Brasília falhou em "exportar" para o resto do país o modelo de respeito à faixa de pedestres. Mas consolidou, ao menos nas ruas do Plano Piloto, o hábito que salva vidas. Quem desrespeita a norma não o faz sem depois passar por alguma vergonha fruto da desaprovação e da tolerância zero de quem presencia a cena.
Longe de ser uma ilha da fantasia, Brasília reúne, porém, todos os privilégios que a colocam em posição extremamente favorável para tornar-se exemplo em todas as áreas. Saúde, educação, segurança, respeito e tolerância. Tudo isso deveria ser via de regra na capital, com o perdão do trocadilho torto com o trânsito.
Sua juventude a torna elegível para ser a mais compreensível e acolhedora metrópole da comunidade LGBTQIAP , de pretos e pobres, crianças e adolescentes, mulheres. Seus edifícios etéreos de estruturas gastas pela ação do tempo dão a sobriedade e a experiência para entender os mais complexos desafios e transformá-los em soluções.
Mas nós, meros mortais, seguimos cometendo os pecados de tantas gerações e das cidades centenárias. Assim como elas, também não aprendemos com os nossos erros e os reproduzimos a cada dia. As mulheres continuam morrendo vítimas da violência de gênero e a série de reportagens que o Correio publica esta semana mostra que a comunidade LGBTQIAP tem um de seus direitos mais básicos cerceado: o de ir e vir em segurança.
A realidade que se escancara nas páginas do jornal e em outras centenas de links no site e de postagens nas redes sociais solta um grito de urgência. É o mesmo apelo que se ouve por tantos outros cantos do Brasil, como na voz embargada há 30 anos que sai da garganta de sobreviventes e de parentes de vítimas da chacina da Candelária. "Quando vão parar de matar filhos de mulheres pretas", desabafou uma mãe em reportagem relembrando a triste data que marca o assassinato de oito jovens aos pés da escadaria de uma igreja.
Falar sobre trânsito e transporte público nesse cenário pode parecer acessório, mas o direito à cidade passa por essa face importante do seu usufruto pleno. Quem mora em regiões afastadas do centro gasta, por vezes, tanto tempo no trajeto até o trabalho quanto efetivamente trabalhando. Os momentos de lazer se tornam raridades e a saúde, física e mental, cobra seu preço.
A conjuntura de fatores nos deixa mais vulneráveis e violentos. Para quem tem pouco ou nenhuma instrução ou simplesmente desprezo pela diversidade, a falta de informação e de presença efetiva do Estado faz a mistura perfeita para o caos. A saída é clara, mas complexa. Para resumir, lembro as palavras do profeta: Gentileza gera gentileza.
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