização da mulher em situação de vulnerabilidade e permite às forças de segurança chegarem com mais agilidade ao local do socorro.

 

O ciclo da violência contra a mulher, por Verônica Acioly, defensora pública, doutora em Direito Público e Politicas Públicas e pesquisadora da área de violência contra a mulher 

"A gente vive reflexos de um período de intolerância e desrespeito às diferenças, não só na área política, mas em vários setores da sociedade. Vivenciamos um momento em que as pessoas falam mais, se manifestam mais, mas estão pouco permeáveis à troca real de ideias para que se chegue em um ponto de vista consensual. A violência contra a mulher é uma das camadas de uma sociedade desigual do ponto de vista econômico, cultural, tecnológico, político e de gênero.

Gênero é a primeira forma de distribuição de poder. A partir do momento em que se identifica se a criança é menina ou menino, cria-se uma série de expectativas sociais em cima daquele ser que sequer nasceu. Mesmo com o desenvolvimento das teorias sobre gênero, vivemos um momento de retrocesso, em que se rediscutem questões que acreditávamos estarem superadas.

Como falava Simone de Beauvoir, sempre que há momentos de retrocessos políticos e econômicos, os primeiros direitos ameaçados são os das mulheres. As camadas mais vulneráveis socialmente — como crianças, idosos e mulheres — sentiram a fragilidade de seus lugares na pandemia e no pós-pandemia. Além disso, surgiu um desmascaramento onde as pessoas que acreditam na superioridade de uma raça, de um gênero ou de uma classe perderam o pudor de declarar isso.

Então, acredito que, nessa panela de pressão, a mulher está no cruzamento de várias desigualdades. A maioria dos feminicídios acontece com mulheres que não são brancas e pertencem a classes menos favorecidas. Se isso acontece na capital do país, um lugar onde a segurança pública é melhor aparelhada, imagine o que acontece nos interiores do Norte e do Nordeste. Se há um termômetro e a temperatura está alta no Distrito Federal, esse termômetro já estourou em vários municípios do Brasil.

É importante pontuar que as soluções oferecidas pelo Judiciário são pós-problema, quando já existe um conflito, já existe uma violência e o criminoso, mesmo assim, mata a mulher. Isso ocorre porque o problema não é apenas jurídico. O problema envolve várias camadas da sociedade. A medida protetiva é uma decisão judicial importantíssima e que deve ser valorizada, mas sem uma mudança de mentalidade na forma de educar meninos e meninas, parte das medidas protetivas vão continuar sendo ineficazes."

Verônica Acioly, defensora pública, doutora em direito público e politicas públicas e pesquisadora da área de violência contra a mulher

Como pedir ajuda

- Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.

- Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF).
E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br
WhatsApp: (61) 98626-1197
Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher

- Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes.

- Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.

Deam 1:
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br

Deam 2:
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
Telefoes: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438

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  • Foragido: Jonas Costa Patáxia, 29, matou a ex-companheira e fugiu
    Foragido: Jonas Costa Patáxia, 29, matou a ex-companheira e fugiu Foto: Fotos: Arquivo pessoal
  • A vítima deixa uma filha de um ano e meio. Mesmo com medida protetiva acusado não se afastou
    A vítima deixa uma filha de um ano e meio. Mesmo com medida protetiva acusado não se afastou Foto: Arquivo pessoal

O ciclo da violência contra a mulher, por Verônica Acioly, defensora pública, doutora em Direito Público e Politicas Públicas e pesquisadora da área de violência contra a mulher

"A gente vive reflexos de um período de intolerância e desrespeito às diferenças, não só na área política, mas em vários setores da sociedade. Vivenciamos um momento em que as pessoas falam mais, se manifestam mais, mas estão pouco permeáveis à troca real de ideias para que se chegue em um ponto de vista consensual. A violência contra a mulher é uma das camadas de uma sociedade desigual do ponto de vista econômico, cultural, tecnológico, político e de gênero.

Gênero é a primeira forma de distribuição de poder. A partir do momento em que se identifica se a criança é menina ou menino, cria-se uma série de expectativas sociais em cima daquele ser que sequer nasceu. Mesmo com o desenvolvimento das teorias sobre gênero, vivemos um momento de retrocesso, em que se rediscutem questões que acreditávamos estarem superadas.

Como falava Simone de Beauvoir, sempre que há momentos de retrocessos políticos e econômicos, os primeiros direitos ameaçados são os das mulheres. As camadas mais vulneráveis socialmente — como crianças, idosos e mulheres — sentiram a fragilidade de seus lugares na pandemia e no pós-pandemia. Além disso, surgiu um desmascaramento onde as pessoas que acreditam na superioridade de uma raça, de um gênero ou de uma classe perderam o pudor de declarar isso.

Então, acredito que, nessa panela de pressão, a mulher está no cruzamento de várias desigualdades. A maioria dos feminicídios acontece com mulheres que não são brancas e pertencem a classes menos favorecidas. Se isso acontece na capital do país, um lugar onde a segurança pública é melhor aparelhada, imagine o que acontece nos interiores do Norte e do Nordeste. Se há um termômetro e a temperatura está alta no Distrito Federal, esse termômetro já estourou em vários municípios do Brasil.

É importante pontuar que as soluções oferecidas pelo Judiciário são pós-problema, quando já existe um conflito, já existe uma violência e o criminoso, mesmo assim, mata a mulher. Isso ocorre porque o problema não é apenas jurídico. O problema envolve várias camadas da sociedade. A medida protetiva é uma decisão judicial importantíssima e que deve ser valorizada, mas sem uma mudança de mentalidade na forma de educar meninos e meninas, parte das medidas protetivas vão continuar sendo ineficazes."

Verônica Acioly, defensora pública, doutora em direito público e politicas públicas e pesquisadora da área de violência contra a mulher

Peça ajuda

COMO PEDIR AJUDA
- Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.

- Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF).
E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br
WhatsApp: (61) 98626-1197
Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher

- Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes.

- Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.

Deam 1:
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br

Deam 2:
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
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