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Conheça a história de Maha Mamo, a primeira apátrida naturalizada brasileira

Em passagem por Brasília, Maha Mamo, ativista nascida no Líbano e naturalizada brasileira, luta pela visibilidade das pessoas sem nacionalidade, uma situação delicada que atinge 10 milhões de pessoas em todo o mundo

 Podcast do Correio com a  Maha Mamo — palestrante mundial de Direitos Humanos e cidadã brasileira. Maha hoje reside em Paris, e é facilitadora da ONU (Organização dos Nações Unidas) e palestrante internacional do TEDx.  -  (crédito: Samuel Calado/CBPress)
Podcast do Correio com a Maha Mamo — palestrante mundial de Direitos Humanos e cidadã brasileira. Maha hoje reside em Paris, e é facilitadora da ONU (Organização dos Nações Unidas) e palestrante internacional do TEDx. - (crédito: Samuel Calado/CBPress)
postado em 10/11/2023 06:04

"São 10 milhões de apátridas no mundo e 99% das pessoas nem sabem o que isso significa". O desabafo de Maha Mamo, ativista dos direitos humanos que passou 30 anos como apátrida — ou seja, sem nacionalidade —, é uma tentativa de trazer foco a uma situação delicada, que atinge milhões, mas ainda tem pouca visibilidade. Convidada do Podcast do Correio, Maha contou aos jornalistas Ronayre Nunes e Adriana Bernardes a história de vida, como se tornou cidadã brasileira e deu detalhes do novo livro (que será adaptado para um filme).

Filha de sírios e nascida no Líbano, Maha não pode ser registrada como libanesa, pois, pelas leis locais, o direito à cidadania é sanguíneo (pelo lado paterno) e não territorial. Seus pais possuíam religiões diferentes, logo, a união de ambos é proibida na Síria.

"Eu sou uma em milhões no mundo, eu nasci e cresci como apátrida, sem direito a ter passaporte, RG (registro geral), certidão de nascimento. Você não existe legalmente", relembra Maha.

"Meu caso é especifico, mas existem diversos motivos para uma pessoa ser apátrida, por exemplo, na União Soviética, todo mundo tinha um registro da união, mas de repente se separou. Se você conseguiu a nacionalidade de um novo país, tudo bem, se não, você virou um apátrida", detalha.

De passagem por Brasília, a ativista fez o lançamento de seu novo livro, Maha Mamo: A luta de uma apátrida pelo direito de existir, nesta quarta-feira, na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). "Sempre foi um sonho meu lançar um livro sobre a minha história. O feedback tem sido muito positivo, várias pessoas ficam emocionadas e aprendem uma coisa nova". Além disso, Maha revela que um filme, dirigido por Bruno Barreto, sobre a sua vida, já está em produção e deve ser lançado no segundo semestre de 2024. "A gente já está com contrato fechado. Vamos começar a gravação em maio. Vai ser um filme de ficção baseado em fatos reais, e com ele eu quero ganhar um Oscar", comenta. Confira a íntegra do podcast:

Desafios

A ativista relata que, para os apátridas, os desafios são diários. Qualquer ocasião na qual seja necessário apresentar um documento, como, por exemplo, dar entrada no hospital, um apátrida não consegue fazer. "Nós vivemos nas sombras, pedindo favores. Não podemos casar, não podemos ter carro, somos privados de coisas básicas. Infelizmente, a gente tem muitos casos de suicídio de apátridas que não conseguem mais aguentar, que dizem: não, mas eu quero pertencer", conta.

"A pessoa não consegue viajar, ok. Mas não só as coisas de privilégio que você não consegue. São coisas básicas. Sua saúde. Como você vai dar entrada em um hospital sem documento?", desabafa Maha, que ainda relatou sobre a época em que teve consciência da condição de não ter nacionalidade. "Quando criança, eu não tinha problemas (em ser apátrida). Era problema dos meus pais, mas, na adolescência, eu comecei a perceber. Eu queria jogar basquete profissional, mas não podia; ser escoteira, mas não conseguia viajar para outros países com o grupo. Então começaram os questionamentos: por que? Então você vai atrás".

Brasileira

Em 2014, após dez anos de pesquisa e tentativas de sair dessa situação, o país que acolheu Maha e seus irmãos, Eddy Mamo e Souad Mamo, foi o Brasil. Por causa da guerra na Síria naquela época, o país estava fornecendo vistos humanitários, e os irmãos usaram a oportunidade para chegar ao Brasil.

"Eu mandei mensagens para várias embaixadas durante dois anos; a única que me atendeu, em 2014, foi a brasileira. Não porque eu era apátrida, mas por conta da guerra na Síria, para ser uma refugiada. E aí eu vim parar no Brasil", relembra.

Um ano depois, Eddy foi morto em uma tentativa de assalto em Belo Horizonte (MG). Maha conta que o trauma a ajudou a batalhar para buscar direitos além do refúgio. "Quando cheguei, achei que em alguns anos eu iria receber a nacionalidade, mas a resposta foi que, na legislação brasileira, sequer tinha o termo 'apátrida', então não tinha como tratar sobre o tema", narra.

Depois de uma campanha do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Maha começou a saga para ser reconhecida em solo brasileiro. Em 2017, na aprovação da Lei de Imigração (13.445), um capítulo sobre os apátridas foi incluído no texto. "Foi a ONU, o ministério da Justiça, o Itamaraty, os jornalistas. Cada vez que alguém falava comigo, eu explicava sobre a apatridia. Eu e minha irmã fomos as primeiras a ganhar nacionalidade após a lei", detalha. "Eu sinto que eu sou livre, que eu estou protegida. Agora eu tenho um país que eu chamo de meu".

 

 

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