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Transporte clandestino coloca vidas em risco. Fiscalização diminui

Mesmo com a falta de segurança, fiscalização do Detran sobre veículos irregulares cai pela metade de janeiro a setembro deste ano em comparação ao mesmo período de 2022. Serviço clandestino segue em vários pontos do DF

Mulher desembarca de carro pirata na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto  -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Mulher desembarca de carro pirata na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 25/10/2023 03:55

A pressa para chegar ao trabalho e a praticidade de ter um carro pirata à disposição pesam na decisão do usuário que precisa esperar cerca de uma hora para pegar um ônibus que passa lotado nas paradas. Mas esse argumento da maioria dos usuários do transporte pirata pode oferecer riscos à vida dos demais condutores e pedestres. Na noite de 21 de outubro, um ônibus clandestino tombou na BR-070, matando cinco pessoas e ferindo 15. Apesar da falta de segurança, a quantidade de autuações realizadas pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) diminuiu de 3 mil para 1,5 mil, o que representa queda de 50% de janeiro a setembro deste ano, em relação ao mesmo período de 2022.

Com pouca fiscalização, o movimento de transporte irregular de passageiros é comum em diversos pontos do DF, como a Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig), W3 Sul e Norte, L2 Sul e Norte e centro de Taguatinga. A reportagem apurou que, na Rodoviária do Plano Piloto — um dos pontos mais movimentados por esse tipo de serviço clandestino — mais de 200 motoristas buscam e levam passageiros para diversos destinos, como Sobradinho, Lago Norte, Asa Norte e Paranoá. 

A empregada doméstica Luciana Alves, 27 anos, paga R$ 5,50 para chegar ao trabalho, em Sobradinho. Ela considera esse meio de transporte mais rápido para chegar no destino final. "Se o governo investisse mais em transporte público, eu não precisaria estar usando transporte pirata", afirma.

Luciana utiliza o "piratão" há dois anos e diz conhecer os motoristas e sentir confiança no trabalho deles. De segunda a sexta-feira, ela pega um ônibus do Paranoá até a Rodoviária, de onde parte de carro pirata até o serviço. "Onde moro passa um ônibus uma vez na vida e outro na morte. Mas a gente tem que chegar ao trabalho. Por isso que eu opto pelo transporte pirata", argumenta.

Um motorista de carro clandestino, que não quis se identificar, conta que trabalha das 5h as 18h com um grupo de motoristas. Cada um tem seu carro e pega quatro passageiros por viagem. O lucro, segundo ele, é relativo, mas costuma ser de R$ 100 a R$ 200 por dia. "Cobramos até R$ 20 mais barato do que uma viagem de transporte por aplicativo. Tem dia que tem fiscalização aqui e não rodamos", detalha.

Ele assegura que faz manutenção no carro, desde a troca de óleo mensal à pastilha de freio, uma vez por ano. Mas esse cuidado não é uma unanimidade no grupo. O motorista reconhece que alguns colegas aproveitam para cometer assédio sexual com passageiros. "Esses não rodam diariamente e aproveitam do sistema para assediar as vítimas, como fez o Marinésio em Planaltina (no feminicídio de Letícia Curado)", lembra.

O presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte Lima, diz que prefere usar o termo "irregular" no lugar de "clandestino" em relação a esse tipo de transporte sem lei. "Todo mundo sabe que ele existe e onde é que se encontra, tanto que são as pessoas que buscam esse tipo de transporte e o governo não consegue achar esses caras? É incompetência do governo", observa.

Lima aponta como um dos principais problemas desse tipo de transporte é a ausência de controle, especialmente quando se refere a viagens de longa duração. "Também há problemas em relação aos veículos. "Sem manutenção, os pneus ficam carecas, não se sabe se vai acabar o freio. São veículos que, geralmente, apresentam algum risco. Outro ponto é que ele concorre com o transporte regular de forma predatória. Não paga impostos e não tem empregados", analisa o presidente do IST.

Mas há quem evite usar esse meio de locomoção, decisão da auxiliar administrativa Sibelle Marla, 35, que sai de Valparaíso de Goiás, no Entorno do DF, onde mora, para ir de ônibus até o trabalho, na Asa Norte. "Na minha cidade tem transporte pirata, mas venho de ônibus, mesmo que venha cheio, porque tenho muito receio. Nunca sei se a pessoa vai ter má intenção ou não", comenta.

Sibelle acredita que o transporte pirata não é aconselhável para mulheres por serem mais vulneráveis. "Sempre procuro avisar a minha mãe para evitar esses veículos porque ficamos sabendo na mídia de casos de violência contra mulher", opina a auxiliar administrativa.

Fiscalização

O Detran assegura que realiza, diariamente, a fiscalização de trânsito em todo o DF. "Veículos flagrados realizando transporte remunerado de pessoas sem autorização da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), são autuados conforme prevê o artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro", informa. Como medida administrativa, os agentes fazem a remoção do veículo. A autarquia faz um alerta para a infração gravíssima, com multa de R$ 293,47 e sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Para ter maior efetividade neste tipo de fiscalização, a Diretoria de Policiamento e Fiscalização de Trânsito negocia com órgãos do GDF para que os dados de veículos autorizados a realizar o transporte remunerado de pessoas por aplicativos sejam compartilhados com o órgão de trânsito. Dessa forma, a autarquia entende que o agente de trânsito poderá consultar no sistema, pela placa, qual veículo tem, ou não, a devida autorização. O Detran garante que a fiscalização de transporte irregular de passageiros, inclusive na região do Aeroporto de Brasília, será mais efetiva.

Pela falta de fiscalização à noite, a cuidadora de idosos Railma dos Santos, 29, evita pegar veículo pirata no fim do dia. Moradora de Santa Maria, ela desce de ônibus na Rodoviária e costuma pegar um carro clandestino por volta das 7h para chegar ao trabalho no horário correto. "Uso mais pela praticidade, porque não temos outra opção. Pago R$ 4, que é mais barato do que pagar um transporte por aplicativo, que custaria R$ 10", compara.

Mesmo quando Railma ouve os motoristas gritarem o destino "Asa Norte!", ela repara se há apenas homens no carro. "Acho melhor pegar um carro que tenha só mulher ou com mulheres e homens para eu me sentir mais segura. Deveria ter uma fiscalização maior por parte do Detran por aqui, porque muitas vezes a gente opta por esse transporte porque há poucas opções de ônibus", finaliza.


  • Homem desembarca de carro pirata na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto
    Homem desembarca de carro pirata na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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