SISTEMA FINANCEIRO

BRB paga dividendos a acionistas mesmo estando com prejuízo

Relatórios para investidores, ofício do BC e avaliação de agência apontam deterioração dos indicadores do banco que teve rescindida parceria com entidade portuguesa para loteria e, para aumentar liquidez, vendeu carteiras de consignados

Entre janeiro e junho últimos, o BRB não só transferiu 100% dos ganhos contábeis a seus acionistas, o principal deles, o Governo do Distrito Federal (GDF), como ainda pagou uma quantia além -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Entre janeiro e junho últimos, o BRB não só transferiu 100% dos ganhos contábeis a seus acionistas, o principal deles, o Governo do Distrito Federal (GDF), como ainda pagou uma quantia além - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
postado em 05/11/2023 00:00 / atualizado em 05/11/2023 00:00

Lisboa — O Conselho de Administração do Banco de Brasília (BRB) ignorou por completo a situação nada confortável da instituição e aprovou o pagamento de dividendos a acionistas neste ano maior do que a política recomendada em estatuto. Em regra, o arcabouço que dá as diretrizes ao banco indica que, para manter a sustentabilidade patrimonial, a repartição obrigatória deve ser de, no máximo, 40% dos resultados positivos.

Entre janeiro e junho últimos, o BRB não só transferiu 100% dos ganhos contábeis a seus acionistas, o principal deles, o Governo do Distrito Federal (GDF), como ainda pagou uma quantia além. O lucro contábil no primeiro semestre, sabe-se, foi de R$42,1 milhões, mas a fatura dos dividendos chegou a R$ 52 milhões, conforme relatório do Conselho Fiscal ao qual o Correio teve acesso.

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O Banco Central apontou inconsistências de R$ 322 milhões nos balanços de 2022 e 2023, sendo R$ 169 milhões referentes a uma reestruturação acionária que envolveu a BRBCard. R$ 77,4 milhões são ligados a uma parceria com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, na área de loterias, vetada pelo órgão regulador (foto: editorias de arte)

Essa informação, por si só, levantou questionamentos. Mas se descobriu que o BRB já havia antecipado aos acionistas, no primeiro trimestre do ano, dividendos, em forma de Juros sobre Capital Próprio (JCP), no valor de R$ 16,2 milhões, apesar de, no período, a instituição ter computado prejuízos superiores a R$ 43 milhões. Não só. O lucro acumulado no primeiro semestre, de R$ 42,1 milhões, ocorreu apenas porque o BRB lançou mão de créditos tributários no valor de R$ 71,6 milhões para ficar com um saldo positivo. O negócio mesmo do banco apontou perdas de R$ 23 milhões antes desse artifício contábil.

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Relatório de Informações Trimestrais do BRB, disponível na internet, aponta a captação de quase R$1 bilhão com a carteira de consignados de servidores e aposentados superendividados. As operações ocorreram em 29 e 30 de junho, no prazo final para entrar no balanço do primeiro semestre de 2023 (foto: editorias de arte)

No documento do Conselho Fiscal, há o alerta da Diretoria Financeira e de Controladoria de que a distribuição excessiva de dividendos prejudicaria os indicadores de solvência levados em consideração pelo Banco Central. O maior impacto se deu no Índice de Capital Principal (ICP), que está muito próximo do mínimo exigido de 7%. Os técnicos do BRB, inclusive, fizeram simulações sobre tal indicador com e sem o pagamento de dividendos acima do limite de 40% previsto em estatuto. Com o pagamento total dos dividendos, o ICP em junho ficou em 7,93. Sem os excessos da distribuição dos lucros, o índice subiria para 8,02. Projetado para setembro, com os dividendos totais, o IPC cravaria 7,85 e, sem os gastos extras, marcaria 7,99.

A mesma conta foi feita para o Índice de Basileia, parâmetro internacional que mede a saúde de uma instituição financeira. O mínimo exigido pelo Banco Central no Brasil é de 10,5. Com o pagamento total dos dividendos aos acionistas, o indicador fechou junho deste ano em 14,95, mas poderia ter ido a 15,04, se o Conselho de Administração tivesse seguido a política de distribuição dos lucros definida em estatuto. Nas estimativas para setembro, com a mão aberta do BRB, o Índice de Basileia ficaria em 14,62 e, num quadro sem estripulias do comando do banco, saltaria para 14,76.

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A Moddy's indicou que a perspectiva do BRB é negativa (foto: editorias de arte)

Em um trecho do relatório do Conselho Fiscal, os técnicos do BRB enfatizam: "É importante assegurar o enquadramento do banco nos níveis de capital regulatórios, principalmente quando se observa que o ICP apurado está muito próximo do mínimo regulamentar". Mantida essa política de pagamento de dividendos, muito em breve, o Banco de Brasília terá de fazer um amplo processo de capitalização. A instituição cogita uma emissão de ações de até R$ 2 bilhões em 2024.

Na mira no BC

Desde o início desde ano, o Banco Central vem olhando com lupa os números do BRB. Na primeira leva de fiscalização, a autoridade monetária encontrou inconsistências no valor de R$ 322 milhões nos balanços de 2022 e 2023. Desse montante, R$ 169 milhões são referentes a uma reestruturação acionária que envolveu a BRBCard; R$ 75,8 milhões estão relacionados a dividendos do GDF que o banco lançou como seus; e R$ 77,4 milhões são ligados a uma parceria entre a instituição e a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa na área de loterias, operação que foi vetada pelo órgão regulador.

Ao ser obrigado a corrigir os números e trazer os demonstrativos financeiros para a realidade, o BRB republicou o balanço do primeiro semestre de 2022. Com os ajustes, o lucro líquido no período recuou de R$ 190,5 milhões para R$ 160,3 milhões — uma diferença, segundo o próprio banco, de R$ 30,2 milhões. Já no primeiro trimestre deste ano, depois das correções, o lucro líquido anunciado com pompas pela instituição, de R$ 69,9 milhões, se transformou em prejuízos de R$ 43,3 milhões.

Os dados do BRB mostram, ainda, que o buraco dos três primeiros meses do ano foi coberto pelo lucro líquido de R$ 85,4 milhões computado entre abril e junho. Por isso, o resultado consolidado do banco no primeiro semestre de 2023 ficou em apenas R$ 42,1 milhões. Isso quer dizer que os ajustes determinados pelo BC não só zeraram o lucro informado inicialmente pelo BRB entre janeiro e março, como ainda deixaram um saldo negativo que comeu quase a metade dos ganhos obtidos nos três meses posteriores.

É importante ressaltar que, além de recorrer a créditos tributários, o BRB apontou lucro no primeiro semestre deste ano porque reverteu R$ 20 milhões em provisões para o pagamento de dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em 2001, a instituição foi autuada quatro vezes por não recolher contribuições previdenciárias sobre participações nos lucros de seus funcionários e sobre abono salarial. Agora, 22 anos depois, os advogados do banco entenderam que vencerão o processo com o INSS mesmo não tendo sentença final. Portanto, os R$ 20 milhões poderiam sair da rubrica de despesas e pular para a coluna de receitas.

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