Investigação

"Fomos vítimas", diz chefe do Detran sobre consulta de placa de ex de Cândido

MP solicitou informações ao Detran e ao DER-DF sobre supostas consultas de policiais civis em sistema de monitoramento de carros.

O diretor-geral do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), Takane Kiyotsuka comentou o uso de plataformas do órgão para os interesses de Robson Cândido, ex-delegado-chefe da PCDF
 -  (crédito:  Divulgação/Detran-DF)
O diretor-geral do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), Takane Kiyotsuka comentou o uso de plataformas do órgão para os interesses de Robson Cândido, ex-delegado-chefe da PCDF - (crédito: Divulgação/Detran-DF)
postado em 17/11/2023 09:22 / atualizado em 17/11/2023 09:27

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) solicitou informações ao diretor-geral do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), Takane Kiyotsuka do Nascimento, sobre a possibilidade de policiais civis terem pedido para que servidores do departamento consultassem a placa da ex-namorada do ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Robson Cândido.

Os promotores investigam se o ex-delegado-chefe — denunciado nesta quinta-feira (16/11) por diversos crimes —, além de monitorar a namorada com viaturas descaracterizadas da corporação e grampo ilegal, utilizou a influência dele dentro das forças de segurança para determinar que subordinados abordassem servidores do Detran e do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF) solicitando o monitoramento do carro da vítima.

Ao Correio, o diretor do Detran explicou que identificou que um servidor consultou a placa da ex-namorada de Cândido no sistema OCR — sigla em inglês para "registro ótico de caracteres". A ferramenta é utilizada para ler com mais clareza placas dos veículos e ajudar a monitorar motoristas que estão em situação irregular, e guarda imagens por um mês. Takane explicou que o pedido foi acatado porque é algo natural entre as forças de segurança.

“O MP pediu informações e encaminhamos oficialmente para eles sobre quem utilizou. Sempre existiu essa pesquisa, porque sempre nos solicitam. Nós fomos vítimas. Outros policiais foram vítimas, porque deveriam utilizar o sistema para algo sério, como uma operação”, disse.

“Identificamos apenas uma consulta do tipo. O sistema funciona quando você pega uma placa e, após a busca, mostra onde o carro esteve por último, seja por meio de pardais ou barricadas. Fomos usados para vigiar essa moça, pena que não para fins corretos como investigação deveria ser. Foi pedido a informação e ela foi dada”, completou o diretor.

É esperado que o diretor-geral do Detran, que é policial civil aposentado, preste depoimento ao Ministério Público sobre o caso que envolve o ex-delegado-chefe.

Denunciado

O MP denunciou Cândido e o ex-chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Thiago Peralva, no âmbito da Operação Vigia, deflagrada no início do mês. O processo corre em segredo de Justiça.

A denúncia foi apresentada pelo Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCAP), com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e do Centro de Inteligência (CI). O ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que está preso desde 4 de novembro na carceragem da corporação, foi denunciado por crimes como grampo ilegal, stalking (perseguição) e descumprimento de medida protetiva de urgência.

A investigação foi iniciada a partir do pedido de exoneração de Robson Cândido. De acordo com os promotores, Peralva, a pedido do chefe da corporação, inseriu ilegalmente o número de telefone de uma ex-namorada de Cândido em interceptação telefônica em curso na 2ª Vara de Entorpecentes que apurava tráfico de drogas — ato que prosseguiu mesmo após ele ter deixado o cargo máximo da corporação.

As ligações telefônicas da vítima, de 25 anos, eram monitoradas pelo ex-delegado-geral como se ela fosse criminosa ou interlocutora de traficantes. O grande objetivo, segundo as investigações, era monitorar os passos da jovem, além de saber com quem ela falava e os lugares que frequentava.

Além disso, uma versão dada pela vítima e corroborada pelos promotores ao decorrer das investigações é de que Cândido aparecia nos lugares em que ela estava, a seguia e a abordava, principalmente em Águas Claras, onde ela reside. Por determinação de Cândido, delegados utilizaram a estrutura da própria corporação, como viaturas descaracterizadas, celulares corporativos e carros oficiais, para monitorá-la.

Vigia

Conforme revelado pela reportagem do Correio, os promotores começaram a suspeitar de que o caso envolvendo o ex-delegado-chefe era mais grave, a partir de e-mails apócrifos recebidos no painel de denúncias do MP. Os delegados investigados utilizaram o sistema VIGIA para praticarem stalking (perseguição) e violência psicológica com a namorada de Cândido.

O que levou o ex-delegado-chefe a deixar o cargo deu-se quando a ex-namorada dele procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e denunciou que estava sendo perseguida pelo chefe da Polícia Civil. Na época, a esposa de Robson também registrou ocorrência mas, posteriormente, retirou a queixa.

Ao deflagrar a operação, foram colhidos elementos que apontam para a existência dos crimes de interceptação telefônica ilegal, corrupção passiva, violação de sigilo funcional, invasão de dispositivo de informática e descumprimento de medida protetiva de urgência. Os promotores, além de terem pedido a prisão de Cândido — deferido pela Justiça —, também solicitou a prisão de Peralva. O juiz Ernesto Cardoso Maciel, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Claras, no entanto, decidiu pelo afastamento do chefe da 19ª DP das funções, além do uso de tornozeleira eletrônica.

Por estar solto, Peralva está proibido de entrar em contato com a vítima e com testemunhas do processo de violência doméstica, por qualquer meio de comunicação. O magistrado também deferiu que há restrição de contato de Peralva com qualquer servidor, estagiário, detentor de cargo comissionado, policial ou delegado lotado na 19ª DP ou com qualquer servidor ou promotor do Gaeco e do NCap. A reportagem tenta contato com a defesa de Peralva.

O Correio também procurou a defesa de Cândido, que não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

Exonerações

Como forma de reformular a PCDF após o escândalo, o novo delegado-chefe da corporação, José Werick de Carvalho, trocou as chefias de delegacias, de divisões especializadas e de coordenações da corporação. Uma das principais trocas é a Corregedoria-Geral (CGP). O corregedor-geral, delegado Adval Cardoso, que ficou responsável pela investigação dos dois inquéritos policiais e disciplinar contra Cândido — os inquéritos foram enviados à Justiça e o disciplinar arquivado — decidiu se aposentar.

O delegado Ecimar Loli, que chefiava a Delegacia da Criança e Adolescente (DCA I), assumiu o lugar de Cardoso. Para a função de corregedora-geral adjunta, a delegada Ivone Rosseto será nomeada. As mudanças foram oficializadas em edição do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) da quinta-feira (16/11).

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