Trânsito /

De moto, brasiliense pega o caminho da economia e do emprego

O número de motocicletas aumentou 46,9% na capital do país, nos últimos 10 anos. Especialista ressalta que a pandemia impulsionou o mercado, pelos valores mais baixos e pela procura por trabalho, como o de entregador de produtos e serviços

O crescimento do mercado de entregas por aplicativo, aliado a praticidade, elevou a preferência pelas motocicletas no Distrito Federal -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O crescimento do mercado de entregas por aplicativo, aliado a praticidade, elevou a preferência pelas motocicletas no Distrito Federal - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 30/09/2023 06:00

Praticidade. Economia. Fugir do trânsito. Muitos são os motivos para que a moto seja a escolha preferida dos brasilienses e os números comprovam isso. Na última década, a quantidade de motocicletas na capital do país cresceu 46,9%, de acordo com dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF) — passando de 176.658, em 2014, para 259.645, até setembro de 2023. O aumento é 20,9 pontos percentuais maior do que o de veículos em geral, no mesmo período — o crescimento registrado foi de 26%, passando de 1.384.724 para 1.745.972.

O maior índice de aumento percentual ocorreu durante o período marcado pela pandemia causada pela covid-19 (confira o quadro). Para o coordenador de graduação em economia, gestão pública e financeira do Centro Universitário Iesb, Riezo Silva, aquele momento causou um grande impacto. "Com o poder aquisitivo da população em queda, uma alternativa foi aquisição de motos, para se tornar competitivo em empregos que surgiram com força nesses últimos anos, como entregador de produtos e serviços", explica.

Ele esclarece que ocorreu a chamada "uberização". "As plataformas digitais, que ofertam produtos e serviços, contratam trabalhadores, em geral, que têm motos para a prestação dos serviços. Portanto, o aumento do número de motos vendidas em 2022 pode estar ligada ao crescimento da profissão de entregador", avalia o especialista.

Quem se encaixa na situação descrita pelo professor é Anderson Gomes, 32 anos. O motoboy, que mora em Santo Antônio do Descoberto (GO), conta que tem a moto há alguns anos, mas passou a utilizá-la como meio de trabalho no período da pandemia. "Era uma época que o emprego estava difícil, aí comecei a trabalhar em uma pizzaria e depois passei para o aplicativo de entregas. Gostei e estou até hoje", relata.

Para ele, o fato de ter motocicleta ajudou bastante. "No 'pique' de Brasília, ter a moto colabora na hora de encontrar uma vaga e manobrar, por exemplo. A praticidade é bem maior", comenta. Gomes afirma que costuma rodar em torno de 200 km, todos os dias. "O fato de ter uma moto faz a diferença, porque ela não consome muito do orçamento com gasolina. Coloco R$ 30, por dia, o que dá uns R$ 660, por mês. Nunca gastaria só isso de carro", observa.

Para o motoboy, em questão de economia, a moto é a grande campeã entre os meios de transporte. "O carro, ainda mais que a gente está saindo agora de uma crise causada pela pandemia, está muito pesado. Para quem vai trabalhar, perdeu o emprego e está pensando em conseguir dinheiro, uma moto pode ser o passe de entrada para isso", aconselha.

Comparação

Paulo Carvalho, 26, é recepcionista e motoboy. O morador do Guará, que tem moto desde 2020, destaca que escolheu o veículo como meio de transporte para trabalhar, pela praticidade de locomoção. "Ela também contribui no aspecto econômico. Não pesa muito no meu orçamento, na questão de gasolina e manutenção, por exemplo", aponta. "Com certeza é bem mais barato, em relação ao carro. A moto, com um litro de gasolina, anda até 40 Km", compara.

A vendedora autônoma Geissiane Rodrigues, 39, é outra que "se rendeu" à moto pela questão econômica. Ela, que mora em Taguatinga, afirma que roda cerca de 100 km diariamente e faz as contas para elogiar o veículo que adquiriu há cerca de quatro meses. "A minha moto, quando ando na região de Taguatinga, costuma fazer em torno de 50km/L de gasolina. Um carro, por mais econômico que seja, faz uma média de 15", calcula. "Meu gasto mensal com o combustível chega a R$ 100, valor que um motorista de carro costuma colocar por semana", acrescenta.

Além disso, para Geissiane, a moto é uma "mão na roda" no trânsito de Brasília. "Todo mundo sabe que não é fácil rodar aqui, então, para mim, a moto está fazendo uma grande diferença na hora de realizar as minhas entregas e fazer a correria do dia a dia", avalia. "Em comparação ao transporte público, por exemplo, ela é bem mais prática. O ônibus, além de ser mais lento, por ter que parar de ponto em ponto, não vai até onde realmente preciso chegar", lamenta.

"Sem contar que o tempo gasto seria enorme. Um trajeto diário meu, sendo feito de ônibus, duraria pelo menos três horas. De moto, faço em cerca de uma hora", compara a vendedora. Mesmo assim, Geissiane faz uma ressalva. "Tem que gostar (de moto) e se reeducar no trânsito. Porque a moto não é igual um carro, qualquer vacilo, você escorrega e cai. Tem que ter muito cuidado", alerta.

Outros impactos

O economista Riezo Silva pondera que, embora os impactos financeiros sejam interessantes, é importante lidar com alguns desafios associados à motocicleta, "como a segurança no trânsito e o desenvolvimento de estrutura por parte do governo, para comportar as motos circulando na cidade, com o aumento de riscos de acidentes de trânsito".

Um projeto de lei em tramitação nas comissões da Câmara Legislativa (CLDF), de autoria do deputado distrital Fábio Félix (PSol), pretende criar uma faixa exclusiva para veículos de duas rodas, como motos, motocicletas, motonetas e ciclomotores, com o propósito de melhorar o fluxo nas vias de trânsito da capital federal.

A proposta do distrital visa reduzir o número de acidentes de trânsito e, em abril, foi aprovada de forma unânime na Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU) da CLDF. O projeto deve ser apreciado em outras três comissões, antes de ir ao plenário. "É uma forma de criar regras no trânsito para a segurança de motociclistas que são muito vulneráveis no trânsito diante dos outros veículos automotores", destaca Fábio Félix.

Cuidados no trânsito

Mesmo destacando as vantagens que ter uma moto traz, todos os entrevistados relataram os perigos que o veículo carrega consigo. Apesar dos números do Detran-DF mostrarem que houve uma redução na quantidade de motociclistas mortos, por conta de sinistros de trânsito, o diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do departamento, Clever de Farias Silva, dá orientações de como tornar o percurso mais seguro para quem está pilotando.

"O primeiro ponto a se destacar é a importância do cumprimento das normas de circulação. A motocicleta é um veículo automotor e precisa seguir as regras como os demais veículos", afirma. "Infelizmente, alguns motociclistas insistem em transitar por locais indevidos, como calçadas, canteiros centrais e marcas de canalização, além de realizarem retornos em locais proibidos", ressalta.

O diretor avalia que esses desrespeitos caracterizam infrações de trânsito e trazem um grande risco de sinistros que podem envolver pedestres, ciclistas e o próprio motociclista. "Também é preciso ter cuidados básicos, antes de colocar a moto em circulação na via. Entre eles, podemos destacar os cuidados com o sistema de iluminação, a manutenção dos pneus em bom estado de conservação e calibrados, bem como a lubrificação da corrente em dia", detalha Clever de Farias.

Por último, o especialista do Detran-DF alerta sobre a necessidade de manter a postura correta durante o trajeto. "É importante que o condutor evite andar nos pontos cegos dos veículos, mantenha uma distância frontal e lateral segura dos outros carros e se atente para o período de chuvas, que se inicia nos próximos dias", comenta. "Vale lembrar que o motociclista é o primeiro responsável pela própria segurança e seguir as normas de circulação e ter uma postura correta no trânsito são regras fundamentais para que tenhamos um trânsito seguro para todos", acrescenta o diretor.

Frota em números

2014 176.658

2015 185.138 ( 4,8%)

2016 190.440 ( 2,9%)

2017 196.292 ( 3%)

2018 203.483 ( 3,7%)

2019 212.805 ( 4,6%)

2020 221.298 ( 4%)

2021 233.979 ( 5,7%)

2022 248.163 ( 6%)

2023* 259.645 ( 4,6%)

*até 28 de setembro Fonte: Detran-DF

 

*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida

 

 

  • Paulo Carvalho escolheu a moto pela praticidade de locomoção e economia:
    Paulo Carvalho escolheu a moto pela praticidade de locomoção e economia: "Não pesa muito no meu orçamento" Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Anderson Gomes precisou utilizar o meio de transporte para trabalhar
    Anderson Gomes precisou utilizar o meio de transporte para trabalhar Foto: Carlos Silva*/CB/D.A Press
  • Geissiane comprou o veículo há quatro meses e o utiliza nas entregas
    Geissiane comprou o veículo há quatro meses e o utiliza nas entregas Foto: Carlos Silva*/CB/D.A Press
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação